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quinta-feira, 31 de março de 2016

Na comissão do impeachment, juristas acusam Dilma: ‘Sobram crimes de responsabilidade’

Por: Marcela Mattos, de Brasília
Juristas Janaína Paschoal e Miguel Reale em audiência pública da Comissão Especial do Impeachment, nesta quarta-feira (30) que analisa o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, juntamente com o também jurista Hélio Bicudo. Os três assinam a denúncia de suposto crime de responsabilidade de Dilma com base nas chamadas “pedaladas fiscais''
Juristas Janaína Paschoal e Miguel Reale em audiência pública da Comissão Especial do Impeachment, nesta quarta-feira (30) que analisa o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, juntamente com o também jurista Hélio Bicudo. Os três assinam a denúncia de suposto crime de responsabilidade de Dilma com base nas chamadas “pedaladas fiscais''(Pedro Ladeira/Folhapress)
Em sessão tumultuada, os juristas que apresentaram denúncia contra a presidente Dilma Rousseff prestaram depoimento nesta quarta-feira à comissão do impeachment. Aos deputados, o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior e a advogada Janaína Paschoal acusaram a presidente da República de recorrer a expedientes que configuram tanto o crime de responsabilidade quanto crimes comuns ao maquiar os cofres públicos e fazer promessas durante a campanha eleitoral que, por causa do déficit fiscal, não poderiam ser cumpridas. "Crime não é apenas pôr a mão no bolso do outro e tirar dinheiro. Crime também é eliminar as condições desse país de ter desenvolvimento, cuja base é a responsabilidade fiscal", disse Reale Júnior.
Os juristas são autores da denúncia que deu início ao processo de impeachment de Dilma. O fundador do PT, Hélio Bicudo, também assina o documento. Ele não compareceu à sessão nesta quarta, mas esteve representado por sua filha, Maria Lúcia.
Os autores da ação acusam a presidente de infringir a lei brasileira em ao menos três momentos: na prática das chamadas pedaladas fiscais, já condenada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), na edição de decretos financeiros sem a autorização do Congresso, o que é proibido, e no comportamento "omisso-doloso" de Dilma no episódio do escândalo do petrolão. "Eu tenho visto várias frases que dizem que impeachment sem crime é golpe. Essa frase é verdade. A questão é que estamos diante de um quadro que sobram crimes de responsabilidade", afirmou a advogada Janaína Paschoal.
"Foi necessário baixar decretos não autorizados, abrindo credito não autorizado, quando se sabia que o superávit não era real. Foi necessário lançar mão de pedaladas fiscais porque do outro lado estava acontecendo uma sangria. Isso tudo é um conjunto de uma mesma situação que, ao meu ver como eleitora, como cidadã brasileira, mostra que nós fomos vítimas de um golpe. Para mim, vítima de golpe fomos nós", continuou Paschoal.

De forma didática, Reale Júnior comparou as maquiagens feitas no orçamento a um cheque especial. "As pedaladas fiscais se constituíram num expediente malicioso por via do qual foi escondido o déficit fiscal que transformaram despesa em superávit. Falseou-se o superávit primário, falseou-se a existência de uma capacidade fiscal que o país não tinha", disse o ex-ministro da Justiça. "É tal como um cheque especial: jogou-se para frente uma imensa dívida que só com relação às pedaladas fiscais alcançou 40 bilhões de reais. Essas dívidas não foram registradas. Isso constitui crime de falsidade ideológica, que é omitir declaração juridicamente importante", continuou, reforçando que a prática continuou acontecendo em 2015, ou seja, no atual mandato de Dilma.
"O que aconteceu é que de repente percebeu-se que o Estado estava falido. E a consequência foi emissão de títulos e aumento dos juros que tinham sido artificialmente reduzidos. Esse aumento levou a um processo inflacionário, a uma redução da atividade econômica, e o que é pior de tudo, levou à expectativa de mudança (...) à perda da confiança e da credibilidade. Sequestraram a nossa esperança", continuou Reale Júnior.
Ao fim das explanações, os juristas foram aplaudidos de pé por deputados pró-impeachment. Eles ergueram, ainda, cartões vermelhos que carregavam a frase "impeachment já". Parlamentares governistas, por outro lado, acusaram os autores de denúncia de transformarem a comissão em um comício político.
Nesta quinta-feira, será a vez de depoentes ligados ao governo prestarem esclarecimentos. Participarão da comissão o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Ricardo Lodi Ribeiro.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Contas do governo central têm déficit de R$ 25 bi em fevereiro

É o maior rombo para o mês desde o início da série histórica, em 1997; receitas tiveram queda real (descontada a inflação) de 11,4% ante mesmo mês do ano passado e as despesas, alta de 8%

Estadão Conteúdo
Com a atividade econômica e o pagamento de tributos em queda, o governo central registrou em fevereiro um resultado deficitário de R$ 25,070 bilhões, o pior desempenho para meses de fevereiro da série histórica, que tem início em 1997. O resultado reúne as contas do Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central.
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Com isso, o resultado primário no primeiro bimestre foi deficitário em R$ 10,273 bilhões, também o pior registrado na série histórica. Até agora, apenas no ano de 1997 houve déficit primário no primeiro bimestre, de R$ 329 milhões.

No primeiro bimestre do ano passado, o primário acumulava superávit de R$ 2,989 bilhões. Em 12 meses, o governo central apresenta déficit de R$ 131,85 bilhões - o equivalente a -2,22% do PIB.

Com dificuldades de cortar despesas e com a arrecadação em queda, o governo enviou ao Congresso Nacional na semana passada um projeto de lei reduzindo a meta de superávit do governo central de R$ 24 bilhões para R$ 2,8 bilhões e permitindo uma série de abatimentos que, na prática, podem resultar em um déficit primário de R$ 96,6 bilhões neste ano, o que será o terceiro resultado negativo seguido.

Receitas. O resultado de fevereiro representa uma queda real de 11,4% nas receitas em relação a fevereiro do ano passado. As despesas tiveram alta real de 8%. Até fevereiro, as receitas do governo central recuaram 3,8% e as despesas aumentaram 5,7%.

O déficit em fevereiro foi maior do que as expectativas do mercado financeiro - levantamento realizado pelo AE Projeções com 20 instituições mostrou um intervalo das expectativas de um déficit entre R$ 3,400 bilhões a R$ 20,390 bilhões, com mediana negativa em R$ 14 bilhões.

segunda-feira, 28 de março de 2016

Lula tem plano secreto para evitar prisão: pedir asilo à Itália

Ex-presidente e aliados estudam requerer que país europeu o receba como perseguido político. Itália foi escolhida porque sua família tem dupla cidadania

Por: Robson Bonin
GUERRA NA JUSTIÇA - O ex-presidente: sua nomeação para a Casa Civil deflagrou uma guerra na Justiça. Por enquanto, nada de ministério
GUERRA NA JUSTIÇA - O ex-presidente: sua nomeação para a Casa Civil deflagrou uma guerra na Justiça. Por enquanto, nada de ministério(Ricardo Stuckert/Instituto Lula/VEJA)
Numa crise que já revelou tramas e enredos antes inimagináveis, nada mais parece capaz de provocar surpresa nem espanto - e, no entanto, surpresa e espanto insistem em aparecer. Nos últimos dias, VEJA apurou o fio da meada que leva a um plano secreto destinado a tirar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva do Brasil, caso sua prisão seja decretada. O plano prevê que Lula pediria asilo a uma embaixada, de preferência a da Itália, depois de negociar uma espécie de salvo-conduto no Congresso, que lhe daria permissão para deslocar-se da embaixada até o aeroporto sem ser detido - e, do aeroporto, voaria para o país do asilo.
A cronologia do plano, de acordo com os detalhes que VEJA conseguiu levantar, pode ser resumida como se segue.
Domingo, 6 de março. Sob o impacto da 24ª fase da Operação Lava-Jato, na qual foi levado coercitivamente para depor na Polícia Federal, Lula reuniu seus principais conselheiros. Ali, debateram duas alternativas. A primeira era uma intervenção no governo de Dilma Rousseff, com Lula assumindo de fato o comando do país, como se tentou fazer com sua nomeação para a Casa Civil. A outra era uma solução mais drástica, sugerida por conselheiros para os quais o problema não era apenas político: Lula deixaria o Brasil de tal modo que pudesse se apresentar como vítima de uma perseguição política. Surgiram quatro opções de destino: Cuba, Venezuela, França e Itália.
Segunda, 7. A cúpula do PT, com base na discussão do dia anterior, destacou um emissário para sondar o regime cubano sobre o nível de proteção que Lula receberia de Havana caso se asilasse ali. A Venezuela foi logo descartada da lista em razão de sua instabilidade política. França e Itália continuaram no horizonte. As sondagens se prolongaram por quatro dias, até que, na quinta-feira, 10 de março, os promotores do Ministério Público, numa trapalhada jurídica, pediram a prisão preventiva de Lula. O ambiente ficou pesado e as negociações ganharam mais tração.
Quarta, 16. Enquanto o país ouvia as gravações da conversa telefônica entre Dilma e Lula, na qual a força-tarefa da Lava-Jato colheu indícios de que os dois agiam para obstruir a Justiça, uma sondagem desenrolava-se a quinze minutos do Palácio do Planalto: na embaixada da Itália. O embaixador daquele país, Raffaele Trombetta, promovia um jantar para quarenta convidados. Entre eles, aliados do ex-presidente com atuação destacada no mundo jurídico e no Congresso. Em determinado momento do convescote, Trombetta teve uma conversa franca e reservada com os emissários do ex-presidente. Foi perguntado sobre possíveis desdobramentos caso Lula se refugiasse no prédio da embaixada italiana e desse prosseguimento ao pedido de asilo político. Trombetta prometeu estudar as consequências. (Procurado por VEJA na semana passada, o embaixador Trombetta repassou o telefone a seu chefe de gabinete, Alberto La Bella, que se assustou ao ser perguntado sobre o plano de asilo para Lula. Disse La Bella: "Isso foi uma conversa particular do embaixador. Não sei o que dizer. O ministro Lula está no país. Acho difícil essa saída".)
Manhã de sábado, 19. Um dia antes, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, suspendera a posse de Lula como ministro da Casa Civil, numa decisão que caiu como uma bomba no PT. Como havia perdido o foro privilegiado e seu caso voltara às mãos do juiz Sergio Moro, em Curitiba, Lula passava novamente a correr o risco de ser preso preventivamente a qualquer momento. Lula resolve envolver-se pessoalmente no plano, que até aqui vinha sendo tocado sem a sua intervenção direta. Lula quis detalhes do assunto. Perguntou como deixaria o país sem ser capturado pela Polícia Federal, como seria o contato com as autoridades estrangeiras e quais seriam os desdobramentos para a sua família.
Noite de sábado, 19. Diante dos questionamentos de Lula, um pequeno grupo de advogados e políticos reuniu-se num endereço nobre de Brasília e detalhou de modo mais concreto o plano de emergência. Mesmo sem contar ainda com a resposta do embaixador Raffaele Trombetta, o grupo decidiu que a melhor opção era realmente a Itália. O fato de a ex-primeira-dama Marisa Letícia ter cidadania italiana e de o direito ser extensivo aos filhos igualmente investigados na Lava-Jato facilitava as coisas. Na reunião, os conselheiros debateram o roteiro jurídico para que o ex-presidente pudesse ser autorizado a deslocar-se da embaixada em que viesse a se asilar até o avião em que partiria para o exterior. Ficou acertado que seria necessária "uma saída negociada" com as principais forças políticas de oposição, já que o salvo-conduto teria de ser previamente aprovado pelo Congresso. A missão política foi delegada ao advogado Sigmaringa Seixas, ex-deputado do PT, e ao ex-ministro Nelson Jobim, que tem bom trânsito junto a diversos partidos. No PMDB, o primeiro a ser procurado foi o presidente do Senado, Renan Calheiros. Em seguida, acionou-se o ex-ministro Moreira Franco, por sua proximidade com o vice-presidente Michel Temer.

