Novo governo nasce com cara de velho. A repetição de vícios do passado pode afastá-lo ainda mais dos anseios da sociedade
Josie Jeronimo (josie@istoe.com.br)
Durante a
campanha eleitoral, a presidente Dilma Rousseff recheou o discurso com
muitas promessas. Estabeleceu um eixo de 26 temas prioritários,
garantindo ampliação de investimentos e pulso firme na administração
pública para coibir a utilização política da máquina.
OUVIDOS MOUCOS
Dilma ignora o recado das urnas insistindo em erros
cometidos no governo anterior
As denúncias que atingiram a cúpula dos
principais partidos que compõem a base do governo e o descontrole das
contas públicas – que carregavam o peso de quatro anos de demãos de
maquiagem – indicavam que a presidente teria que remontar sua equipe
priorizando a qualidade técnica em detrimento ao loteamento político. A
poucos dias de inaugurar o segundo mandato, no entanto, Dilma demonstra
ignorar as opções para reabilitar o governo e acena para a continuidade
de vícios que comprometeram seriamente o funcionamento do País nos
primeiros quatro anos de sua administração. Na prática, fica a impressão
de que, em 2015, teremos um governo novo com feição de velho.
O primeiro gesto de desalento se deu com o
empenho do governo em obrigar o Congresso a alterar a meta de superávit
de 2014 e reformar a Lei de Diretrizes Orçamentárias por meio de um
projeto de lei. Em vez de apertar os cintos e imprimir responsabilidade
aos gastos, o Parlamento acatou a orientação do Planalto e aprovou a
mudança. Para aprovar essa flexibilização, o Planalto destinou R$ 748
mil de emendas para cada parlamentar. Nada mais evidente de que, em seu
segundo mandato, Dilma continuará abraçada à velha estratégia do toma lá
dá cá. Essa relação pouco republicana com o Legislativo tende a ficar
ainda mais promíscua nos próximos meses com o avanço das investigações
da Operação Lava Jato, que vai atingir em cheio a base aliada. Nesse
cenário, a dependência mútua entre governo e os partidos que o apoiam
vai aumentar, o que deve significar a ampliação das concessões aos
parlamentares da base governista.
CARTADA NADA NOVA
Composição do novo ministério de Dilma segue orientada pelo fisiologismo.
Miguel Rosseto e o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante,
permanecem como homens de confiança da presidente
Um problema extra vai atormentar a
presidente no próximo ano. Diferentemente do que aconteceu nas últimas
eleições para presidente da Câmara, desta vez o candidato favorito,
Eduardo Cunha (PMDB), não tem a simpatia do Planalto. Com isso, Dilma
terá mais dificuldade de negociar com o Congresso, o que pode criar mais
percalços para a governabilidade. Essa mudança na correlação de forças
diminuiu o poder do PT no Parlamento e no governo, apesar de o partido
manter o apetite por cargos.
A presidente Dilma também passou a campanha
afirmando que, se fosse reeleita, o segundo mandato teria mais a sua
cara, denunciando o excesso de interferência do PT e do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva nos primeiros quatro anos de sua
administração. O desejo de mais autonomia, porém, parece uma realidade
distante de ser atingida. Apesar de publicamente Lula afirmar que o
governo é de Dilma, o ex-presidente se movimenta para assumir o papel de
articulador no Congresso. Nessa direção, Lula convocou parlamentares da
bancada do PT na Câmara e no Senado para traçar estratégia de
neutralização da oposição. Anseia ainda montar uma espécie de gabinete
de crise.
Outra promessa de campanha foi a ampliação
de mecanismos de transparência sobre as contas públicas. Na realidade, o
governo se esforça para resguardar áreas sensíveis que despertam
questionamentos da sociedade e da oposição. Assim como fez durante anos
com a Petrobras, o Planalto trabalha para blindar as contas do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) do escrutínio
público. O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) afirma que já esgotou as vias
formais de solicitação de dados sobre financiamentos concedidos pelo
BNDES a empreendimentos no exterior e defende a formação de uma comissão
parlamentar de inquérito para analisar a aplicação dos recursos geridos
pelo banco antes de o País se deparar com um novo escândalo da
proporção do descoberto pela Operação Lava Jato. Pelas contas do senador
tucano, o Tesouro repassou mais de R$ 400 bilhões para o caixa do BNDES
para o financiamento de obras em vários países por intermédio de
empreiteiras brasileiras. Também nesse tópico, os fatos demonstram que
se deve ter pouca expectativa positiva em relação ao futuro.
Montagem sobre fotos de REUTERS/Ueslei Marcelino e Adriano Machado/Ag. Istoé
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