Como a crise e a falta de perspectiva ameaçam a juventude mais escolarizada e capacitada que o País já formou
Camila Brandalise, Fabíola Perez e Raul Montenegro
Há seis meses, o administrador de empresas
Carlos Negri, 27 anos, recebeu a notícia mais temida em tempos de crise:
a empresa em que trabalhava faria cortes na equipe. Formado em
administração de empresas pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP) e com MBA em Riscos e Compliance, o jovem atuava na área
de fiscalização e processos da Companhia Siderúrgica Nacional. Com a
recessão, as metas de lucro não foram atingidas e ele foi demitido.
Assimilado o revés, Negri começou a procurar emprego em sites
especializados e a enviar currículos para empresas. Mesmo com formação
exemplar e experiência na área, nenhuma empresa o chamou. Neste ano,
teve apenas um retorno, mas a vaga não era compatível com seus anseios e
ele decidiu procurar mais um pouco. “Contratei até um consultor para
ajudar na minha recolocação profissional”, diz. O administrador de
empresas faz parte de uma geração de jovens com idade entre 16 e 29
anos, competentes e com bom nível de escolaridade, cujo potencial está
deixando de ser aproveitado por causa da crise e do consequente
desemprego que assombra o País. Um levantamento do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) publicado na terça-feira 28 mostrou
que a falta de trabalho para essa faixa etária saltou de 12,8% para
15,7% de entre março de 2014 e 2015. Mais de 500 mil jovens estão
desocupados nas seis principais metrópoles do País. “A América Latina
tem neste momento a geração mais bem educada de sua história e a que
mais sofre com as condições irregulares do mercado”, afirma Elizabeth
Tinoco, diretora da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para
América Latina e Caribe, referindo-se à dificuldade de encontrar vagas e
à conseqüente opção pela informalidade. “O desemprego juvenil é
elevado, mas é a ponta do iceberg do problema da falta de oportunidades
para os iniciantes na vida profissional.”
Neste Dia do Trabalho, comemorado em 1º de
maio, os brasileiros não tiveram muito o que celebrar. Segundo o IBGE,
aumentou também a taxa geral de desemprego, chegando a 6,2%, maior
percentual desde maio de 2011. A crise, claro, é o principal vilão dessa
conjuntura. E a população jovem é a que primeiro sente as consequências
dos indicadores econômicos ruins. A coordenadora do sistema de pesquisa
de emprego e desemprego do Departamento Intersindical de Estatísticas e
Estudos Socioeconômicos (Dieese), Lúcia Garcia, afirma que há uma
redução na presença de jovens no mercado nacional porque as empresas
oferecem mais espaço para profissionais maduros. Hoje, a população com
menos de 24 anos enfrenta dificuldades por causa da pouca experiência.
“As empresas afirmam que eles não têm habilidades e bagagem e eles ainda
disputam o espaço no mercado com profissionais com mais conhecimento,
na faixa dos 40 e 50 anos.” A apenas dois meses da formatura no curso de
Rádio e TV, Guilherme Moitinho, 21 anos, vive a dificuldade de procurar
trabalho sem ter exercido nenhuma função na sua área. Nem estágio ele
conseguiu, mesmo tentando vagas desde o começo do curso. “Neste ano fiz
apenas uma entrevista, mas nem chamado eu fui”, diz. No País, de acordo
com a especialista, quase metade dos desempregados são jovens.
Esse fenômeno não é privilégio do Brasil.
Em todo o mundo, os profissionais em início de carreira são considerados
o segmento mais afetado pelas ondas de desemprego. A crise econômica
que abalou o mundo em 2008 fez a taxa de desemprego entre jovens
alcançar percentuais entre 40% e 50% em países como Portugal e Espanha.
“No Brasil não é diferente, os jovens ganham pouco e têm menos
oportunidades no mercado”, afirma Lúcia Garcia, do Dieese. Influenciados
por esse conjunto de fatores negativos, eles acabam escolhendo
segmentos da economia com menos dificuldades. Segundo ela, muitos buscam
o primeiro emprego no setor do comércio e depois não conseguem mudar de
área em função da pouca experiência em outras atividades. É o caso de
Juliana Thaís Paes dos Santos, 20 anos, técnica em Turismo e Farmácia e
atualmente estudante de Química numa escola profissionalizante. Depois
de ser demitida do emprego de recepcionista em uma concessionária de
veículos importados em São José dos Campos, no interior de São Paulo, em
outubro de 2014, já mandou mais de uma centena de currículos, até para
setores sem relação com sua formação. “Fiz umas 15 entrevistas, até
emprego em caixa de loja já tentei”, diz. “Estou procurando trabalho
principalmente para pagar a faculdade de Engenharia Química que quero
cursar.”