sábado, 26 de março de 2016

Berzoini e o tríplex de Lula

Bancoop mudou projeto para garantir vista para o mar ao tríplex de Lula. Ricardo Berzoini representava o ex-presidente

Pedro Marcondes de Moura
Os privilégios recebidos pela família do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do tríplex do Guarujá vão além de reformas pagas pela OAS. O projeto inicial do condomínio Mar Cantábrico - renomeado Solaris – foi alterado pela Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop) para se ajustar a exigências de Lula e da ex-primeira-dama Marisa Letícia. É o que apontam documentos enviados pelo Ministério Público paulista à força-tarefa da Lava Jato. ISTOÉ teve acesso a dois deles. O primeiro é o depoimento do corretor Temoteo Mariano.
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Representante de luxo: Ex-presidente da Bancoop, ministro Ricardo Berzoini
ajudou Lula a conseguir cobertura de frente para o mar, segundo depoimentos
 
Por anos, ele intermediou a aquisição de terrenos para a cooperativa. Em 2003, participou da compra da área em que foram erguidas as duas torres do condomínio Solaris. Temoteo afirmou, diante dos promotores em fevereiro, que o empreendimento fora alterado pela Bancoop para garantir o desejo de Lula de ter uma cobertura de frente para o mar. Mudanças que trouxeram prejuízos a cooperados e contaram com a participação do ministro e ex-dirigente da cooperativa, Ricardo Berzoini.
 
No depoimento, Temoteo afirma ter sido “o primeiro a comprar um imóvel naquele empreendimento”, em 2003. Adquiriu um apartamento de frente para o mar no 10º andar da torre hoje chamada Salinas. Mas desfez o negócio em poucos meses, após a Bancoop adotar uma medida controversa. Mudou a localização dos quatro apartamentos de cada pavimento para beneficiar o líder petista. “O ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, através de Ricardo Berzoini, era um dos aspirantes a uma unidade no prédio defronte ao mar”, afirma. 
 
“Desde o início do empreendimento Mar Cantábrico já havia a prévia solicitação do ex-presidente por uma cobertura. Ocorre que as unidades defronte para a praia já estavam vendidas.”, diz. Nada que o companheirismo da cooperativa ligada ao PT não pudesse resolver. A Bancoop modificou “a numeração dos apartamentos constantes do projeto original, ou seja, quem comprou as unidades finais 1 e 2 passou a ter a vista traseira e quem comprou as unidades finais 3 e 4, passou a ter a vista frontal para a praia.” O tríplex que, para os investigadores, pertence a Lula é o 164A.
 
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Outro ex-proprietário confirmou a inversão das unidades ao MP. Em 3 fevereiro, o corretor José Roberto Maifrino, que trabahou para a Bancoop, disse ter exigido a devolução das oito parcelas pagas após descobrir que seu apartamento de final 2 não teria vista para o mar. Procurou Carlos Della Libera, da empresa Dellpar, para entender a razão da mudança. A firma, diz, desenvolvia empreendimentos com a Bancoop. A resposta veio sem rodeios. Carlos Della Libera disse que “Tomas (Edson Botelho Fraga, ex-diretor da Bancoop) mandou avisar que era para mudar de empreendimento, porque questões internas da BANCOOP sinalizavam a necessidade de mudança de posição dos apartamentos”, afirma. 

A mudança privilegiava, além de Lula, outros integrantes da cúpula da cooperativa. Nos depoimentos, Temoteo e José Roberto revelam que a Bancoop fez outra alteração na planta. Não existiam tríplex, como o de Lula, no projeto do condomínio Mar Cantábrico - renomeado Solaris. Os maiores apartamentos eram duplex. “Com a construtora antiga, que não era a ARCHTECH, nem a OAS, havia a previsão de duplex e não tríplex”, afirmou Temoteo ao MP. Autoridades desconfiam que o acréscimo de um andar nos apartamentos da cobertura foram feitos para atender, entre outros, à família Lula. “São afirmações importantes, eles conhecem a história do empreendimento desde os primórdios”, diz o promotor paulista Cássio Conserino. 
 
“Estas e outras oitivas, além de documentos, revelam que o favorecimento ao casal é bem anterior ao Petrolão”, complementa. Para Conserino, os relatos obtidos nestes e em outros depoimentos jogam pá de cal na versão do ex-presidente de que ele teria comprado, apenas uma cota de outra unidade em 2005. A defesa de Lula diz que ele e Marisa não optaram por ficar com esta unidade nem por receber o dinheiro de volta quando a Bancoop transferiu o empreendimento inacabado à OAS em 2009. Outros proprietários foram obrigados a decidir em 30 dias sob o risco de perder o dinheiro. Em 2014, Lula, Marisa e um filho do casal foram vistos no tríplex. A primeira-dama acompanhou a reforma do imóvel, que custou mais de R$ 700 mil e foi paga pela OAS. 
 
O MP-SP pediu a prisão preventiva do ex-presidente no caso do tríplex no Guarujá na quarta-feira 9. Lula teria cometido os crimes de falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. A Justiça, no entanto, enviou a denúncia ao juiz federal Sergio Moro, que cuida da Lava Jato. Na terça-feira 22, o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, determinou que a investigação fosse remetida ao STF. No meio jurídico, no entanto, é dado como certo que as investigações sobre o tríplex voltarão aos domínios de Sergio Moro.
 
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Lula é VIP: Bancoop tirou vista para o mar de cooperados para beneficiar Lula 

sexta-feira, 25 de março de 2016

Os 7 crimes de Dilma

A PF, o MP e a Justiça Eleitoral já reúnem elementos para enquadrar a presidente em pelo menos sete crimes

Sérgio Pardellas
Na terça-feira 22, a presidente Dilma Rousseff proferiu o seu mais inflamado discurso desde o início da crise política. O pronunciamento apoiou-se no pretenso argumento de que até agora ela não cometeu crime algum e que, por isso, estaria sendo vítima de um golpe contra a democracia. “Não cometi nenhum crime previsto na Constituição e nas leis para justificar a interrupção do meu mandato. Neste caso, não cabem meias palavras: o que está em curso é um golpe contra a democracia”, afirmou Dilma.
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A retórica repetida como ladainha em procissão é típica de mandatários em apuros, quando não há muito mais o que fazer senão aguardar o fim que se avizinha. Em seus últimos dias como presidente, em 1992, Fernando Collor recorreu ao mesmo expediente. “Custe o que custar, eu serei o primeiro a estar na defesa e no embate da nossa Constituição. As manobras interessam aos que formam o sindicato do golpe”, disse Collor em agosto daquele ano. Ironicamente, quem estava do outro lado da trincheira, defendendo a legitimidade das ações para apear Collor do poder, era o PT.  
 
Naquele momento de efervescência do País, muito semelhante ao vivenciado pelos brasileiros nos últimos dias, os petistas estavam amparados pela lei. “Não tem nenhum paralelo entre golpe e impeachment. O impeachment é uma solução constitucional”, disse em junho de 1992 o então deputado do PT, José Dirceu, em entrevista ao Roda Viva. De lá para cá, a Constituição, ao menos em sua essência, não mudou. Quem mudou foi o PT. Os dois pronunciamentos, de Dilma e Collor, embutem um sofisma destinado a ludibriar a população. 
 
A fala de Dilma, em especial, ignora as fartas evidências dos crimes atribuídos a ela e que dão legitimidade não só ao processo de impeachment em análise na Câmara como a outras iniciativas contra ela no Poder Judiciário, incluindo a investigação em tramitação no TSE para apurar irregularidades na contabilidade da campanha à reeleição. Para a Polícia Federal, Ministério Público e Justiça Eleitoral há fortes indícios de que Dilma tenha cometido ao menos sete crimes só neste mandato: o de responsabilidade, improbidade administrativa, extorsão, falsidade ideológica, desobediência, o de responsabilidade fiscal e eleitoral. 
 
Na seara criminal, a mais contundente das acusações contra a presidente é a inequívoca tentativa de, em ao menos quatro episódios diferentes, tentar barrar a Lava Jato. Obstruir a atuação da Justiça é crime. Tipificado no inciso 5 do Artigo 6º da Lei 1.079, que define os crimes de responsabilidade passíveis de perda de mandato. Há duas semanas, Dilma foi flagrada em interceptação telefônica, autorizada pelo juiz Sérgio Moro, numa conversa com o ex-presidente Lula para combinar os detalhes de sua nomeação para a Casa Civil. 
 
No diálogo, Dilma disse a Lula que enviaria a ele por intermédio de um emissário um “termo de posse” para ser utilizado “em caso de necessidade”. A presidente começava a atuar ali para impedir que Lula fosse preso. Àquela altura, o Planalto já tinha informações de que o Ministério Público, em Curitiba, estava pronto para pedir a prisão preventiva do petista. Em nota, o Planalto afirmou que o trecho do grampo no qual Dilma diz para Lula usar o termo de posse “em caso de necessidade” não se refere a uma precaução contra uma eventual prisão. 
 
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Pedaladas: Para o jurista Ives Gandra, responsabilidade de Dilma é direta
 
E sim à possibilidade de que o ex-presidente não comparecesse à cerimônia de posse de novos ministros porque a ex-primeira-dama Marisa Letícia encontrava-se enferma em São Paulo. A versão não para em pé. As ações do Planalto confirmam a intenção de Dilma de livrar Lula dos problemas com a Justiça. Numa iniciativa nunca antes adotada na história republicana, a Presidência fez circular edição extra do Diário Oficial para dar a necessária publicidade legal ao ato de nomeação no mesmo dia em que foi assinado pela presidente. 
 
