Manuscrito encontrado na casa do ex-presidente do Carf indica, segundo a PF, que Augusto Nardes pode ter recebido R$ 2,5 milhões de quadrilha que operava na Receita
Marcelo Rocha
Assim que teve
seu nome associado à Operação Zelotes, que apura fraudes no conselho
encarregado de julgar recursos contra multas tributárias, o Carf, o
ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União (TCU), correu
para se defender. Rechaçou qualquer ligação com as irregularidades e
informou que, em maio de 2005, portanto antes de assumir o cargo na
corte de contas, desfizera a sociedade que mantinha com um sobrinho na
empresa de consultoria investigada pela Polícia Federal por suspeitas de
participar da quadrilha acusada de fraudar o Carf. A empresa em
questão, denominada Planalto Soluções e Negócios, segundo as
investigações, recebeu valores da SGR Empresarial, pertencente ao
advogado José Ricardo da Silva e contratada por contribuintes para
derrubar multas do Fisco.
COMPLICOU
Para a PF, justificativas do ministro do TCU, Augusto Nardes, não se sustentam
Apesar do discurso do ministro, os
procuradores da Zelotes enviaram o caso ao procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, após autorização da Justiça Federal. Para
eles, Nardes está envolvido. Entre os documentos em poder de Janot, há
um papel manuscrito, obtido com exclusividade por ISTOÉ, que reforça as
convicções entre os investigadores sobre o possível participação do
ministro do TCU. Trata-se de uma anotação avulsa recolhida em São Paulo,
na casa do advogado Edison Pereira Rodrigues, ex-presidente do Carf e
ligado à SGR Empresarial. O documento mostra que seu autor incluiu o que
chamou de “custo ministro” ao fazer cálculos sobre uma prestação de
serviço cujo resultado final é “R$ 2.556.974”. Para os investigadores é
uma referência a Nardes.
Eles chegaram a essa conclusão ao cruzar o
documento com outros achados da Operação Zelotes. Em mensagem enviada a
pedido do advogado José Ricardo, da SGR, em 24 de fevereiro de 2012, a
secretária Gegliane Bessa apresentou ao patrão um balanço sobre
pagamentos feitos a pessoas identificadas como “Ju” e “Tio”. Para a PF e
para a procuradoria, a secretária fazia alusão a Augusto Nardes e ao
sobrinho Carlos Juliano, sócio do ministro na Planalto Soluções e
Negócios. Gegliane disse no e-mail que repassou ao “Tio” R$ 1.650.000
entre 2011 e 2012, e outros R$ 906.974 a “Ju” no mesmo período. Os
valores somam os exatos R$ 2.556.974 identificados no manuscrito como
“custo ministro”.
Anotação que diz que 'custo ministro' é de R$ 2.556.974 faz referência
a Augusto Nardes, de acordo com a PF. Valor é idêntico ao revelado
em email pela secretária da SGR Empresarial, contratada
por contribuintes para derrubar multas do Fisco
Em depoimento à CPI do Carf, instalada no
Senado, Gegliane confirmou a existência da planilha com as inscrições
“Tio” e “Ju”, mas desconversou ao ser questionada sobre quem seria o
“Tio”. A secretária contou aos senadores que entregou “duas ou três
vezes” valores a Juliano e que, numa dessas ocasiões, ao abrir o
envelope e contar o dinheiro, o rapaz teria reclamado: “Está faltando”.
Lidar com dinheiro em espécie parecia ser uma prática recorrente,
segundo revelaram os autos da Zelotes. Numa mensagem do dia 17 de
janeiro de 2012, identificada como “Notícia e pedido”, José Ricardo
recomendou a Gegliane que separasse R$ 100 mil em dois envelopes:
“Coloque em dois envelopes brancos grandes, com 50 em cada um”. No mesmo
e-mail, José Ricardo expôs um desentendimento com Juliano. “Eu disse a
ele que se tivessem insatisfeitos que viessem brigar comigo e não
destratassem meus funcionários!”. Num outro e-mail apreendido, Edison
Rodrigues, dono do imóvel onde a anotação foi encontrada pela PF e
parceiro de negócios de José Ricardo, disse a um interlocutor que
garantiria a uma empresa “95%” de chances de sair vitoriosa em processo
para reduzir ou anular multas da Receita.
Agora, a PF e a Procuradoria dedicam-se a
decifrar toda a rede de facilitadores que assegurava ao grupo taxa de
sucesso tão expressiva. Investigadores acreditam que a contabilidade
informal listada no manuscrito esteja relacionada a serviços prestados
pelo escritório SGR a um grupo de comunicação. As contas partem sempre
de R$ 12,8 milhões, montante próximo ao que ao que foi repassado pelo
grupo de comunicação à SGR por sua atuação junto ao Carf. A referida
empresa conseguiu reduzir multas aplicadas pela Receita.
Como integrantes do TCU têm a prerrogativa
de foro, o caso envolvendo Nardes tramita no Supremo Tribunal Federal
(STF), sob a responsabilidade da ministra Carmén Lúcia. Procurado pela
reportagem, o ministro do TCU informou que ainda não teve acesso aos
autos do processo no Supremo. Autor do parecer que resultou na rejeição
das contas do governo federal de 2014, Nardes reafirmou que “abriu mão
dos direitos de acionista da empresa Planalto Soluções e Negócios S.A ao
se desligar dela em 2 de maio de 2005, antes mesmo de assumir a vaga no
Tribunal de Contas da União. Dessa forma, por nunca ter ocupado cargo
de direção na empresa, não pode responder por seus atos.” Ele enviou
cópia da ata que registrou seu desligamento da empresa em que foi sócio
com o sobrinho Juliano. Para os investigadores, o ministro do TCU tem
muito mais a explicar.
A ZELOTES E O TRIBUNAL DE CONTAS
*A
Operação Zelotes, da Polícia Federal, apura um esquema de venda de
sentenças no Carf, o conselho encarregado de julgar recursos contra
multas aplicadas pela Receita Federal. O caso envolve lobistas,
políticos, escritórios de advocacia e grandes empresas
*A PF
identificou ligação de um escritório investigado com a Planalto
Soluções e Negócios, da qual o ministro Augusto Nardes, do Tribunal de
Contas da União (TCU), foi sócio até 2005. Um sobrinho de Nardes, Carlos
Juliano, tem ligação com a empresa
*A
Planalto Soluções e Negócios recebeu valores da SGR, que tem entre seus
sócios o advogado José Ricardo da Silva, acusado pela polícia e pela
procuradoria de participar do esquema ilegal. As transferências
ocorreram entre 2011 e 2012 e somam, de acordo com o inquérito, R$ 2,5
milhões
*Existem
nos autos referências ao ministro Nardes e, numa avaliação dos
policiais federais e procuradores, são necessárias novas diligências
para que elas sejam esclarecidas. Essa parte da apuração está sob a
responsabilidade do Supremo Tribunal Federal
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