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terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Para que servem nossos consulados e embaixadas?

A bilionária máquina diplomática do País proporciona mordomias a servidores públicos, mas falha na missão de dar suporte aos cidadãos brasileiros no Exterior

Izabelle Torres e Wilson Aquino
Na semana do Natal e do Réveillon, os brasileiros que foram ao consulado de Florença, na Itália, em busca de uma solução para algum embaraço burocrático, foram informados de que as atividades da casa estavam suspensas pelo recesso de fim de ano. No dia 4 de janeiro, a psicóloga amazonense Jaqueline Lopes Marques morreu em um acidente de carro em Los Angeles, nos Estados Unidos, e sua família declarou que não recebeu nenhum suporte da representação consular brasileira. Graças à morosidade das autoridades, o corpo de Jaqueline demorou quase uma semana para ser liberado para o Brasil. Na semana passada, o jornal “Folha de S. Paulo” revelou que o embaixador Guilherme de Aguiar Patriota (irmão do ex-ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota), número dois da missão do País na ONU, mora no Upper West Side, uma das regiões mais nobres de Nova York, em um imóvel alugado por US$ 23 mil mensais, o equivalente a cerca de R$ 54 mil. Detalhe importante: a conta é paga pelos cofres públicos. Em comum, todas as histórias apresentadas aqui revelam a ineficiência da bilionária máquina diplomática do Brasil.
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LUXO
A embaixada brasileira na Piazza Navona tem obras de arte e teto banhado a ouro
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Com um orçamento que ultrapassa os R$ 2,2 bilhões, o Ministério das Relações Exteriores gasta R$ 800 milhões apenas com servidores ativos, grande parte ganhando acima do teto constitucional, e outros R$ 400 milhões para manter a estrutura de embaixadas e consulados em 182 postos espalhados pelo mundo. Em Roma, na Itália, o Brasil mantém quatro representações diplomáticas. São duas embaixadas (uma delas no magnífico Palazzo Pamphili, na Piazza Navona, ornado com obras de arte e teto banhado a ouro, além de outra no Vaticano), um consulado-geral e um escritório junto à FAO, braço da ONU para alimentação e agricultura. Para que tudo isso? Procurado por ISTOÉ, o Itamaraty nada informou sobre o alto preço pago pelos brasileiros para sustentar seus tentáculos diplomáticos. Os gastos são bancados pelo contribuinte brasileiro, é claro, mas tratados com sigilo, o que é de estranhar em um País onde a transparência se tornou lei.
O órgão tem prometido ano após ano abrir sua caixa-preta de despesas e mostrar como os representantes brasileiros do alto escalão da diplomacia gastam o dinheiro público, mas os sistemas de controle de gastos do governo federal só alcançam um terço das despesas e não incluem detalhes das compras feitas por embaixadas, que são controladas pelo escritório financeiro de Nova York.  Só em festas, jantares e recepções, serão mais de R$ 12 milhões para custear eventos no Exterior em 2014. A maioria deles ocorrerá nas residências oficiais dos embaixadores, com o argumento de que ajudam a azeitar as relações dos homens que representam o Brasil em solo estrangeiro com autoridades de outros países. Trata-se, porém, de estratégia questionável cujos resultados práticos nem mesmo diplomatas experientes conseguem listar. A divulgação de que o embaixador Guilherme de Aguiar Patriota mora em um imóvel cujo aluguel custa R$ 54 mil mensais escancarou as mordomias da cúpula diplomática que vive no Exterior. Legalmente, o auxílio-moradia varia de US$ 3,2 mil a US$ 6,6 mil por mês, mas esses valores podem ser driblados por servidores de alto escalão cuja moradia é classificada na categoria de “residência oficial.” Na prática, isso permite o pagamento de aluguel de qualquer quantia. Dois diplomatas ouvidos por ISTOÉ afirmaram que a manobra é aceita pelo ministério apenas em alguns casos, mas sempre a partir de critérios que costumam ser justificados por apadrinhamentos.
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EMBAIXADA EM BERLIM
Estrutura cara, mas ineficiente
Do lado de fora dos muros das embaixadas e dos consulados, brasileiros que buscam ajuda efetiva da diplomacia sofrem com a passividade do País diante de problemas que mereciam reações mais firmes e solidárias. A má qualidade dos serviços explica-se por uma prática cada vez mais frequente: a indicação de servidores sem experiência prévia e treinamento para funções de chefia, e até empregados terceirizados para exercer funções de vice-cônsul do Brasil.  “Isso foi um absurdo e relata os problemas administrativos que os consulados vivem”, diz Soraya Castilho, presidente da Associação Nacional dos Oficiais de Chancelaria do Serviço Exterior Brasileiro.
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A maioria dos cidadãos que já enfrentou um problema grave no Exterior descreve uma situação comum. No início, a reação é de passividade total – marasmo que só costuma ser rompido quando vem uma ameaça externa, em particular alguma reportagem em jornal ou tevê. Foi assim no caso dos torcedores corintianos presos na Bolívia sob a arbitrária acusação de assassinato. Graças à inoperância da diplomacia brasileira, foram necessários cinco meses para que todos saíssem da prisão. Os casos não são isolados. “Os nossos diplomatas começaram a agir somente depois que procuramos a imprensa”, afirma a arquiteta Suzana Paschoali, cujo filho, o estudante de artes cênicas da Universidade de Brasília Artur Paschoali, 20 anos, está desaparecido desde 21 de dezembro de 2012, no Peru. “E, mesmo assim, demonstraram um total despreparo para lidar com a questão.” A família acredita que o jovem foi sequestrado por remanescentes do grupo terrorista Sendero Luminoso quando tirava fotos na região de Machu Picchu. Suzana conta que, quando soube do sumiço de Artur, ela e o marido viajaram para Lima, mas encontraram apenas funcionários terceirizados na embaixada brasileira. “Os diplomatas mais tarde se desculparam, alegando que, como era fim de ano, estavam de férias”, lembra a arquiteta, para quem, caso a representação consular tivesse se mobilizado com mais interesse e rapidez, Artur poderia ter sido resgatado. “Agora, quando cobro uma solução, eles ficam irritados”, diz ela.
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Brasileiros que travam na Justiça disputas com estrangeiros também reclamam da falta de atenção e apoio por parte dos consulados. A advogada paulista Jacy Raduan, 33 anos, relata a situação de desamparo em que se encontrou quando foi pedir ajuda ao consulado para recuperar os dois filhos, de 5 e 7 anos, que lhe foram tomados pela Justiça alemã. Divorciada do pai dos meninos, um advogado alemão, ela levou as crianças em 2009 para visitá-lo na cidade de Baden-Baden. O pai declarou que Jacy tentaria sequestrar as crianças para trazê-las ao Brasil e a Justiça alemã deu a guarda imediatamente a ele.  “O pai fez uma declaração falsa ao governo alemão. Fui procurar o consulado e a atendente me disse que o máximo que ela poderia fazer era ouvir o meu lamento”, diz Jacy. Segundo ela, o consulado nem sequer a orientou sobre os procedimentos legais necessários para recuperar a guarda das crianças. Jacy hoje vive no Brasil – sem os filhos.
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A ineficiência se sucede. Na embaixada de Roma, localizada na histórica Piazza Navona, a servidora pública Aracy Souza tentou sem sucesso um encontro com o embaixador para apresentar os termos de uma parceria comercial entre a multinacional em que trabalha e uma empresa brasileira. Foi informada de que não seria atendida e nem sequer passou da portaria. Acabou conseguindo uma audiência, em Brasília, com o ministro Fernando Pimentel, da Indústria e Comércio Exterior. “Pretendia fechar um acordo de cooperação entre empresas, mas nada consegui em Roma”, diz. “Me fizeram seguir um caminho mais trabalhoso.”  Tudo isso se revela pior e mais grave enquanto o Itamaraty não for capaz de explicar, de modo transparente, o destino real do dinheiro que recebe dos cofres públicos. Para que servem palacetes suntuosos se os cidadãos brasileiros – afinal, os que pagam a fatura – são tratados com tamanha indiferença?
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Fotos: G. Nimatallah/de Agostini/Glow Images; Imago/Stefan Zeitz; Joano Cunha/Folhapress; João Castellano/Ag. Istoé  Adriano Machado/Ag. Istoé

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