Ao mesmo tempo, Dilma colocou em marcha a seguinte estratégia, conforme apurou ISTOÉ: enquanto Lula ficaria com o termo de posse subscrito pela presidente, esta manteria consigo a documentação assinada pelo petista. Quando os agentes federais abordassem Lula, em São Paulo, ele assinaria a cópia do termo de posse já subscrito por Dilma. Em Brasília, a presidente assinaria o documento contendo a assinatura de Lula, encaminhando-o para publicação no Diário Oficial. E o novo ministro da Casa Civil evitaria a prisão. 
 
Lula não foi para a cadeia, mas a divulgação dos grampos inviabilizou a nomeação. No dia seguinte ao evento no Palácio do Planalto, o juiz federal Itagiba Catta Preta Neto, da 4ª Vara do Distrito Federal, decidiu liminarmente pela suspensão da posse de Lula. As digitais de Dilma, porém, não foram apagadas do ato tipificado na lei como crime de responsabilidade. Para Miguel Reale Jr., um dos juristas signatários do pedido de impeachment de Dilma, o episódio é uma afronta aos princípios republicanos e confere materialidade ao impedimento da presidente. “É um ato de imoralidade administrativa e política, passível de impeachment. 
 
Trata-se de uma tentativa de interferir na Justiça, agora gravada e documentada”, afirma. O inciso 5 do artigo 6º da a Lei nº 1.079 define como crime de responsabilidade exatamente o que os grampos envolvendo Dilma atestaram, ou seja, “opor-se diretamente e por fatos ao livre exercício do Poder Judiciário, ou obstar, por meios violentos, ao efeito dos seus atos, mandados ou sentenças.” 
 
Com a decisão do ministro Teori Zavascki de transferir para Brasília toda a investigação contra o ex-presidente Lula na Lava Jato, por causa da interceptação de conversas entre o petista e autoridades com privilégio de foro, incluindo a presidente, o assunto será examinado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Em recente entrevista, Janot não descartou investigar a chefe do Executivo. No empenho de Dilma para nomear Lula, também foram observadas evidências de cometimento de crime de desobediência. 
 
Proibido por decisão liminar da Justiça, Lula não chegou a sentar na cadeira de ministro, mas o Diário Oficial da União manteve o ex-presidente petista como titular da pasta. Por esse motivo, o partido Democratas denunciou Dilma à Procuradoria-Geral da República. No entendimento da legenda, ficou caracterizada uma afronta à decisão judicial de sustar o ato presidencial. E isso é crime de desobediência previsto pelo artigo 359 do Código Penal. 
 
A presidente Dilma teria incorrido no crime de obstrução de Justiça em mais três ocasiões, além daquela atestada pelos grampos de Sérgio Moro. De acordo com delação premiada do senador Delcídio do Amaral (MS), Dilma nomeou o ministro Marcelo Navarro para o STJ em troca do compromisso pela soltura de empreiteiros presos em Curitiba. Em outro trecho do depoimento, o senador acusou o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, de tentar comprar o seu silêncio. Não teria sido uma iniciativa isolada do ministro, mas uma ação coordenada pelo Planalto – principalmente por Dilma. 
 
Em recentes entrevistas, Delcídio fez ainda duas revelações gravíssimas. Disse ter sido “escalado por Dilma e Lula para barrar a Lava Jato” e afirmou que a chefe do Poder Executivo costumava alardear o controle sobre cinco ministros no Supremo. “Era clara a estratégia do governo de fazer lobby nos tribunais superiores e usar ministros simpáticos à causa para deter a Lava Jato”. Nestes três casos, mais uma vez fica complicado para a presidente escapar do enquadramento no crime de responsabilidade. “Há fortes indícios de uma obstrução em curso”, disse à ISTOÉ o ex-ministro do Supremo, Carlos Velloso.
 
Na semana passada, a Lava Jato trouxe revelações capazes de amplificar as dificuldades da presidente em se manter no cargo. No relatório de indiciamento do marqueteiro João Santana e de sua mulher e sócia, Mônica Moura, a Polícia Federal apontou que o casal recebeu pelo menos R$ 21,5 milhões entre outubro de 2014 e maio de 2015 – período pós reeleição de Dilma. O dinheiro fora distribuído pelo “departamento de propina” da Odebrecht. Nesse caso, Dilma por ser incluída no crime eleitoral de caixa dois. Adversários da petista pretendem propor ao TSE o compartilhamento dessas informações. 
 
Na corte eleitoral, Dilma já responde por abuso de poder político e econômico, por se valer do cargo para influenciar o eleitor e utilizar de estruturas do governo, como recursos desviados da Petrobras, para vencer a eleição. Estes não são os únicos esqueletos da campanha presidencial que ameaçam o mandato da petista. Caso fique comprovado o depoimento do ex-executivo da UTC Engenharia Ricardo Pessoa, Dilma pode ser responsabilizada também por crime de extorsão. O empreiteiro afirmou ter pago propina à campanha presidencial em 2014, depois de ter sido ameaçado pelo ministro Edinho Silva, então tesoureiro de Dilma, de ter obras canceladas com o governo caso não colaborasse. 
 
Há uma representação na PGR contra Dilma para apurar o achaque. Constranger alguém, mediante ameaça, com o intuito de obter vantagem econômica também é crime segundo o artigo 158 do Código Penal. Hoje, no entanto, a via eleitoral é considerada o caminho mais lento para apear Dilma do Planalto. Em tramitação na Câmara, o processo de impeachment deve ser concluído em até 45 dias, em desfavor de Dilma. A proposta de impedimento acusa a presidente de incorrer, em 2015, nas “pedaladas fiscais”, como ficaram conhecidos os atrasos nos repasses a bancos públicos a fim de maquiar as contas públicas. 
 
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Cantilena: Em discurso na terça-feira 22, Dilma repetiu o mantra da vitimização
 
A manobra fiscal foi reprovada pelo TCU no ano passado. As “pedaladas fiscais” ferem o inciso III do Art. 11 da Lei 1.079, dos crimes de responsabilidade, que é “contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal”. “Dilma foi alertada em 2013 de que as pedaladas eram ilegais e ao mesmo tempo poderiam provocar a perda do grau de investimento do Brasil. E ela não tomou nenhuma providência. Então, nesse particular, a responsabilidade é direta”, afirmou o jurista Ives Gandra. 
 
“Evidente que aquele que gasta fora da lei e cria um crédito que não estava previsto infringiu a lei”, fez coro Oscar Vilhena, professor de Direito Constitucional da FGV-SP. Sobre o mesmo tema, tramita no TSE uma ação contra a presidente por falsidade ideológica. A documentação traz evidências de que Dilma mentiu à população sobre a real situação de agravamento da crise econômica com maquiagens fiscais, por exemplo. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele deveria constar ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante é crime estabelecido pelo artigo 299 do Código Penal.
 
Por fim, o sétimo crime pelo qual a presidente pode responder é por improbidade administrativa. O Brasil inteiro testemunhou quando Dilma evocou todo aparato público do governo não para trabalhar pelo País, função para a qual ela foi eleita e é remunerada. Mas para mobilizar avião, helicóptero e seguranças para uma atividade partidária, prestando solidariedade a Lula, um dia após o petista sofrer condução coercitiva para prestar depoimento à PF. A atitude lhe rendeu uma ação na Justiça por improbidade movida por seus opositores. 
 
Na derradeira tentativa de conter o processo de impeachment, o Planalto colocou em prática a tática de judicializar a política. Através da AGU e de uma banca de advogados a serviço de Lula e do PT (leia pág. 34), o governo vem desencadeando uma enxurrada de ações nos tribunais superiores. A presidente não esconde sequer o desejo de bater às portas do STF, caso venha a ser impeachada. Ou seja, imagina que poderá lançar mão de todos os recursos jurídicos possíveis para se manter no cargo. 
 
No ano passado, provocado por petistas, o STF mudou as regras do impeachment com a partida em andamento. Hoje, porém, o cenário é outro. O clima na corte não está nada favorável para o Planalto após a divulgação das sucessivas afrontas ao Judiciário contidas nos grampos envolvendo Dilma, Lula, ministros do governo e próceres do PT. Com a palavra, o Supremo. Com tantas evidências contra a presidente, golpe haverá se as instituições se dobrarem às indecorosas investidas do poder. Mas não, não vai ter golpe.
 
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A orbita penal da presidente 
 
1- CRIME DE RESPONSABILIDADE
 
Obstrução da Justiça I 
Diálogo Dilma/Lula e atos da nomeação
 
Em diálogo mantido entre a presidente e o antecessor na quarta-feira 16, Dilma disse a Lula que enviaria a ele um “termo de posse” de ministro para ser utilizado “em caso de necessidade”. A presidente trabalhava ali para impedir que Lula fosse preso antes de sua nomeação para a Casa Civil. Os atos seguintes corroborariam o desejo de Dilma de livrar Lula dos problemas com a Justiça. Enquanto o presidente do PT, Rui Falcão, informava que a posse de Lula só ocorreria na terça-feira 22, o Planalto mandava circular uma edição extra do Diário Oficial formalizando a nomeação.
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Obstrução da Justiça II
Nomeação do Ministro Navarro
 
O senador Delcídio do Amaral (MS) afirmou em delação premiada, revelada por ISTOÉ, que a presidente Dilma Rousseff, numa tentativa de deter a Lava Jato, o escalou para que ele fosse um dos responsáveis por articular a nomeação do ministro Marcelo Navarro Dantas, do STJ, em troca da soltura de presos da investigação policial.
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Obstrução da Justiça III
Compra do silêncio de Delcídio
 
O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, foi escalado para tentar convencer o senador Delcídio a não fechar acordo de delação premiada com o Ministério Pública Federal, que chegou a insinuar ajuda financeira, caso fosse necessário.
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Obstrução da Justiça VI
Cinco ministros na mão
 
O senador Delcídio afirmou que Dilma costumava dizer que tinha cinco ministros no Supremo, numa referência ao lobby do governo nos tribunais superiores para barrar a Lava Jato.
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Enquadramento legal
Inciso 5 do Artigo 6º da Lei 1.079/1950:
 
Opor-se diretamente e por fatos ao livre exercício do Poder Judiciário, ou obstar, por meios violentos, ao efeito dos seus atos, mandados ou sentenças.
 
 
2- CRIME DE DESOBEDIÊNCIA

Nomeação de Lula no Diário Oficial 
Apesar de decisão da Justiça Federal que sustava a nomeação do ex-presidente para a Casa Civil, Dilma fez o ato ser publicado no Diário Oficial da União.

Enquadramento legal
Artigo 359 do Código Penal: Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou privado por decisão judicial
 
 
3- EXTORSÃO
 
Ameaças para doação de campanha
Ricardo Pessoa, da UTC Engenharia, afirmou ter pago propina à campanha presidencial em 2014 porque teria sido ameaçado pelo ministro Edinho Silva, então tesoureiro de Dilma, de ter obras canceladas com o governo. Há uma representação na PGR contra Dilma para apurar o possível achaque.
 
Enquadramento legal
Artigo 158 do Código Penal: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa.
 
 
4- CRIME ELEITORAL
 
Abuso de poder político e econômico na campanha de 2014
Dilma é acusada em ação no TSE de se valer do cargo para influenciar o eleitor, em detrimento da liberdade de voto, além da utilização de estruturas do governo, antes e durante a campanha, o que incluiria recursos desviados da Petrobras.
 
Caixa 2 
A Polícia Federal apontou no relatório de indiciamento do marqueteiro do PT João Santana e de sua mulher, Mônica Moura, que o casal recebeu pelo menos R$ 21,5 milhões entre outubro de 2014 e maio de 2015 - período pós reeleição da presidente Dilma - do “departamento de propina” da Odebrecht. Isso reforça as suspeitas de caixa 2 na campanha, descrita no Código Eleitoral como “captação ilícita de recursos”.
 
Enquadramento legal
Art. 237, do Código Eleitoral: A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos com cassação e ineligibilidade.
 

5- CRIME DE RESPONSABILIDADE FISCAL
 
Pedaladas fiscais
A presidente Dilma incorreu nas chamadas “pedaladas fiscais”, a prática de atrasar repasses a bancos públicos a fim de cumprir as metas parciais da previsão orçamentária. A manobra fiscal foi reprovada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Enquadramento legal
Inciso III do Art. 11 da Lei 1.079/1950: Contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal

Decretos não numerados
A chefe do Executivo descumpriu a lei ao editar decretos liberando crédito extraordinário, em 2015, sem o aval do Congresso. Foram ao menos seis decretos enquadrados nessa situação.
 
Enquadramento Legal
Inciso VI do Artigo 10 da Lei 1.079/1950: Ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal.
 
 
6- FALSIDADE IDEOLÓGICA
 
Escondendo o rombo nas contas
Corre uma ação no TSE em que os partidos de oposição acusam acusa a presidente Dilma de esconder a situação real da economia do país, especialmente no ano eleitoral.
 
Enquadramento legal
Art. 299 do Código Penal: Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.
 
 
7- IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
 
Visita político-partidária
Dilma foi denunciada na Justiça por mobilizar todo um aparato de governo – avião, helicóptero, seguranças – para prestar solidariedade a Lula em São Bernard, um dia após o petista sofrer condução coercitiva para prestar depoimento à Polícia Federal no inquérito da Operação Lava Jato. O próprio ato de nomeação de Lula na Casa Civil pode ser enquadrado neste crime.
 
Enquadramento legal
Art. 11 da Lei nº 8.429/1992: Constituti ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.
 
 
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A estratégia do impeachment
 
Enquanto governo abre o balcão de negócios para conseguir votos favoráveis, a oposição trabalha para acelerar a tramitação do processo
 
Para acelerar ao máximo o processo de impeachment na Câmara dos Deputados, a oposição recuou da proposta de incluir na peça contra a presidente Dilma Rousseff as denúncias contidas na delação premiada do ex-petista e senador Delcídio Amaral (MS). A decisão veio após o PT e outros integrantes da base aliada questionarem o aditamento e ameaçarem entrar com recurso no Supremo Tribunal Federal, o que aumentaria o prazo de tramitação do processo. 
 
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Segundo o líder do DEM na Câmara, Pauderney Avelino (AM), entretanto, a iniciativa não prejudicará o processo. Ele afirma que “as pedaladas fiscais, os prejuízos com a compra da refinaria de Pasadena e a edição de decretos de abertura de crédito orçamentário sem autorização do Congresso já são suficientes para justificar o impeachment”. Além disso, oposicionistas avaliam que a retirada não impedirá que o relator, Jovair Arantes (PTB-GO), inclua todas as informações da delação que achar pertinentes em seu relatório final.
 
Agora, o mais importante na avaliação de oposicionistas é alimentar o clima antigovernista junto à opinião pública, o que favorece diretamente o placar do impeachment. Na última semana, chegou a ser sugerido ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que a votação final, prevista para meados de abril, fosse agendada para um fim de semana, com o objetivo de inflamar protestos pelo país. Por sua vez, o governo montou uma operação de guerra, em que negocia ministérios e diversos cargos públicos, em busca de votos a seu favor.
 
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As duas faces de cardozo
 
Ministro da AGU, que criticou grampo sobre a presidente Dilma, defendeu mesma postura da PF em caso semelhante envolvendo Demóstenes Torres
 
A postura do ministro José Eduardo Cardozo desde que saiu o Ministério da Justiça e assumiu a Advocacia Geral da União tem chamado a atenção devido a sua súbita mudança de convicções. Em 2012, explodiu o escândalo envolvendo o bicheiro Carlinhos Cachoeira, quando a operação Monte Carlo desbaratou um esquema de corrupção e exploração máquinas de caça-níquel em Goiás. Durante as investigações apareceu a voz do então senador Demóstenes Torres falando sobre dinheiro com Cachoeira. 
 
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Na época, Cardozo defendeu os investigadores. Em entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, o ministro foi perguntado se a PF havia extrapolado suas funções ao continuar a investigar Cachoeira depois que apareceu a voz do senador, pois este gozava de foro privilegiado. Cardozo foi catedrático: “A meu ver não (...) O investigado era Carlos Cachoeira. A partir do momento em que se evidenciou para o juiz que havia uma possível situação de envolvimento no esquema de Carlos Cachoeira de Demóstenes Torres, ele resolve encaminhar para instância superior”. “A Polícia Federal cumpriu rigorosamente a lei, atendeu as ordens do juiz. 
 
Portanto, atuou exemplarmente neste caso. Não vejo ilegalidade naquilo que ocorreu”, afirmou Eduardo Cardozo. Já na última semana, como advogado da presidente, o mesmo ministro saiu atirando sobre o episódio do grampo nos telefones do ex-presidente Lula, autorizado pela Justiça, que acabou flagrando uma fala da chefe do Executivo. “Você pega uma escuta dentro de um contexto, tira uma série de conclusões de possibilidades, não de certezas. 
 
Quando isso vem a público, isso dá uma repercussão imensa e às vezes não é nada daquilo. Mas só que a honra da pessoa já foi atingida, por isso há que se tomar muito cuidado com essas análises que se faz de material apreendido porque elas podem não expressar a verdade. Nós passamos a ter no Judiciário o guardião de quaisquer situações que devem ser postas no âmbito da ação governamental direta. As ações judiciais passaram a ser um instrumento de ação política”, esbravejou. 

quinta-feira, 24 de março de 2016

'Bônus' anotados em planilhas da Odebrecht indicam que partidos e candidatos receberam mais do que o declarado

Documentos foram apreendidos na casa do diretor-presidente da Odebrecht Benedicto Barbosa Silva Júnior, no âmbito da 23ª fase da Operação Lava Jato

