Ao propor que produtores rurais atirem em invasores de terra e não sejam punidos, Jair Bolsonaro incentiva a formação de milícias no campo e a eleição de xerifes com poderes paramilitares
É claro que ninguém e nenhum movimento social pode invadir propriedades particulares, isso é ponto pacífico e está previsto em lei. Da mesma forma, a lei também já assegura o direito à legítima defesa e à defesa da propriedade privada, estabelecendo regras claras para que tais atos sejam assim caracterizados. Já o salvo conduto que Bolsonaro está propondo é uma verdadeira licença para matar, dando às pessoas, individualmente, a prerrogativa que é do Estado quanto ao monopólio da repressão. Em palavras cruas, o presidente quer isentar de culpa o proprietário que meter bala em qualquer estranho que ele veja em sua propriedade.
O menino só queria uma fruta
Bolsonaro corroborou essa tese na terça-feira 30, afirmando que “tem de atirar e ponto final” em quem invadir, no meio rural ou urbano, território que não seja seu. Disse mais: “o cara entrou na sua casa à noite, você tem de descarregar quinze tiros nele”. Bolsonaro parece ter se esquecido de que “descarregar quinze tiros” deixa de ser, pela lei, legítima defesa, devido ao excesso de fúria e violência. Reforça-se, então, que a proposta bolsonarista é de fato a criação de uma licença para assassinar, loucura que o Congresso Nacional jamais aprovará. De volta ao meio rural, em relação ao qual nasceu a absurda ideia do presidente, esse revide desproporcional e brutal fulminaria desde invasores de terras, ainda que desarmados, até um moleque que se aventurasse a apanhar uma manga numa árvore alheia.
Nos EUA, diversos estados possuem condados, que nada mais são do que o agrupamento, na área civil e administrativa, de pelo menos três cidades. O condado elege um xerife que ficará responsável pela sua segurança, entre outras atribuições, e que tem permissão para matar em legítima defesa de si ou de terceiros. Claro que há abusos e xerifes fora da lei. O projeto idealizado por Bolsonaro, inevitavelmente, daria azo à formação de milícias rurais que também escolheriam o seu xerife e passariam a executar desafetos pessoais, protegidas pela não punibilidade — tudo seria camuflado como defesa da propriedade. Além disso, tais milícias estariam armadas e prontas para defender o presidente, podendo até funcionar como uma uma guarda paramilitar. Para o bem da república brasileira, o que falta de bom senso e discernimento a Bolsonaro sobra a Luiz Roberto Barcelos, presidente da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados. “O presidente falou de algo que já está previsto em lei. Por mais que seja errado cometer invasões de terra, também não é certo o proprietário que reprimi-la de forma indevida não responder por isso. Não pode haver abusos, nem de um lado nem de outro”.
Colaborou André Vargas
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