Rosemary Noronha submergiu. Não se
apresenta à Justiça a cada 15 dias, contrariando ordem judicial, e
despista oficiais que tentam intimá-la em sua residência. Mais magra,
sem dinheiro e sob o risco de perder um imóvel, a ex-amante de Lula
quebra o silêncio e diz à ISTOÉ ser apenas um “peão” e uma “assessora de
bastidor”
AMADA AMANTE Rosemary Noronha foi namorada de Lula por 19 anos
Rosemary Nóvoa Noronha, a ex-amante de Lula,
foge dos oficiais de Justiça como o diabo da cruz. Ninguém consegue
intimá-la desde 2017. No Edifício Sagarana, perto do Shopping Paulista,
no bairro do Paraíso, em São Paulo, o porteiro já está devidamente
instruído: ela sai bem cedo e só volta tarde da noite – os oficiais de
Justiça precisam intimá-la em horário comercial. Ela deveria se
apresentar à Justiça de 15 em 15 dias, por conta de medidas cautelares
adotadas contra ela pela juíza Adriana Freisleben de Zanetti, da 5ª Vara
Federal, de São Paulo, mas não cumpre o determinado. Ela foi proibida
pela Justiça também de exercer qualquer cargo público e de se ausentar
do País sem autorização judicial. Ao menos essa determinação, ela está
cumprindo. Afinal, só deixa apartamento de cobertura do Sagarana, onde
mora desde o início dos anos 2000, para despistar as autoridades. Além
de se recusar a receber intimações judiciais, Rose, como é conhecida,
também se nega a dar entrevistas. Depois de muita insistência, ligou
para a reportagem da ISTOÉ. Mas para reclamar que o fotógrafo da revista
fazia campana na porta do seu edifício. Durante a conversa, desabafou:
“Vocês só falam mentira. Não sou amante do Lula. Sou assessora, de
bastidor. Um peão. Não preciso aparecer em revista. Não sou ninguém”.
Rose mente que nem sente, como diz o adágio popular. A ex-secretária
da Presidência em São Paulo – sabe-se – não é irrelevante. Ela já foi
muito poderosa – também é notório. Quase uma segunda primeira-dama. Por
dezenove anos foi de fato amante de Lula. O petista conheceu Rose quando
era presidente nacional do PT e ela uma funcionária de agência do Banco
Itaú, no centro de São Paulo. Lula ia com freqüência à agência,
encantando Rose, que “passou a fazer recortes dos jornais em que Lula
aparecia e a guardar o material em caixas de papelão”,
como recorda sua irmã, Sônia Maria Nóvoa.
“Ela me dizia que um dia ainda seria namorada de Lula”. Em 1993, Lula
ascendeu Rose à secretária na sede nacional do PT. A partir daí, Rose e
Lula viveram um romance tórrido. Ao alcançar o poder, em 2003, Lula
nomeou Rose como assessora especial em São Paulo. Nessa condição, Rose
passou a viajar mundo afora no jato da Presidência da República, sempre
ao lado de Lula. Enquanto isso, Marisa Letícia, a primeira-dama oficial,
era alijada das comitivas internacionais. Logo, ficou enciumada e
proibiu o marido de levá-la nas viagens. Na esteira, o petista nomeou-a
chefe de gabinete do escritório da Presidência em São Paulo em 2006. Foi
quando alcançou o ápice do poder pessoal. Mandava e desmandava, sempre
em nome da Presidência e do, claro, presidente Lula. Depois da prisão do
petista, caiu em desgraça. Emagreceu, perdeu prestígio e dinheiro.
Hoje, tenta exibir humildade, característica que jamais foi o seu forte.
Esconde-esconde
Mas, afinal, por que Rosemary Noronha brinca de esconde-esconde com a
Justiça? Ela ainda responde a três processos decorrentes das fraudes
cometidas na Operação Porto Seguro, desenvolvida pela Polícia Federal em
2012. Segundo pessoas próximas a ela, teme ser presa a qualquer
momento. Por isso, prefere não se apresentar quinzenalmente à 5ª Vara
Federal, desobedecendo ordem judicial. Em rápida entrevista por telefone
à ISTOÉ, no entanto, ela alega que ainda não foi condenada. “O que
existe por enquanto é muita mentira dita pela imprensa. E não dizem que
cometi crimes. Falam apenas da minha vida pessoal, que fui amante do
Lula. Tudo mentira. Agora, se a Justiça disser que eu devo alguma coisa,
eu vou pagar”, desabafou Rosemary. Confrontada com os fatos apurados
pela Polícia Federal na Porto Seguro, Rose recuou. “Não estou dizendo
que tudo o que a PF apurou é mentira, mas isso ainda tem que ser
referendado pela Justiça. Cada um que pague pelo que fez”.