Por: Laryssa Borges e João Pedroso de Campos, de Brasília
Planilha da Odebrecht mostra destinação de dinheiro a candidatos e partidos políticos
Planilha da Odebrecht mostra destinação de dinheiro a candidatos e partidos políticos(VEJA.com/VEJA)
As planilhas apreendidas nas buscas e apreensões na casa do diretor-presidente da Odebrecht Benedicto Barbosa Silva Júnior, o BJ, trazem os nomes de mais de 200 parlamentares de 24 partidos e escancara a capilaridade das empresas de Marcelo Odebrecht como financiadora de campanhas de detentores de cargo eletivo. Além de registros contábeis de doações eleitorais legítimas, as tabelas retratam repasses duvidosos, classificados como "bônus". Nas supertabelas da Odebrecht, políticos são catalogados com divisões por Estados, partido e tipos de candidaturas, se municipal, estadual ou nacional. Em uma planilha sem referência a data, no Estado de São Paulo, por exemplo, existem rubricas para onze partidos, incluindo PT, PSDB, PMDB e PSB. Mesmo em casos de doações oficiais, o registro é de que não houve entrega do recibo original da doação em diversas tabelas com repasses para as eleições de 2012. Não fica claro apenas pelas planilhas, porém, se os nomes apontados ali estão de fato envolvidos em esquemas criminosos. Não há também por ora relatórios com análises dos peritos federais que elucidem a questão.
Ainda que as supertabelas da Odebrecht não possam ser relacionadas de imediato ao departamento da propina da empresa, a deflagração da 26ª fase da Lava Jato, na última terça-feira, tornou pública a atuação, por cerca de seis anos, de restrita equipe de confiança de Marcelo Odebrecht, dividida entre São Paulo e Salvador, e incumbida de uma única tarefa: repassar dinheiro sujo a corruptos. Sofisticada, a contabilidade do bunker era feita a partir de um programa de informática chamado MyWebDay e usava um sistema de comunicação próprio, o Drousys, instalado pelo irmão de Luiz Eduardo Soares, autor do e-mail sobre "bônus" a políticos. Para não deixar rastros mais evidentes, no sistema de comunicação, todos os usuários possuíam um login próprio. Fernando Migliaccio, preso na Suíça tentando esvaziar um cofre, era Waterloo, a secretária Maria Lúcia Tavares era Túlia. Hilberto Silva, o chefe, era Charlie.
Documentos apreendidos para além das planilhas dão indicativos do que a Odebrecht chamou de financiamento eleitoral "ilegal e ilegítimo". No dia 29 de agosto de 2012, às 14h40, Luiz Eduardo da Rocha Soares, apontado pela delatora e secretária da Odebrecht Maria Lúcia Tavares como um dos funcionários da central de propina, avisa Hilberto Alves da Silva Filho e o próprio Benedicto sobre os pagamentos a políticos que deveriam ser efetivados nos dias 29, 30 e 31 de agosto. Hilberto é oficialmente conselheiro consultivo na Construtora Norberto Odebrecht. Na prática, o chefe do departamento de propina da empresa.
A prioridade da mensagem trocada entre os executivos é alta e a lista dos beneficiários inclui os senadores Fernando Bezerra Coelho, do PSB (300.000 reais), Humberto Costa, do PT (150.000 reais), Armando Monteiro, do PTB (100.000 reais), o deputado tucano Bruno Araújo (100.000 reais), o prefeito de Salvador ACM Neto, do DEM (400.000 reais), o radialista e ex-candidato a prefeito Mario Kertesz, então no PMDB (250.000 reais), o atual secretário de Turismo do governo da Bahia Nelson Pelegrino, do PT (200.000 reais), o ex-deputado petista Carlos Martins (100.000 reais) e o ex-governador de Sergipe, João Alves, do DEM (350.000). Na lista dos beneficiários dos "bônus" da Odebrecht, aparecem ainda referências ao presidente do PPS Roberto Freire como "Roberto Freire/Vizinho" e uma indicação de repasse no valor de 500.000 reais, indicativos de outros 500.000 reais a "diversos" do PMDB estadual, meio milhão de reais também para o "PT Estadual", 400.000 reais para "PSDB Estadual" e meio milhão de reais tanto para Paulinho da Força em nome do PDT Estadual como para a ex-vereadora Soninha Francine, em nome do PPS Estadual. O DEM Estadual, sob a rubrica "diversos", é destinatário de 400.000 reais.
Entre os partidos, o Diretório Nacional do PT é a grande estrela da tabela de bônus da empreiteira. A legenda recebeu, de acordo com as planilhas, 1,5 milhão de reais, seguida por PSB, agraciado com 1,2 milhão de reais, DEM e PDT, cada um com 800.000 reais, PP, que recebeu 700.000 reais, PMDB, com 200.000 reais, e o PCdoB, contemplado com 150.000 reais. O PSDB aparece na tabela de bônus, mas não há valores vinculados à legenda. Um registro ao lado direito do documento Conciliação Contas Despesas 2014 salta aos olhos de quem o examina. O apontamento diz: "Custeamos todo o evento 2014 fora do limite e ainda recebemos custos da tesouraria referente ao 'limite' e a remessas". Conforme os investigadores da Operação Lava Jato já interpretaram em outra fase das investigações, "evento 2014" quer dizer eleições de 2014.
Desde 2012 - Os indícios de que a empreiteira destinou dinheiro "fora do limite" a partidos políticos e candidatos em eleições, no entanto, não se restringem ao "evento" daquele ano. Uma das tabelas em que o executivo Benedicto Júnior detalha minuciosamente com quais partidos a Odebrecht colaboraria financeiramente tem como título "Proposta De Pagamento De Bônus Em 06/09/2012", data em que estavam em curso campanhas pelas prefeituras municipais.
Além das legendas, políticos aparecem aos borbotões nas anotações de BJ. Os nomes vêm associados a valores, que devem ser multiplicados por 1.000, conforme indicam as anotações do executivo. São os casos dos governadores Reinaldo Azambuja (PSDB-MS), 500, Raimundo Colombo (PSD-SC), 300, e Paulo Câmara (PSB-PE), 50. O nome do governador mineiro Fernando Pimentel (PT), já atolado em suspeitas na Operação Acrônimo, também figura as anotações, sem, no entanto, ser precedido por números generosos.
Em outras planilhas, há registros de repasses aos prefeitos Fernando Haddad (PT), 2 milhões de reais, Márcio Lacerda (PSB), 3 milhões de reais, Arthur Virgílio (PSDB), 500.000 reais, Gustavo Fruet (PDT), 250.000 reais, Rosinha Garotinho (PR), 1 milhão de reais, Luiz Marinho (PT), 250.000 reais, e Sebastião Almeida (PT), 500.000 reais. Na mesma situação aparecem os senadores José Serra (PSDB-SP), 1 milhão de reais, Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), 700.000 reais, e o ministro do Desenvolvimento e senador licenciado Armando Monteiro (PTB), 200.000 reais. Um singelo "200,00", em alusão a repasses de 200.000 reais, é anotado ao lado da rubrica "indicações do deputado Edinho Silva".
Alguns caciques do PMDB recebem menção honrosa nas planilhas de Benedicto Júnior. "Parceiros históricos" é o predicado associado ao presidente do Senado, Renan Calheiros, ao ministro do Turismo Henrique Alves, ao ex-presidente José Sarney e aos senadores Romero Jucá e Garibaldi Alves. Nas tabelas de repasses financeiros, também são considerados "históricos" o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, o governador do Rio de Janeiro Luiz Fernando Pezão (PMDB) e seu antecessor Sergio Cabral (PMDB), o presidente da Assembleia Legislativa do Rio Jorge Picciani (PMDB), e o presidente do Democratas José Agripino. Os nomes de Pezão e Cunha são associados cada um a um milhão de reais, enquanto Cabral e Picciani aparecem ao lado de 500.000 reais cada. Excluído da lista dos peemedebistas "históricos", o prefeito carioca Eduardo Paes é compensado pelas cifras: 5 milhões de reais, conforme as anotações de BJ.
Há ainda documentos que remetem às regras escritas do chamado clube do bilhão das empreiteiras. Os papeis trazem o que seriam regras de um torneio esportivo e de um campeonato de tênis. Intitulado "Sport Club Unidos Venceremos" um dos papéis traz os codinomes Paulistano, Mineiro, Baianinho, Paulista, Carioquinha, Júnior, Novo Baiano para simular jogadores. Com codinome semelhante, a conta Paulistinha, por exemplo, tinha no departamento de propinas da Odebrecht cerca de 65 milhões de reais de saldo em novembro de 2015.
A operação - As planilhas apreendidas com BJ dizem respeito à 23ª fase da Operação Lava Jato, chamada Acarajé, que levou para a cadeia o marqueteiro do PT, João Santana, e a esposa dele, Monica Moura. Nesta fase, a secretária da Odebrecht Maria Lúcia Tavares também foi presa e os documentos fornecidos por ela foram cruciais para a deflagração da Operação Xepa. Nesta última etapa, os investigadores apreenderam inúmeras planilhas e telas que indicam um sistema informatizado de propina no qual os pagamentos e seus destinatários são ocultados por codinomes e senhas, sempre relacionados a altos valores, tanto em reais quanto em dólares e euros.
"A menção a 'lançamentos', 'saldos', 'liquidação' e 'obras' não deixa qualquer margem para interpretação diversa: trata-se de contabilidade paralela, destinada a embasar pagamentos de vantagens indevidas pelo grupo", diz relatório da PF. O sistema eletrônico contava até mesmo com um balanço de todas as contas paralelas geridas pelo setor. Salienta a PF: "Em algum momento em 2015, o sistema foi terminado, em clara tentativa de destruir evidências".
No departamento da propina, oficialmente Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, as ordens de pagamento partiam majoritariamente de Fernando Migliaccio, mas há registros de ordens do próprio Marcelo Odebrecht para repasses ao codinome "Feira", já identificado como referência a João Santana e Monica Moura. Diante da avalanche de indícios, Odebrecht anunciou a intenção de negociar um acordo de delação premiada - a senha para o desespero generalizado no Congresso.

quarta-feira, 23 de março de 2016

Teori determina que juiz Moro envie investigação sobre Lula para o STF

Com isso, investigações sobre ex-presidente saem da alçada de Moro.
Mesmo com a decisão, nomeação de Lula como ministro segue suspensa.

Renan RamalhoDo G1, em Brasília
O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, determinou na noite desta terça-feira (22) que o juiz federal Sérgio Moro envie para o STF as investigações da Operação Lava Jato que envolvem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Com a decisão, as investigações sobre Lula saem da alçada de Moro, responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância da Justiça Federal. As apurações tratavam, por exemplo, da suspeita de que construtoras envolvidas em corrupção na Petrobras prestaram favores ao ex-presidente na reforma de um sítio em Atibaia (SP) e de um tríplex em Guarujá (SP).
 
A determinação de Teori Zavascki, relator da Operação Lava Jato no Supremo, não derruba decisão da última sexta (18), do ministro Gilmar Mendes, que suspendeu a nomeação de Lula para o cargo de ministro da Casa Civil. Mas inviabiliza outra ordem de Gilmar Mendes que, na mesma decisão, havia determinado que as investigações sobre Lula ficariam com Moro.
Às 23h50, o G1 tentou acessar a página onde estavam disponíveis os áudios do ex-presidente, mas a página estava bloqueada.
Na decisão, o ministro Zavascki atende a um pedido do governo, que apontou ilegalidade na divulgação, autorizada por Moro, de conversas telefônicas interceptadas por ordem judicial, entre Lula e a presidente Dilma Rousseff e ministros.
Depois que Moro enviar a documentação sobre as investigações, o material remetido à Procuradoria Geral da República, que vai analisar se houve crime de Dilma e de outras autoridades. Caberá ao STF posteriormente analisar o que ficará sob investigação da Corte e o que poderá ser reencaminhado para a primeira instância.
Na prática, como os áudios das escutas já foram divulgados, se o Supremo considerar que Moro agiu de modo indevido, o conteúdo poderá ser desconsiderado como prova.
São relevantes os fundamentos que afirmam a ilegitimidade dessa decisão [de Moro]. Em primeiro lugar, porque emitida por juízo que, no momento da sua prolação, era reconhecidamente incompetente para a causa, ante a constatação, já confirmada, do envolvimento de autoridades com prerrogativa de foro, inclusive a própria Presidente da República. Em segundo lugar, porque a divulgação pública das conversações telefônicas interceptadas, nas circunstâncias em que ocorreu, comprometeu o direito fundamental à garantia de sigilo."
Ministro Teori Zavascki, do STF
A decisão de Teori Zavascki
Na decisão, Zavascki diz que compete somente ao STF avaliar como deve ser feita a divisão de investigações quando há indícios de envolvimento de autoridades com foro privilegiado, como Dilma e ministros.
Quanto aos áudios, o ministro diz que a lei proíbe “expressamente a divulgação de qualquer conversação interceptada” e determina a “inutilização das gravações que não interessem à investigação criminal”.
“Não há como conceber, portanto, a divulgação pública das conversações do modo como se operou, especialmente daquelas que sequer têm relação com o objeto da investigação criminal. Contra essa ordenação expressa, que – repita-se, tem fundamento de validade constitucional – é descabida a invocação do interesse público da divulgação ou a condição de pessoas públicas dos interlocutores atingidos, como se essas autoridades, ou seus interlocutores, estivessem plenamente desprotegidas em sua intimidade e privacidade”, escreveu o ministro.
No mesmo despacho, Zavascki decretou novamente o sigilo sobre as interceptações. No prazo de dez dias, Moro deverá prestar informações ao STF sobre a retirada do segredo de Justiça das investigações.
Ao decretar novamente o sigilo sobre as gravações, Zavascki diz que, apesar de já terem se tornado públicas, é preciso “evitar ou minimizar os potencialmente nefastos efeitos jurídicos da divulgação, seja no que diz respeito ao comprometimento da validade da prova colhida, seja até mesmo quanto a eventuais consequências no plano da responsabilidade civil, disciplinar ou criminal”.
"Procede, ainda, o pedido da reclamante para, cautelarmente, sustar os efeitos da decisão que suspendeu o sigilo das conversações telefônicas interceptadas. São relevantes os fundamentos que afirmam a ilegitimidade dessa decisão. Em primeiro lugar, porque emitida por juízo que, no momento da sua prolação, era reconhecidamente incompetente para a causa, ante a constatação, já confirmada, do envolvimento de autoridades com prerrogativa de foro, inclusive a própria Presidente da República. Em segundo lugar, porque a divulgação pública das conversações telefônicas interceptadas, nas circunstâncias em que ocorreu, comprometeu o direito fundamental à garantia de sigilo, que tem assento constitucional", escreveu o ministro.
AGU moveu ação
Na ação, a Advocacia Geral da União, que representa o governo junto à Justiça, argumenta que Moro não poderia ter quebrado o sigilo das conversas, decisão que, no entendimento da AGU, caberia somente ao próprio STF.
Isso porque alguns dos interlocutores de Lula nas conversas interceptadas são autoridades, como a presidente Dilma Rousseff e ministros, com foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal.
De acordo com a AGU, Moro colocou em risco a soberania nacional e os atos dele apresentam, segundo o governo, "vício de incompetência absoluta", uma vez que só o Supremo poderia ter divulgado os áudios.
Para a AGU, as informações que "não têm a ver" com a investigação foram tornadas públicas de forma indevida.
Íntegra da decisão
Leia abaixo a íntegra da decisão do ministro Teori Zavascki
MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO 23.457 PARANÁ
RELATOR :MIN. TEORI ZAVASCKI
RECLTE.(S) :PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
RECLDO.(A/S) :JUIZ FEDERAL DA 13ª VARA FEDERAL DE
CURITIBA/PR
ADV.(A/S) :SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) :MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
DECISÃO:
1. Trata-se de reclamação, com pedido liminar, ajuizado pela Presidente da República, em face de decisão proferida pelo juízo da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, nos autos de “Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefônicos 5006205-98.2016.4.04.7000/PR”. Em linhas gerais, alega-se que houve usurpação de
competência do Supremo Tribunal Federal, pois: a) no curso de interceptação telefônica deferida pelo juízo reclamado, tendo como investigado principal Luiz Inácio Lula da Silva, foram captadas conversas mantidas com a Presidente da República; b) o magistrado de primeira instância, “ao constatar a presença de conversas de autoridade com prerrogativa
de foro, como é o caso da Presidenta da República, [...] deveria encaminhar essas
conversas interceptadas para o órgão jurisdicional competente, o Supremo Tribunal Federal”, nos termos do art. 102, I, b, da Constituição da República; (c) “a decisão de divulgar as conversas da Presidenta - ainda que encontradas fortuitamente na interceptação - não poderia ter sido prolatada em primeiro grau de jurisdição, por vício de incompetência absoluta” e d) “a comunicação envolvendo a Presidenta da República é uma questão de segurança
nacional (Lei n. 7.170/83), e as prerrogativas de seu cargo estão protegidas pela
Constituição”.

