Lava Jato e outras investigações da Polícia Federal e do Ministério Público mostram como a presidente afastada institucionalizou a corrupção no governo federal e envolvem mais de vinte ex-ministros com desvios de dinheiro público, achaque a empresas e ameaças a testemunhas
Há exatamente um ano, em despacho
redigido em um dos processos que tem como réu o ex-ministro José Dirceu,
o juiz Sérgio Moro escreveu que o País passou a vivenciar um quadro de
corrupção sistêmica sob o comando do PT. Na ocasião, muitos analistas
políticos e observadores das entranhas do Judiciário trataram o alerta
do magistrado responsável pela Lava Jato como alarmista. Hoje, não há
quem discorde de Moro. Depois de dois anos de investigações em diversas
operações da Polícia Federal e de mais de 70 delações premiadas, fica
evidente que as gestões petistas transformaram o governo federal em uma
verdadeira e organizada estrutura de corrupção. Praticamente todos os
ministros de Dilma Rousseff estão envolvidos em desvios de dinheiro
público. Desde aqueles que ocuparam gabinetes no Palácio do Planalto até
os mais distantes. “A corrupção que o PT promoveu foi uma corrupção
institucional, não foi dispersa nem com indivíduos participando
isoladamente”, afirma o professor Álvaro Guedes, especialista em
administração pública da Unesp. “Pessoas foram escolhidas a dedo para
estar em posições estratégicas e promover o desvio de dinheiro”, conclui
o professor.
Um estado dominado
Um dos expoentes desses “escolhidos a
dedo” é Paulo Bernardo, ex-ministro das gestões de Luiz Inácio Lula da
Silva e Dilma Rousseff. Na semana passada, ele foi indiciado pela
Polícia Federal na Operação Custo Brasil. A PF diz ter provas
suficientes para assegurar que Bernardo, enquanto esteve no governo,
participou de organização criminosa e praticou crime de corrupção
passiva. No mês passado, ele foi preso após a polícia constatar que
havia recebido R$ 7,1 milhões desviados de uma fraude no crédito
consignado que cobrava uma taxa superfaturada dos servidores federais
que se encontravam endividados. Paulo Bernardo é casado com Gleisi
Hoffmann, uma das líderes da tropa de choque de Dilma no Senado,
ex-ministra da Casa Civil e também acusada de receber propinas do
Petrolão. Gleisi só não foi presa junto com o marido graças ao foro
privilegiado. O casal sempre teve livre trânsito no gabinete e na
residência oficial da presidente afastada. No mesmo esquema que lesou
milhares de funcionários públicos, está o ex-ministro da Previdência
Carlos Gabas, aquele que costumava levar Dilma para passeios de moto aos
domingos. Ainda na semana passada, Edinho Silva, outro ex-ministro
íntimo da presidente afastada, viu-se diante de novas provas que o
envolvem em corrupção e achaque contra empresários que tinham contratos
com o governo. Ele, que já era investigado por intermediar, a pedido de
Dilma, R$ 12 milhões da Odebrecht para o caixa dois da campanha da
petista em 2014, desta vez foi alvejado por investigação promovida pelo
TSE. Peritos descobriram que uma empresa pertencente a um ex-assessor de
Edinho recebeu R$ 4,8 milhões da campanha de Dilma para serviços que
não consegue comprovar (leia reportagem na pág. 38). Em um de seus
despachos, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou que
prometer facilidades na liberação de obras às grandes empreiteiras em
troca de recursos para o PT era uma medida habitual de Edinho, que antes
de ocupar o ministério foi tesoureiro da campanha da reeleição.
Crimes sob encomenda
Outros ex-ministros próximos à
presidente afastada também agiam dentro da organização criminosa. São os
casos de Fernando Pimentel, Jaques Wagner, Giles Azevedo, Ricardo
Berzoini, entre outros. O Ministério Público investiga ainda amigos da
presidente afastada que não ocuparam cargos no primeiro escalão de sua
gestão, mas comandaram setores estratégicos do governo, como Valter
Cardeal e Erenice Guerra. O primeiro foi diretor da Eletrobrás e é
acusado de ter se beneficiado com propinas nas obras de Angra 3.
Erenice, uma das principais auxiliares de Dilma e ex-ministra de Lula, é
investigada por ter recebido R$ 45 milhões desviados das obras de Belo
Monte. Como quadrilha organizada, expressão que costuma ser usada pelo
ministro do STF, Gilmar Mendes, ao se referir às gestões petistas, a
estrutura criminosa instalada no governo Dilma também locupletou os
ministros que chegaram à esplanada por indicação dos partidos aliados
(leia quadro na p[ág. 37). “O PT unificou diversas quadrilhas que agiam
em setores diferentes”, diz Paulo Kramer, analista e professor da
Universidade de Brasília. “O partido deu um comando central à corrupção,
decidia quem entraria para o esquema de poder”, complementa.
Com o avanço da Lava Jato, o governo
passou a usar ministros para tentar barrar as investigações. A
presidente afastada e o ex-chefe da pasta de Justiça, José Eduardo
Cardozo, procuraram nomear ministros comprometidos para os tribunais
superiores. Sem êxito, Dilma escalou o ex-ministro Aloizio Mercadante
para tentar comprar o silêncio de testemunhas. Ex-ministro da Educação e
da Casa Civil, Mercadante foi um dos principais conselheiros dela.
Acusado de receber dinheiro de propina da UTC em sua campanha de 2010,
ele foi flagrado, em março deste ano, em uma gravação oferecendo
dinheiro e ajuda para tentar melar a Lava Jato. A armadilha foi criada
pelo assessor do ex-senador Delcídio do Amaral a quem o ex-ministro fez a
proposta indecente para tentar impedir que Delcídio fechasse um acordo
de delação. Na ocasião, o processo do impeachment de Dilma parecia
caminhar para um encerramento favorável ao governo. Mercadante não
conseguiu comprar o silêncio de Delcidio e a delação feita pelo
ex-senador, publicada com exclusividade por ISTOÉ, permitiu a retomada
do processo que a cada dia desvenda novas falcatruas protagonizadas pelo
grupo que se instalou no poder a partir de 2003. “Nos últimos anos foi
instalada a cleptocracia em Brasília”, diz o ministro Gilmar Mendes.
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