Investigação do MP revela que o governo voltou a cometer este ano os crimes de responsabilidade fiscal rejeitados pelo TCU. A reincidência no segundo mandato da presidente era o argumento que faltava à oposição para colocar em marcha o impeachment
Débora Bergamasco
Na última
quinta-feira 8, o Ministério Público junto ao TCU concluiu uma
investigação com base em demonstrativos contábeis oficiais da Caixa
Econômica, Banco do Brasil e BNDES que pode encalacrar de vez a
presidente Dilma Rousseff. Segundo representação do MP, obtida com
exclusividade por ISTOÉ, os crimes de responsabilidade fiscal reprovados
pelo Tribunal de Contas na última semana, em decisão unânime, voltaram a
ser praticados pelo governo em 2015. De nada adiantaram os reiterados
alertas do tribunal e a possibilidade, confirmada em julgamento na
quarta-feira 7, de rejeição das contas do governo de 2014 – em razão da
maquiagem das finanças públicas levada adiante por Dilma e sua equipe
econômica com claros propósitos eleitorais. Como se ignorasse uma norma
prevista na Constituição Federal, a presidente persistiu na prática do
crime fiscal. Tornou a “pedalar” – nome dado ao ato de atrasar de forma
proposital o repasse de dinheiro para bancos públicos e privados a fim
de melhorar artificialmente as contas federais. A julgar pelo momento
delicadíssimo atravessado pela presidente, o relatório do MP junto ao
TCU é nitroglicerina pura. Nele o procurador Júlio Marcelo de Oliveira é
taxativo: “Verifica-se que continuam a ser praticados pela União no
presente exercício financeiro de 2015, atos de mesma natureza daqueles
já examinados no TC-021.643/2014-8 e reprovados pelo Acórdão
825/2015-TCU-Plenário, ou seja, operações de crédito vedadas pelo art.
36 da Lei de Responsabilidade Fiscal”. O documento foi encaminhado ao
ministro do TCU Raimundo Carreiro, relator do Tesouro deste biênio.
Em junho deste ano, último mês de apuração
dos valores pelo MP, o governo devia R$ 38 bilhões ao BNDES e Banco do
Brasil. A prática – totalmente ilegal – configura a chamada operação de
crédito de que trata o artigo 29, III, da Lei de Responsabilidade
Fiscal. Por se tratar de instituição financeira federal, esse tipo de
operação é expressamente vedado pelo artigo 36 da lei. A conclusão do
Ministério Público de que a presidente voltou a incorrer no mesmo crime
em 2015 resolve de forma definitiva um ponto considerado até então
fundamental para a deflagração do processo de impeachment de Dilma
Rousseff: a de que uma presidente só poderia ser cassada por fatos
ocorridos no atual mandato. Como a investigação do Ministério Público
deixa claro que as manobras se reproduziram este ano, a possibilidade de
impeachment nunca esteve tão forte como agora. Pela primeira vez, é
alcançada a materialidade necessária para o início de um processo de
impedimento da presidente no Congresso.
A dívida do Tesouro com o BNDES, segundo o
relatório do MP, somava R$ 24,5 bilhões em junho. “Não obstante a forma
clara e categórica com que este TCU reprovou essa conduta, o governo
federal, em 2015, não promoveu qualquer alteração na forma como os
valores das equalizações são apurados e pagos ao BNDES”, critica a
representação do MP. Sobre as chamadas equalizações em atraso,
acrescentou o procurador, a União promoveu a liquidação dos valores
referentes apenas até o exercício de 2011. De acordo com a investigação,
todos os valores devidos pela União ao BNDES desde o primeiro semestre
de 2012 continuam pendentes de pagamento. Assim, os débitos que
deveriam ter sido liquidados no segundo semestre de 2012, continuam em
aberto ainda neste segundo semestre de 2015. “São três anos, portanto,
de atraso no pagamento desta específica parcela. Todos os demais valores
apurados desde 2012 continuam pendentes de pagamento pelo Tesouro
Nacional, mantida, pois, a violação à Lei de Responsabilidade Fiscal”,
acusa o MP.
Já as demonstrações contábeis do Banco do
Brasil encaminhadas ao MP junto ao TCU mostraram que, em junho de 2015, o
montante a receber da União era de R$ 13,5 bilhões. O passivo foi
contraído durante a equalização dos juros para conceder facilidades a
produtores rurais, chamado de Programa de Equalização de Taxas – Safra
Agrícola. De acordo com o procurador Julio Marcelo, “houve atrasos
sistemáticos” desses pagamentos. O que mais chama a atenção do MP de
Contas é a velocidade com que o saldo devedor cresceu. Em 31 de dezembro
de 2014, a dívida era de 10,9 bilhões. Em 30 de junho de 2014, de R$
7,9 bilhões. Ou seja, de dezembro do ano passado para cá, Dilma pedalou
somente no Banco do Brasil R$ 2,6 bilhões. Isto, segundo o procurador,
“demonstra um quadro de agravamento na situação de endividamento ilegal
da União perante o Banco do Brasil”.
UNIDADE
Integrantes da oposição se reuniram na última semana com o presidente
do TCU, Aroldo Cedraz, antes da rejeição das contas do governo
Nos primeiros meses deste ano, segundo
relatórios oficiais da Caixa encaminhados ao MP, o governo até chegou a
equacionar a conta de suprimentos dos programas sociais como Bolsa
Família, abono salarial e seguro desemprego. Porém, como de costume, a
equipe econômica de Dilma espetou mais um calote na CEF de R$ 2,2
bilhões, referente ao não pagamento das taxas de administração. Essa
fatura em aberto - no jargão técnico - também é chamada de pedalada, por
ser um atraso de pagamento. Neste caso específico, no entanto, não pode
caracterizada como operação de crédito, proibida pela Lei de
Responsabilidade Fiscal. Trata-se do bom e velho “devo, não nego, pago
quando puder”. Só de tarifas acumuladas até o primeiro semestre deste
ano com a movimentação do Seguro Desemprego, a inadimplência da União
com a Caixa chegou a R$ 208,4 milhões. Em relação ao programa FIES, de
crédito estudantil, o governo não pagou R$ 707, 5 milhões. É quase o
dobro do saldo devedor registrado nos seis meses anteriores, quando
estavam pendurados R$ 438 milhões. A União também deixou de repassar R$
644 milhões só este ano para a Caixa custear as despesas com o programa
Bolsa Família.
Após o detalhamento das provas que
demonstram a prática continuada das pedaladas fiscais, o procurador
Júlio Marcelo de Oliveira pede ao TCU que, entre outras medidas,
“promova a identificação e a audiência dos responsáveis pelas operações
ilegais relatadas nesta apresentação para sua adequada
responsabilização”. Outra preocupação explicitada na representação é com
os efeitos das constantes maquiagem das contas: “Verificar se o
Departamento Econômico do Banco Central do Brasil capta, apura e
registra, quando do cálculo do resultado fiscal e do endividamento do
setor público, os créditos de que a Caixa é titular.” Em outras
palavras, existe o temor que mesmo se esforçando para ser transparente, o
atual chefe da Fazenda, Joaquim Levy, e seus colegas do Banco Central e
do Planejamento continuem a cair na tentação de embelezar o pífio
desempenho fiscal do governo escondendo dos brasileiros que está devendo
na praça.
Foto: Airam Abel
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