Greve de professores e servidores agrava a crise na educação e mostra o descaso do governo com as instituições de ensino publico do País, já comprometidas pelo corte nos repasses
Camila Brandalise (camila@istoe.com.br)
Falta luz nas
salas de aula. O número de assaltos aumentou porque seguranças foram
demitidos. O lixo está entulhado depois do corte nas equipes de limpeza.
Reformas estão paralisadas. O pagamento das bolsas está atrasado.
Grande parte das 63 universidades federais brasileiras já enfrentou pelo
menos um desses problemas algum dia. Muitas delas mantêm grandes
estruturas e o dinheiro em caixa nem sempre é suficiente. Mas em 2015
essas situações não só se tornaram recorrentes como generalizadas. No
discurso, a educação é uma prioridade do governo, porém a realidade
mostra o contrário. Neste ano, a verba repassada para as instituições de
ensino superior que recebem dinheiro do cofre federal sofreu um corte
de cerca de 30%. Segundo o Ministério da Educação (MEC), em janeiro e
fevereiro foram repassados o equivalente a 1/18 do valor anual, mas a
partir de março as transferências teriam sido regularizadas. A
informação é negada por universidades consultadas por ISTOÉ, que afirmam
estar até agora recebendo repasses reduzidos. Sem dinheiro suficiente,
as administrações cortaram serviços básicos e criou-se um ambiente
incompatível com o aprendizado. A crise fica ainda mais pungente com o
início da greve de servidores e professores na quinta-feira 28. Entre
outras reivindicações relacionadas às suas carreiras, os profissionais
exigem normalização dos repasses do governo. Um dos pontos cruciais para
o desenvolvimento do País, a universidade federal se vê hoje imersa em
dívidas e chegando ao extremo de suspender aulas e cancelar
contratações, comprometendo as pesquisas e uma geração de futuros
profissionais. Sem perspectiva de resolução, e com o governo se
recusando a assumir a responsabilidade, fica a questão: quem pagará essa
conta?
Considerada a maior do país, a Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é um dos casos mais emblemáticos – e
dramáticos. Com 62.240 alunos, 4.036 docentes e 9,3 mil servidores, a
instituição teve de suspender aulas em alguns cursos no começo de maio
porque não havia serviços de limpeza e segurança. Funcionários entraram
em greve por falta de pagamento e, dias depois, a situação ficou
insustentável. Para a professora do Instituto de Química Glória Braz,
desde a implementação do programa de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (Reuni), a tragédia estava anunciada. “O número
de alunos aumentou, mas a estrutura de apoio não acompanhou”, diz. O
atraso no pagamento das bolsas-auxílio, de pesquisa, extensão e
iniciação científica também deixou os estudantes apreensivos. Na
segunda-feira 25 os servidores declararam greve e os alunos decidiram na
quinta-feira 28 parar em apoio aos funcionários. Thainá Marinho, 19
anos, está no quinto período de Letras/Latim. “Este ano a rotina
acadêmica mudou bastante. Em relação à estrutura, os banheiros ficaram
imundos, com pilhas de lixo e um cheiro forte”, diz.
Em relação à estrutura e ao funcionamento
das instituições, há situações similares em todo o País. Na Universidade
de Brasília (UnB), o repasse mensal, que deveria ser de R$ 11 milhões,
caiu para R$ 7 milhões. “Em janeiro, fevereiro e abril, a gente teria
que receber um determinado valor para despesas de custeios que cobrem
jardinagem, segurança, papel, luz. Recebemos um terço a menos do que o
previsto. Estamos na pior situação”, afirma César Augusto Tibúrcio,
decano de planejamento e orçamento. Contas de água e luz estão atrasadas
e há reformas paradas. “Temos um valor de despesa de custeio em torno
de R$ 15 milhões. Parte disso vem do governo e parte de recursos
próprios, de imóveis que administramos. Mas ainda assim não é
suficiente.” A maior crítica feita por Tibúrcio é a falta de informação
por parte do governo, que só definiu a programação orçamentária na
sexta-feira 22, mas até agora não se pronunciou sobre quanto será
repassado às universidades. Na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), o atraso nos salários causou uma paralisação entre funcionários
da vigilância do campus. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), os fornecedores também não foram pagos. “Os repasses do governo
são feitos sem uma frequência ou data pré-estabelecida, o que ocasiona
um descompasso no fluxo financeiro”, afirma a instituição em nota.