Postulou, liminarmente, a suspensão imediata dos efeitos da decisão proferida em 16.3.2016 no dito procedimento e, ao final, seja anulada a decisão reclamada, determinando-se a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal.
Ato contínuo, por meio de petição protocolada sob número 13698/2016, a reclamante apresentou aditamento à petição inicial e alegou, em síntese, que (a) “segundo divulgado pela imprensa […] o juízo federal da 13ª Vara Federal de Curitiba houve por bem suspender o envio a essa Corte Suprema dos inquéritos que tratam dos fatos que ensejam as medidas de interceptação, limitando-se apenas a encaminhar os dados da quebra de sigilo telefônico do ex-Presidente Luis Inácio Lula da Silva”; (b) o magistrado
reclamado não teria competência para definir “o conjunto de inquéritos ou processos judiciais em curso que devem ou não ser remetidos ao exame do Pretório Excelso, única Corte de Justiça apta juridicamente a proceder a esse exame”. Requereu, assim, que seja determinado ao juízo reclamado “a remessa de todos os inquéritos e processos judiciais em curso que tratam dos fatos que ensejaram as interceptações telefônicas em que foram registrados diálogos da Sra. Presidente da República, dos Srs. Ministros de Estado e de outros agentes
políticos porventura dotados de prerrogativa de foro”.


2. A concessão de medida liminar também no âmbito da reclamação (arts. 158 do RISTF e 989, II, do Código de Processo Civil) pressupõe, além da comprovação da urgência da medida, a demonstração da plausibilidade do direito invocado, requisitos que no caso se mostram presentes.

3. O presente caso traz, em sua gênese, matéria que esta Suprema Corte já reconheceu como de sua competência no exame das Ações Penais 871-878 e procedimentos correlatos, porém procedendo à cisão do feito, a fim de que seguissem tramitando, no que pertine a envolvidos sem prerrogativa de foro, perante o juízo reclamado, sem prejuízo do exame
de competência nas vias ordinárias (AP 871 QO, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 10/06/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014).

4. É certo que eventual encontro de indícios de envolvimento de autoridade detentora de foro especial durante atos instrutórios subsequentes, por si só, não resulta em violação de competência desta Suprema Corte, já que apurados sob o crivo de autoridade judiciária que
até então, por decisão da Corte, não violava competência de foro superior
(RHC 120379, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe 24-10- 2014; AI 626214-AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, DJe 08-10-2010; HC 83515, Relator(a): Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, DJ 04-03-2005; Rcl 19138 AgR, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, DJe de 18-03-2015 e Rcl 19135 AgR, Relator(a): Min. TEORI
ZAVASCKI, DJe de 03-08-2015; Inq 4130-QO, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 23-9-2015).

5. O exame dos autos na origem revela, porém, ainda que em cognição sumária, uma realidade diversa. Autuado, conforme se observa na tramitação eletrônica, requerimento do Ministério Público de interceptação telefônica, em 17.2.2016, “em relação a pessoas associadas ao ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (eventos 1 e 2)”,
aditado em 18.2.2016, teve decisão de deferimento em 19.2.2016 e sucessivos atos confirmatórios e significativamente ampliativos, em 20.2.2016, 26.2.2016, 29.2.2016, 3.3.2016, 4.3.2016 e 7.3.2016, sempre com motivação meramente remissiva, tornando praticamente impossível o controle, mesmo a posteriori, de interceptações de um sem número de ramais telefônicos.

6. Embora a interceptação telefônica tenha sido aparentemente voltada a pessoas que não ostentavam prerrogativa de foro por função, o conteúdo das conversas – cujo sigilo, ao que consta, foi levantado incontinenti, sem nenhuma das cautelas exigidas em lei – passou por
análise que evidentemente não competia ao juízo reclamado: “Observo que, em alguns diálogos, fala-se, aparentemente, em tentar influenciar ou obter auxílio de autoridades do
Ministério Público ou da Magistratura em favor do ex- Presidente. Cumpre aqui ressalvar que não há nenhum indício nos diálogos ou fora deles de que estes citados teriam de fato
procedido de forma inapropriada e, em alguns casos, sequer há informação se a intenção em influenciar ou obter intervenção chegou a ser efetivada. Ilustrativamente, há, aparentemente,
referência à obtenção de alguma influência de caráter desconhecido junto à Exma. Ministra Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal, provavelmente para obtenção de decisão
favorável ao ex-Presidente na ACO 2822, mas a eminente Magistrada, além de conhecida por sua extrema honradez e retidão, denegou os pleitos da Defesa do ex-Presidente. De igual forma, há diálogo que sugere tentativa de se obter alguma intervenção do Exmo. Ministro Ricardo Lewandowski contra imaginária prisão do ex-Presidente, mas sequer o interlocutor
logrou obter do referido Magistrado qualquer acesso nesse sentido. Igualmente, a referência ao recém nomeado Ministro da Justiça Eugênio Aragão (‘parece nosso amigo’) está
acompanhada de reclamação de que este não teria prestado qualquer auxílio.
Faço essas referências apenas para deixar claro que as aparentes declarações pelos interlocutores em obter auxílio ou influenciar membro do Ministério Público ou da Magistratura
não significa que esses últimos tenham qualquer participação nos ilícitos, o contrário transparecendo dos diálogos. Isso, contudo, não torna menos reprovável a intenção ou as
tentativas de solicitação.”

7. Enfatiza-se que, segundo reiterada jurisprudência desta Corte, cabe apenas ao Supremo Tribunal Federal, e não a qualquer outro juízo, decidir sobre a cisão de investigações envolvendo autoridade com prerrogativa de foro na Corte, promovendo, ele próprio, deliberação a respeito do cabimento e dos contornos do referido desmembramento (Rcl
1121, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 04/05/2000, DJ 16-06-2000 PP-00032 EMENT VOL-01995-01 PP-00033; Rcl 7913 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 12/05/2011, DJe-173 DIVULG 08-09-2011 PUBLIC 09-09-2011 EMENT VOL-02583-01 PP-00066). No caso em exame, não tendo havido prévia decisão desta Corte sobre a cisão ou não da investigação ou da ação relativamente aos fatos indicados, envolvendo autoridades com prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal, fica delineada, nesse juízo de cognição sumária, quando menos, a concreta probabilidade de violação da competência prevista no art. 102, I, b, da Constituição da República.


8. Diante da relevância dos fundamentos da reclamação, é de se deferir a liminar pleiteada, para que esta Suprema Corte, tendo à sua  disposição o inteiro teor das investigações promovidas, possa, no exercício de sua competência constitucional, decidir acerca do cabimento ou não do seu desmembramento, bem como sobre a legitimidade ou não
dos atos até agora praticados.

9. Procede, ainda, o pedido da reclamante para, cautelarmente, sustar os efeitos da decisão que suspendeu o sigilo das conversações telefônicas interceptadas. São relevantes os fundamentos que afirmam a ilegitimidade dessa decisão.
Em primeiro lugar, porque emitida por juízo que, no momento da sua prolação, era reconhecidamente incompetente para a causa, ante a constatação, já confirmada, do envolvimento de autoridades com prerrogativa de foro, inclusive a própria Presidente da República.
Em segundo lugar, porque a divulgação pública das conversações telefônicas interceptadas, nas circunstâncias em que ocorreu, comprometeu o direito fundamental à garantia de sigilo, que tem assento constitucional. O art. 5º, XII, da Constituição somente permite a interceptação de conversações telefônicas em situações excepcionais, “por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de  investigação criminal ou instrução processual penal”. Há, portanto, quanto a essa garantia, o que a jurisprudência do STF denomina reserva legal qualificada.
A lei de regência (Lei 9.269/1996), além de vedar expressamente a divulgação de qualquer conversação interceptada (art. 8º), determina a inutilização das gravações que não interessem à investigação criminal (art. 9º). Não há como conceber, portanto, a divulgação pública das
conversações do modo como se operou, especialmente daquelas que sequer têm relação com o objeto da investigação criminal. Contra essa ordenação expressa, que – repita-se, tem fundamento de validade constitucional – é descabida a invocação do interesse público da
divulgação ou a condição de pessoas públicas dos interlocutores atingidos, como se essas autoridades, ou seus interlocutores, estivessem plenamente desprotegidas em sua intimidade e privacidade.
Quanto ao ponto, vale registrar o que afirmou o Ministro Sepúlveda Pertence, em decisão chancelada pelo plenário do STF (Pet 2702 MC, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 18/09/2002, DJ 19-09-2003 PP-00016 EMENT VOL-02124-04 PP-00804), segundo a qual:
“62. [A] garantia do sigilo das diversas modalidades técnicas de comunicação pessoal - objeto do art. 5°, XII -independe do conteúdo da mensagem transmitida e, por isso - diversamente do que têm afirmado autores de tomo, não tem o seu alcance limitado ao resguardo das esferas da intimidade ou da privacidade dos interlocutores.
63. ‘Por el contrario’ - nota o lúcido Raúl Cervini (L. Flávio Gomes Raúl Cervini Interceptação Telefônica,. ed RT, 1957, p. 33), ‘el secreto de las comunicaciones aparece en las Constituciones modernas – e incluso se infiere en la de Brasil - con una construcción
rigurosamente formal. No se dispensa el secreto en virtud del contenido de la comunicación, ni tiene nada que ver su protección com el hecho a estas efectos jurídicamente indiferente – de que lo comunicado se inscriba o no en el ámbito de la privacidad. Para la Carta Fundamental, toda comunicación es secreta, como expresión transcendente de la libertad, aunque sólo algunas de ellas puedan catalogarse de privadas. Respecto a este tema há sido especialmente clarificador el Tribunal Constitucional Espanõl al analizar el fundamento jurídico de una norma constitucional de similares características estructurales al art. 5 XII de la Constitución Brasileña. Há señalado el Alto Tribunal que la norma constitucional establece
una obligación de no hacer para los poderes públicos, la que debe mostrarse eficaz com independencia del contenido de la comunicación, textualmente: ‘el concepto de ‘secreto’ en el art. 18, 3°. (de la Constitución española) tiene un carácter ‘formal’ em el sentido de que
se predica de lo comunicado, sea cual sea su contenido y pertenezca o no el objeto de la comunicación misma al ámbito de lo personal, lo íntimo o lo reservado’. Agrega más adelante que sólo desligando la existencia del Derecho de la cuestión sustantiva del conteniclo de lo
comunicado puede evitarse caer en la inaceptable aleatoriedad en su reconocimiento que llevaría la confusón entre este Derecho y el que protege la intimidad de las personas’.
64. Desse modo - diversamente do que sucede nas hipóteses normais de confronto entre a liberdade de informação e os direitos da personalidade - no âmbito da proteção ao sigilo
das comunicações, não há como emprestar peso relevante, na ponderação entre os direitos fundamentais colidentes, ao interesse público no conteúdo das mensagens veiculadas, nem à
notoriedade ou ao protagonismo político ou social dos interlocutores”.