Quando teria cometido os delitos, Rose ainda era chefe de gabinete do
escritório da Presidência da República em São Paulo. Foi demitida por
Dilma logo depois do escândalo, depois de acerto prévio com Lula, que
passou a bancar seus advogados – mais de 40, segundo a irmã de Rose –
por meio de Paulo Okamoto. Segundo as acusações dos procuradores da
República José Roberto Oliveira e Thaméa Danelon Vielengo, Rosemary se
valeu do cargo para nomear os irmãos Paulo Vieira e Rubens Vieira para a
Agência Nacional de Águas (ANA) e Agência Nacional de Aviação Civil
(Anac), respectivamente. Para sacramentar a nomeação, o próprio juiz
Fernando Américo Figueiredo Porto, da 5ª Vara Federal Criminal, afirmou
que Rose usou como tráfico de influência um contato na presidência da
República identificado como JD, que para o juiz tratava-se do
ex-ministro José Dirceu, à época cumprindo ordens de Lula.
Boquinhas para a família
Com os amigos nos cargos estratégicos, Rose amealhou dinheiro de
empresários com interesses nessas agências. Paulo e Rubens ainda
arrumaram empregos para as filhas de Rose nas autarquias. Até mesmo o
seu ex-marido José Claudio de Noronha arranjou uma boquinha. O atual
esposo, João Batista de Oliveira Vasconcelos, não ficou de mãos
abanando. Para ele, Rose conseguiu contratos para obras de reformas de
uma agência do Banco do Brasil, serviço pelo qual a empresa de
Vasconcelos, a New Talent, faturou R$ 1,12 milhão. Em decorrência dessa
denúncia por improbidade administrativa, corrupção, formação de
quadrilha e falsidade ideológica, Rose teve os bens indisponíveis, em
decisão referendada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3).
Não é a única encrenca que Rosemary tem com a Justiça. Oficiais de
Justiça de Santos tentam intimá-la para que o juiz Carlos Ortiz Gomes
conclua o leilão do apartamento que Rose possui na rua Oswaldo Cruz. Até
agora, as tentativas são infrutíferas. Como no filme “prenda-me se for
capaz”, Rosemary lança mão de toda sorte de estratégias para escapar dos
agentes. Ela é herdeira do imóvel, que pertencia à sua mãe Adrelina,
morta há cinco anos de AVC. O imóvel ficou para Rose, sua irmã Sônia e o
irmão Edson. Mas sem recursos desde que Lula foi preso, eles não pagam
despesas do apartamento – incluindo R$ 4.600,00 do condomínio.
O síndico Tibúrcio Roberto Marques de Souza mandou a Justiça executar
a dívida. Para não ver o imóvel ser leiloado, Rose se recusa a receber
intimações judiciais.
Além dos processos resultantes da Porto Seguro, Rosemary responde a
uma ação na Justiça de São Paulo por crimes de lavagem de dinheiro
envolvendo imóveis da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop)
repassados para a Construtora OAS concluir. A Bancoop, então presidida
por João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, também preso em Curitiba,
faliu e transferiu os imóveis para a OAS concluir, em razão das
excelentes relações da empreiteira com o PT de Lula. Rose é uma das
investigadas no caso, atualmente nas mãos do promotor Cássio Conserino,
do Ministério Público de São Paulo. O inquérito estava sob a batuta do
juiz Sergio Moro, na 13ª Vara Federal do Paraná, e como consequência
resultou na prisão de Lula. Rosemary Noronha e outros petistas foram
denunciados no mesmo processo. A ex-chefe de gabinete da Presidência tem
pelo menos dois apartamentos da Bancoop e que tiveram as obras
terminadas pela OAS. A Justiça de São Paulo investiga se houve propina
envolvida.
“A Justiça ainda não me condenou, mas se disser que eu devo alguma coisa, vou pagar” Rosemary Noronha
Um dos imóveis está localizado no Edifício Torres da Mooca e
encontra-se em nome do irmão de Rose, Edson Lara Nóvoa. O outro
apartamento, no Edifício Ilhas D’Itália, um duplex, está registrado em
nome de sua filha, Mirelle Nóvoa. A OAS entregou os edifícios onde Rose
tinha os imóveis, mas deixou de finalizar prédios ao lado, como ISTOÉ
constatou esta semana. Segundo a síndica do edifício Gisele Moreira, o
apartamento da filha de Rose permanece vinculado à OAS, assim como
dezenas de outros imóveis. “A OAS terminou os edifícios em 2014, mas não
transferiu os bens para os nomes dos verdadeiros donos. O risco agora é
que a OAS vá à falência, como dizem, deixando centenas de famílias sem
os apartamentos”. Como na Pasárgada da Bancoop, Rose era amiga do rei e
este recebia favores da OAS, a empreiteira teve o cuidado de,
prioritariamente, concluir as obras dos imóveis ligados a ela. Agora,
resta saber se a Justiça vai ou não confiscar de vez os bens bloqueados
de Rose, assim como fez com o tríplex no Guarujá que Lula ganhou de
presente da empreiteira. Aí sim seus destinos estarão definitivamente
entrelaçados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário