Decisão tem impacto direto nas delações da Operação Lava-Jato. Delatores como Marcelo Odebrecht poderiam interromper colaboração com a justiça
Na carceragem de Curitiba e de
Pinhais, onde estão detidos empreiteiros e empresários enrolados na
Operação Lava-Jato, e nas principais bancas de criminalistas do país,
todas as atenções se voltavam nesta quarta-feira para o Supremo Tribunal
Federal (STF), em Brasília. A corte se preparava para julgar dois
processos que poderiam acabar de vez com a sensação de que corruptos
poderosos e endinheirados possuem verdadeiros passaportes para a
impunidade. Com dinheiro suficiente para pagar bons advogados, eles
criavam na prática “quatro instâncias” para recorrer em liberdade –
juízo de primeiro grau, Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais
Federais, Superior Tribunal de Justiça e o próprio STF. Na prática,
raramente cumpriam pena.
Os detentos do petrolão tinham especial
interesse no veredicto de hoje. Se a indústria dos recursos eternos
fosse mantida, poderiam ser interrompidos os acordos de delação premiada
que revelariam ainda mais detalhes do esquema de corrupção instalado na
Petrobras. Com a perspectiva de só terem de enfrentar realmente os
riscos de cadeia dentro de anos, empreiteiros como Marcelo Odebrecht e
Léo Pinheiro se calariam. Manteriam a tradicional omertà.
Nesta quarta-feira, porém, o desejo dos
poderosos do petrolão não se confirmou. O Supremo confirmou, por
apertados seis votos a cinco, que a execução das penalidades pode ser
feita já na segunda instância, sem depender do chamado trânsito em
julgado. No julgamento no STF, o ministro Luiz Fux resumiu: “Estamos
discutindo isso porque no Brasil as condenações são postergadas com
recursos aventureiros, por força de recursos impeditivos do trânsito em
julgado”.
Entre os magistrados, um exemplo
recorrente de impunidade: o jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves,
condenado pelo assassinato da ex-namorada Sandra Gomide, no ano 2000,
passou 11 anos solto. Pimenta era réu confesso, mas só foi preso em
2011. Neste ano passou para o regime aberto.
Do plenário, os ministros mandaram um
recado claro contra a impunidade dos poderosos, que contam com o
conceito elástico de presunção de inocência para nunca expiar culpa
atrás das grades. “O sistema brasileiro hoje frustra na maior medida
possível o senso de justiça de qualquer pessoa. Um sistema de justiça
desacreditado pela sociedade aumenta a criminalidade, não serve para o
Judiciário, não serve para a sociedade, não serve para ninguém”, disse o
ministro Luis Roberto Barroso ao falar sobre a dificuldade de levar
criminosos poderosos efetivamente para atrás das grades. “Por ser um
princípio e não uma regra, a presunção de inocência é ponderada e
ponderável com a efetividade do sistema penal, que é um valor que
protege a vida das pessoas para não serem assassinadas, protege a
integridade física, protege a integridade patrimonial”, continuou. “[Sem
a prisão em segunda instância] O sistema brasileiro não era garantista.
Era grosseiramente injusto”.
Entre os ministros que consideraram que a
prisão já em segunda instância é possível, prevaleceu o entendimento
que o trecho da Constituição que trata de prisão é o inciso 61 do artigo
5º: “Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
“Depois da segunda instância, sobe o
interesse do sistema de fazer aplicar a norma penal. Depois do segundo
grau, o peso da presunção da inocência fica mais leve e menos relevante
em contraste com o interesse estatal”, afirmou Barroso. Em fevereiro,
por sete votos a quatro, o STF havia entendido que a segunda instância é
a última que analisa provas de materialidade e autoria e, por isso, a
pena já poderia ser executada.
Desde a retomada do tema à discussão,
advogados articularam uma proposta alternativa: a de que a execução da
pena possa ocorrer após o julgamento do recurso especial pelo Superior
Tribunal de Justiça (STJ). A iniciativa significaria que um tribunal
superior teria confirmado a condenação do réu, mas apenas os ministros
Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli – que mudou o entendimento pessoal
desde fevereiro – consideraram a hipótese. Também votaram contra a
execução da pena em segundo grau os ministros Ricardo Lewandowski, Rosa
Weber e Celso de Mello. Hoje, o decano criticou o que chamou de
“pragmatismo de ordem penal” e disse que o STF deve assegurar o direito
fundamental de um acusado ser presumido inocente até que se sobreponha
sentença condenatória transitada em julgado. “A majestade da
Constituição Federal não pode ser violada pela potestade do Estado”,
afirmou.
Ao longo de toda a discussão, foram
repisados por advogados argumentos que suspeitos podres seriam os
principais prejudicados e ampliariam ainda mais a situação de caos do
sistema penitenciário brasileiro. Teori Zavascki rechaçou de pronto a
tese. Segundo ele, é improvável que condenados menos abastados entupam a
justiça de recursos, além de ser necessário considerar que todos os
recursos deles fossem aceitos e, ao fim, eles fossem declarados
inocentes. “É absolutamente desprovido de base real que a improcedência
da ADC [ação declaratória de constitucionalidade julgada hoje] iria
acarretar injusto encarceramento de dezenas de milhares de condenados,
notadamente pessoas humildes defendidas pela Defensoria Pública. Isso
parte da premissa que tem recursos e que recursos serão acolhidos e que
todos eles são inocentes”, disse.
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