10. Cumpre enfatizar que não se adianta aqui qualquer juízo sobre alegitimidade ou não da interceptação telefônica em si mesma, tema que   não está em causa. O que se infirma é a divulgação pública das conversas interceptadas da forma como ocorreu, imediata, sem levar em consideração que a prova sequer fora apropriada à sua única finalidade constitucional legítima (“para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”), muito menos submetida a um contraditório mínimo.  A esta altura, há de se reconhecer, são irreversíveis os efeitos práticos decorrentes da indevida divulgação das conversações telefônicas interceptadas. Ainda assim, cabe deferir o pedido no sentido de sustar imediatamente os efeitos futuros que ainda possam dela decorrer e, com  isso, evitar ou minimizar os potencialmente nefastos efeitos jurídicos da divulgação, seja no que diz respeito ao comprometimento da validade da prova colhida, seja até mesmo quanto a eventuais consequências no plano da responsabilidade civil, disciplinar ou criminal.
11. Nos atos ampliativos antes referidos, encontra-se decisão datada de 26.2.2016, em que é autorizada a interceptação telefônica de advogado sob o fundamento de que estaria “minutando as escrituras e recolhendo as assinaturas no escritório de advocacia dele”. Aparentemente, é só em 16.3.2016 que surge efetiva motivação para o ato:
“Mantive nos autos os diálogos interceptados de Roberto Teixeira, pois, apesar deste ser advogado, não identifiquei com clareza relação cliente/advogado a ser preservada entre o ex-
Presidente e referida pessoa. Rigorosamente, ele não consta no processo da busca e apreensão 5006617-29.2016.4.04.7000 entre os defensores cadastrados no processo do ex-Presidente. Além disso, como fundamentado na decisão de 24/02/2016 na busca e
apreensão (evento 4), há indícios do envolvimento direto de Roberto Teixeira na aquisição do Sítio em Atibaia do ex-Presidente, com aparente utilização de pessoas interpostas.
Então ele é investigado e não propriamente advogado. Se o próprio advogado se envolve em práticas ilícitas, o que é objeto da investigação, não há imunidade à investigação ou à
interceptação.”
Sem adiantar exame da matéria, constata-se ser ela objeto de petição nos autos de Pet 5.991, a qual, com a presente decisão, sofre, no que diz respeito à jurisdição do STF, perda superveniente de interesse processual, devendo ser arquivada.


12. Ante o exposto, nos termos dos arts. 158 do RISTF e 989, II, do Código de Processo Civil, defiro a liminar para determinar a suspensão e a remessa a esta Corte do mencionado “Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefônicos 5006205-98.2016.4.04.7000/PR” e demais procedimentos relacionados, neles incluídos o “processo 5006617-29.2016.4.04.7000 e conexos” (referidos em ato de 21.3.2016), bem assim quaisquer outros aparelhados com o conteúdo da interceptação em tela, ficando determinada também a sustação dos efeitos da decisão que autorizou a divulgação das conversações telefônicas interceptadas.
Comunique-se com urgência à autoridade reclamada, a fim de que, uma vez tendo cumprido as providências ora deferidas, preste informações no prazo de até 10 (dez) dias.

Com informações ou decorrido o prazo, abra-se vista dos autos ao Procurador-Geral da República (arts. 160 do RISTF e 991 do Código de Processo Civil) e voltem conclusos para julgamento.

Junte-se cópia desta decisão nos autos de Pet 5.991, arquivando-se aqueles.

Publique-se. Intime-se.

Brasília, 22 de março de 2016
Ministro TEORI ZAVASCKI
Relator

terça-feira, 22 de março de 2016

Nem prisão de Odebrecht interrompeu pagamento de propina, diz MP

Lava Jato chega definitivamente ao caixa dois da empreiteira - e joga por terra linha de defesa adotada até aqui pelo executivo, apontado como comandante do esquema

Por: Laryssa Borges e Rodrigo Rangel, de Brasília
O executivo Marcelo Odebrecht, preso na Operação Lava Jato, durante depoimento à CPI da Petrobras em Curitiba, nesta terça-feira (01)
Lava Jato chega definitivamente ao caixa dois da Odebrecht(Heuler Andrey/AFP)
A Operação Lava Jato chegou definitivamente ao caixa dois do Grupo Odebrecht. Os mandados de busca e apreensão cumpridos nesta terça-feira na 26ª fase da operação jogam por terra a linha de defesa do empreiteiro e herdeiro Marcelo Odebrecht, que sempre argumentou na Operação Lava Jato que ele não detinha conhecimento de todas as estruturas da companhia e que tampouco adentrava no dia a dia das empresas do grupo. A nova etapa das investigações, batizada de Xepa, desvendou um esquema estruturado de pagamento de vantagens indevidas pelo Grupo Odebrecht e mostra que pelo menos até novembro de 2015 há registros de tratativas de pagamentos de dinheiro sujo feitas por executivos.
A nova fase da Lava Jato deve evidenciar ainda que o próprio marqueteiro João Santana, responsável pelas últimas campanhas publicitárias do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff, foi beneficiário direto de um esquema paralelo de pagamentos da Odebrecht. Os repasses foram feitos por uma estrutura específica no Setor de Operações Estruturadas da companhia. Nele, um sistema informatizado próprio processava o pagamento de propinas e permitia a comunicação sigilosa entre executivos e funcionários envolvidos nas tarefas ilícitas. Nos papéis coletados pela PF, os beneficiários estão registrados por codinomes. Ao lado, valores elevados relacionados a contratos em todo o país. De todos os codinomes, um dos mais vistosos é "Feira", em referência a Santana e à esposa dele, Mônica Moura.
São pelo menos 14 executivos de diversos setores do Grupo Odebrecht que davam ordens para os pagamentos paralelos do conglomerado. "Essas evidências abrem toda uma nova linha de apuração de pagamento de propinas em função de variadas obras públicas", disse o Ministério Público. Para os investigadores, as evidências de pagamento de propina em escala mostram que repasses de dinheiro sujo eram um "modelo de negócios" da Odebrecht. "Obtiveram-se mais evidências contundentes de que [Marcelo Odebrecht] não apenas tinha conhecimento e anuía com os pagamentos ilícitos, mas também comandava diretamente o pagamento de algumas vantagens indevidas, como, por exemplo, as vantagens indevidas repassadas aos publicitários e também investigados Monica Moura e João Santana", diz o MP.
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No início do mês, quando foi deflagrada a 23ª fase da Lava Jato, com foco no marqueteiro do PT, uma planilha de contabilidade paralela feita pela construtora Odebrecht listava pagamentos de 21,5 milhões de reais feitos pela companhia entre outubro de 2014 e julho de 2015, período da campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff e dos primeiros meses do segundo mandato da petista, já sob efeito da Operação Lava Jato. Naquele primeiro documento, ao lado do registro "Feira", havia códigos como "leite", "cerveja", "bacalhau" e "temperos", o que, de acordo com a PF, são senhas para contabilizar o repasse de dinheiro ilegal. "A inserção de codinomes é um claro indicativo de tratar-se de operações à margem da contabilidade da empresa, buscando 'mascarar' pagamentos não contabilizados de forma oficial", anotou a Polícia Federal.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Congresso, tenha dignidade e cumpra o seu papel!

A votação do processo de impeachment representa uma oportunidade histórica para os parlamentares defenderem o País e honrarem os votos de milhões de brasileiros

Mel Bleil Gallo
Há momentos cruciais na vida de um político em que ele precisa decidir se está disposto a responder aos anseios legítimos da sociedade ou se agirá de acordo com as suas conveniências particulares. Nos próximos dias, o Congresso brasileiro irá se deparar com esta circunstância histórica. Mais do que uma querela partidária, a votação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff representa, para congressistas de diferentes matizes ideológicas, uma rara oportunidade de mudar o destino de toda uma nação, e não apenas de partidos, sejam eles governistas ou de oposição.
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Protesto: Na quarta-feira 16, deputados da oposição exibem cartazes que pedem
a saída de Dilma. Abaixo, placar que sacramenta a abertura da comissão de impeachment
 
 
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Vilipendiado por escândalos de corrupção, ultrajado por parlamentares infames, o Congresso terá agora uma chance de se redimir dos pecados cometidos em nome do jogo político. Não é mais possível ignorar o chamamento das ruas. Não é mais justificável fechar os olhos à sujeira que cobre de névoas o governo petista. Não é aceitável impedir que o Brasil volte a sonhar com um futuro decente, para sair enfim do pesadelo que sufoca o País. Aprovar o impeachment da presidente de Dilma é, acima de tudo, uma questão de dignidade. 
 
Cabe ao Congresso cumprir o seu papel democrático, que não é outro a não ser defender o País e honrar os votos que os parlamentares receberam de milhões de brasileiros. A história é sempre implacável com aqueles que traem as aspirações populares. Foi assim com os que foram contrários ao impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. O destino lhes reservou o ocaso político. Não será diferente agora. No PMDB, persiste uma minoria que pretende desfrutar, até o último suspiro, das benesses oferecidas por Dilma. 
 