Na Universidade Federal da Bahia (UFBA), a
reitoria organizou um ato público para informar sobre os problemas
gerados pelo contingenciamento de 40% nos repasses e do déficit de R$ 28
milhões referentes a 2014. Pagamentos de contas de energia elétrica e
fornecedores estão comprometidos. Foram estipuladas algumas medidas para
redução de custos, como corte de até 25% nos contratos de serviços
terceirizados, que provoca diminuição das equipes de segurança, portaria
e recepção, manutenção e limpeza. A mesma estratégia foi adotada pela
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Na Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), o diretório central dos estudantes (DCE) tem
discutido o corte no orçamento. “Seguranças foram dispensados e os
assaltos aumentaram muito”, afirma Izabella Lourença, coordenadora geral
do DCE. A universidade tem mais de 30 mil alunos e dois campi
principais. Outro problema da UFMG é o atraso no pagamento das
bolsas-auxílio. Na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em um
comunicado divulgado para os alunos, a entidade explica que o atraso no
pagamento das bolsas se devia ao fato de o governo federal ainda não ter
efetuado o repasse do orçamento. Em vez de quatro parcelas de R$ 400
por semestre, os alunos receberam só uma, sem garantia das outras três.
Foram os funcionários que puxaram a greve.
Servidores de 60 universidades, segundo a Federação de Sindicatos de
Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior
Públicas do Brasil (Fasubra), aderiram oficialmente à paralisação que
começou na quinta-feira 28. No mesmo dia, docentes de 18 instituições
começaram a paralisação em 12 estados. Segundo Rolando Rubens Malvásio
Junior, coordenador de administração e finanças da Fasubra, mais
docentes devem suspender as aulas nos próximos dias. “Sem os servidores,
tudo pára: biblioteca, restaurante... Hospitais universitários
funcionam somente para urgências e tratamentos continuados”, afirma.
Instituições do Mato Grosso, Sergipe, Bahia, entre outros, terão aulas
paralisadas por tempo indeterminado. No Rio de Janeiro, professores da
Universidade Federal Fluminense (UFF) também param. Na UFRJ, só
servidores, como na UFMG, e alunos.
O MEC afirma que a greve só faz sentido
quando estiverem esgotados os canais de negociação . “O Ministério
recebeu as entidades representativas de professores e servidores nas
últimas semanas, mas desde o início elas já informaram ter data marcada
para a greve”, afirma, em nota. Uma das explicações para a retenção dos
repasses é a necessidade de se aguardar a publicação da programação
orçamentária de 2015, o que aconteceu somente na sexta-feira 22, com
anúncio de corte de R$ 9,42 para a pasta da educação. Não se sabe ao
certo quanto essa medida afetará as federais. Na quarta-feira 27, foram
liberados R$ 7,2 bilhões como crédito suplementar a órgãos do poder
executivo e às universidades federais. Esse valor, porém, não cobre a
diminuição de 30% dos repasses anteriores. Para o senador Cristovam
Buarque (PDT-DF), diminuir gastos com universidades é criar um apagão
intelectual. “É um enorme atraso para um momento em que queremos entrar
no mundo da inovação. O futuro está no conhecimento”, diz. Em um País
onde faltam serviços básicos nos mais importantes centros de ensino e
pesquisa, pensar no futuro, hoje, causa mais medo do que esperança.
Colaborou Helena Borges
Foto: José lucena/Futura Press, LULA MARQUES; Ronildo de Jesus/ Futura Press
Foto: José lucena/Futura Press, LULA MARQUES; Ronildo de Jesus/ Futura Press
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