É o caso do deputado mineiro Mauro Lopes, que pisoteou a decisão da Convenção Nacional do PMDB ao assumir o posto de ministro da Aviação Civil na quinta-feira 17. Em reunião no sábado 12, a sigla havia proibido os filiados de ingressarem no governo. Não demorou para o desconhecido Lopes, que corre o risco de ser expulso da legenda, se tornar um dos alvos de manifestações populares. É um preço que ele e outros podem pagar por ignorarem o clamor popular pelo impeachment. Fazem parte deste ala colegas de Esplanada, como Kátia Abreu, Marcelo Castro, Henrique Eduardo Alves, Celso Pansera e Helder Barbalho. 
 
Na Câmara, a turma do PMDB que joga contra o País é capitaneada pelo líder Leonardo Picciani, além dos integrantes da Comissão do Impeachment José Priante (PA), João Marcelo (MA), Valtenir Pereira (MT) e Washington Reis (RJ). O ministro da Secretaria dos Portos, Helder Barbalho (PMDB-PA), já começa a sentir os efeitos da permanência no governo. Nos últimos dias, seus assessores receberam mensagens de e-mail com severas críticas ao apoio de Barbalho a Dilma. Permanecer até o fim na gestão da petista pode destruir sua pretensão de disputar a cadeira de governador do Pará. 
 
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Na última eleição, o político, de 36 anos, chegou a disputar o segundo turno. As cobranças públicas se assemelham às sofridas pela senadora e ministra da Agricultura, Kátia Abreu (PMDB-TO). Ela tem irritado suas bases históricas. Federações formadas por proprietários rurais insistem que a cassação de Dilma é necessária para destravar o Brasil. Acham inconcebível uma ex-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) se manter fiel a um governo que agrava crises no setor.
 
Não é melhor a situação do deputado federal e ministro da Saúde, Marcelo Castro (PMDB-PI). Ele pretende ir até o fim defendendo um governo do qual era crítico mordaz. Antes de assumir o cargo, Castro questionava publicamente o programa “Mais Médicos”. A permanência de Castro gera desgastes junto a entidades médicas, das quais é próximo. Também inspira desconfiança na bancada a continuação do deputado Celso Pansera (PMDB-RJ) à frente da Ciência e Tecnologia. O parlamentar traiu Eduardo Cunha, espécie de padrinho, em troca de espaço na Esplanada. 
 
Para a cúpula da legenda, a decepção com Pansera só não supera a que foi motivada por Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), ministro do Turismo. Nos bastidores, Michel Temer diz que Alves abandonou arranjos partidários em troca de um cargo incerto. Custo político maior deverão pagar os cinco integrantes governistas do PMDB na Comissão do Impeachment. Eles correm o risco de entrar para a história como a tropa de choque de uma gestão impopular e envolta em escândalos de corrupção. Leonardo Picciani (RJ), líder do partido, José Priante (PA), João Marcelo (MA), Valtenir Pereira (MT) e Washington Reis (RJ) caminham para ter seus nomes desprezados pelos eleitores em futuros pleitos. 
 
Eles esquecem, ou simplesmente ignoram, o que aconteceu com aqueles que foram até o final com Collor. Acabaram praticamente depostos juntos com o seu mentor político. O processo do impeachment começou a andar. Com 433 votos a favor e apenas um contra, do petista José Airton (CE), foi eleita na quinta-feira 17 a Comissão Especial da Câmara dos Deputados que apreciará o pedido de impedimento de Dilma. A instalação ocorre três meses depois que o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), decidiu aceitar as denúncias compiladas pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal e endossadas pela oposição. 
 
De lá para cá, o quadro político e econômico se deteriorou. Dos 65 integrantes da comissão, menos de dez votos ainda são considerados indefinidos (leia quadro). Pela distribuição das vagas, calculada a partir do tamanho de cada bancada, os partidos com maior número de representantes são o PMDB e o PT, com oito lugares cada. Em seguida, vêm o PSDB (seis) e o PP (cinco). A julgar pelo ritmo das investigações da Polícia Federal, a perspectiva para os próximos 45 dias é de intensa movimentação em Brasília. Este foi o prazo considerado por Cunha como “razoável” para que a comissão apresente seu parecer ao Plenário. 
 
A partir de agora, Dilma tem dez sessões para apresentar seu pedido de defesa. De forma inusitada, após uma série de desgastes enfrentados pelo Planalto, dois partidos da base aliada terão papel-chave até lá. Os líderes do PSD e do PTB na Câmara, Rogério Rosso (DF) e Jovair Arantes (GO), foram eleitos presidente e relator da Comissão, respectivamente. Embora oficialmente os dois sejam considerados aliados, a pressão é grande em seus partidos por uma guinada à oposição. Além disso, ambos são próximos do presidente da Câmara, diretamente interessado na saída de Dilma. O cerco está se fechando.
 
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Créditos das fotos desta matéria: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

domingo, 20 de março de 2016

Delcídio: “Lula comandava o esquema”

Delcídio do Amaral, ex-líder do governo, diz que tanto Lula como Dilma tinham pleno conhecimento da corrupção na Petrobras — e, juntos, tramaram para sabotar as investigações, inclusive vazando informações sigilosas para os investigados

Delcídio do Amaral
O Senador Delcídio do Amaral(Jefferson Coppola/VEJA)
O senador Delcídio do Amaral participou do maior ato político da história do país. No domingo 13, ele pegou uma moto Harley-Davidson, emprestada do irmão, e rumou para a Avenida Paulista, onde protestou contra a corrupção e o governo do qual já foi líder. Delcídio se juntou à multidão sem tirar o capacete. Temia ser reconhecido e hostilizado. Com medo de ser obrigado pela polícia a remover o disfarce, ficou pouco tempo entre os manifestantes, o suficiente para perceber que tomara a decisão correta ao colaborar para as investigações. "Errei, mas não roubei nem sou corrupto. Posso não ser santo, mas não sou bandido." Na semana passada, Delcídio conversou com VEJA por mais de três horas. Emocionou-se ao falar da família e ao revisitar as agruras dos três meses de prisão. Licenciado do mandato por questões médicas, destacou o papel de comando de Lula no petrolão, o de Dilma como herdeira e beneficiária do esquema e a trama do governo para tentar obstruir as investigações da Lava-Jato. O ex-líder do governo quer acertar suas contas com a sociedade ajudando as autoridades a unir os poucos e decisivos pontos que ainda faltam para expor todo o enredo do mais audacioso caso de corrupção da história. A seguir, suas principais revelações.
Por que delatar o governo do qual o senhor foi líder?
Eu errei ao participar de uma operação destinada a calar uma testemunha, mas errei a mando do Lula. Ele e a presidente Dilma é que tentam de forma sistemática obstruir os trabalhos da Justiça, como ficou claro com a divulgação das conversas gravadas entre os dois. O Lula negociou diretamente com as bancadas as indicações para as diretorias da Petrobras e tinha pleno conhecimento do uso que os partidos faziam das diretorias, principalmente no que diz respeito ao financiamento de campanhas. O Lula comandava o esquema.
Qual é o grau de envolvimento da presidente Dilma?
A Dilma herdou e se beneficiou diretamente do esquema, que financiou as campanhas eleitorais dela. A Dilma também sabia de tudo. A diferença é que ela fingia não ter nada a ver com o caso.
Lula e Dilma atuam em sintonia para abafar as investigações?
Nem sempre foi assim. O Lula tinha a certeza de que a Dilma e o José Eduardo Cardozo (ex-ministro da Justiça, o atual titular da Advocacia-Geral da União) tinham um acordo cujo objetivo era blindá-la contra as investigações. A condenação dele seria a redenção dela, que poderia, então, posar de defensora intransigente do combate à corrupção. O governo poderia não ir bem em outras frentes, mas ela seria lembrada como a presidente que lutou contra a corrupção.
Como o ex-presidente reagia a essa estratégia de Dilma?
Com pragmatismo. O Lula sabia que eu tinha acesso aos servidores da Petrobras e a executivos de empreiteiras que tinham contratos com a estatal. Ele me consultava para saber o que esses personagens ameaçavam contar e os riscos que ele, Lula, enfrentaria nas próximas etapas da investigação. Mas sempre alegava que estava preocupado com a possibilidade de fulano ou beltrano serem alcançados pela Lava-Jato. O Lula queria parecer solidário, mas estava mesmo era cuidando dos próprios interesses. Tanto que me pediu que eu procurasse e acalmasse o Nestor Cerveró, o José Carlos Bumlai e o Renato Duque. Na primeira vez em que o Lula me procurou, eu nem era líder do governo. Foi logo depois da prisão do Paulo Roberto Costa (ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, preso em março de 2014). Ele estava muito preocupado. Sabia do tamanho do Paulo Roberto na operação, da profusão de negócios fechados por ele e do amplo leque de partidos e políticos que ele atendia. O Lula me disse assim: "É bom a gente acompanhar isso aí. Tem muita gente pendurada lá, inclusive do PT". Na época, ninguém imaginava aonde isso ia chegar.
Quem mais ajudava o ex-presidente na Lava-Jato?
O cara da confiança do Lula é o ex-deputado Sigmaringa Seixas (advogado do ex-presidente e da OAS), que participou ativamente da escolha de integrantes da cúpula do Poder Judiciário e tem relação de proximidade com ministros dos tribunais superiores.
Quando Lula e Dilma passam a trabalhar juntos contra a Lava-Jato?
A presidente sempre mantinha a visão de que nada tinha a ver com o petrolão. Ela era convencida disso pelo Aloizio Mercadante (o atual ministro da Educação), para quem a investigação só atingiria o governo anterior e a cúpula do Congresso. Para Mercadante, Dilma escaparia ilesa, fortalecida e pronta para imprimir sua marca no país. Lula sabia da influência do Mercadante. Uma vez me disse que, se ele continuasse atrapalhando, revelaria como o ministro se safou do caso dos aloprados (em setembro de 2006, assessores de Mercadante, então candidato ao governo de São Paulo, tentaram comprar um dossiê fajuto contra o tucano José Serra). O Lula me disse uma vez bem assim: "Esse Mercadante... Ele não sabe o que eu fiz para salvar a pele dele".
O que fez a presidente mudar de postura?
O cerco da Lava-­Jato ao Palácio do Planalto. O petrolão financiou a reeleição da Dilma. O ministro Edinho Silva, tesoureiro da campanha em 2014, adotou o achaque como estratégia de arrecadação. Procurava os empresários sempre com o mesmo discurso: "Você está com a gente ou não está? Você quer ou não quer manter seus contratos?". A extorsão foi mais ostensiva no segundo turno. O Edinho pressionou Ricardo Pessoa, da UTC, José Antunes, da Engevix, e Otávio Azevedo, da Andrade Gutierrez. Acho que Lula e Dilma começaram a ajustar os ponteiros em meados do ano passado. Foi quando surgiu a ideia de nomeá-lo ministro.