Ainda que a crise econômica seja o
desencadeador da falta de emprego, há outro ponto que deve ser levado em
consideração quando o assunto é mercado de trabalho: a educação. Nesse
quesito, o Brasil vive uma contradição. Embora o ensino superior tenha
chegado à classe C e mais pessoas se qualifiquem em faculdades, cursos
de extensão e técnicos, o mercado de trabalho apresenta condições ruins
para absorver essa nova mão de obra especializada porque o sistema
educacional não prepara o aluno para a vida profissional. Desde a
formação básica, o ensino brasileiro é pautado no desempenho em provas,
como vestibular. “Nosso sistema está falido em termos de formação
profissional. Há mais preocupação com o vestibular do que com o mercado
de trabalho”, afirma Maurício Sampaio, fundador do Instituto MS de
Coaching de Carreira. Para o especialista, a legislação educacional
está fora do contexto e não percebe hoje o que o mercado vai exigir do
profissional no futuro. “Essa geração tem muito potencial e poderia
criar mudanças econômicas e sociais muito maiores do que já está
fazendo”, afirma Sampaio, que foi diretor de instituição de ensino por
mais de 20 anos. “As escolas e universidades precisam discutir valores,
competências socioemocionais, propósitos, identidades. E isso não
acontece.”
Uma das consequências mais graves do
crescimento da taxa de desemprego é o aumento da informalidade. Um
estudo da OIT divulgado na quarta-feira 22 revelou que existem hoje pelo
menos 27 milhões de jovens na América Latina que trabalham em condições
informais. O relatório estimou que seis em cada dez postos de trabalho
disponíveis para essa faixa etária são empregos com baixos salários, sem
contratos, estabilidade, proteção social ou direitos trabalhistas.
“Estamos diante de um desafio político importante, já que o elevado
desemprego e informalidade configuram um quadro de desalento e falta de
oportunidades que pode comprometer a trajetória futura dos jovens no
mercado”, afirma o especialista em emprego juvenil da OIT, Guillermo
Dema. O engenheiro ambiental Johann Constantino Lima, 24 anos, está
desde janeiro de 2014 trabalhando sob condições informais. Formado pela
Fundação Santo André, em São Paulo, ele fez estágios desde o segundo ano
da faculdade. Chegou a atuar por um ano e meio no Instituto Geológico
do Estado de São Paulo, mas desde setembro de 2014 presta trabalhos
esporádicos. Lima afirma procurar emprego diariamente. Só neste ano,
enviou mais de 40 currículos, até agora sem nenhum retorno sequer. “É
ruim ficar na informalidade, sem convênio médico e sem ter como
comprovar a experiência”, diz ele. “Se a situação não melhorar até o
final do ano, pretendo sair do País para trabalhar ou cursar um
mestrado.”
Diante de um cenário tão desanimador, a
questão é como criar alternativas para resolver o problema. Segundo Ruy
Braga, professor da Universidade de São Paulo (USP) especializado em
Sociologia do Trabalho, seria preciso regular o mercado de trabalho e
não flexibilizá-lo. “Porque cada vez que se flexibiliza também se
desestimula a empresa a investir em ciência e tecnologia e em ganhos de
produtividade.” Por parte da iniciativa privada, algumas alternativas
são criadas para detectar falhas e aproveitar a mão-de-obra disponível. A
empresa de consultoria estratégica McKinsey, presente em diferentes
países do mundo, por exemplo, elaborou um programa chamado Generation,
que detecta as necessidades dos empregadores, seleciona os jovens
profissionais e monta cursos para ensinar habilidades e competências
necessárias para determinadas vagas. “Estamos criando uma metodologia
para possibilitar o ensino em grande escala”, afirma Mona Mourshed,
especialista em educação e líder em prática de ensino da McKinsey. Os
cursos ensinam habilidades técnicas e comportamentais, como resolução de
problemas e capacidade de comunicação para cada área. “Nosso objetivo é
que em cinco anos possamos ajudar 1 milhão de jovens de cinco países a
conseguir emprego”, diz. Por aqui, o programa está em fase de
implantação. “As empresas precisam desenvolver iniciativas para que a
juventude tenha total domínio sobre tecnologias e ferramentas básicas de
informática”, diz João Baptista Brandão, professor de liderança, gestão
de pessoas e carreiras da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “O governo,
por sua vez, pode ajudar com programas de qualificação em parceria com
instituições privadas.”
Especialistas concordam que além da crise,
com recessão econômica e corte de vagas, e das falhas no sistema
educacional para formação de profissionais, atualmente as novas gerações
não encontram o espaço adequado a seus anseios e habilidades nas
empresas, que em muitos casos ainda têm uma mentalidade antiquada em
relação ao papel do trabalho na vida das pessoas. “A geração atual
prefere seguir o caminho contrário dos pais. Antes, era comum escolher
um curso mais tradicional, como administração ou direito, ficar muito
tempo na mesma empresa e ver o trabalho apenas como meio de ganhar
dinheiro”, afirma o coach Maurício Sampaio. “Mas esses jovens procuram
propósitos no ambiente profissional, querem se sentir parte de um grupo
que busca resultados. Se não tiverem isso, vão ficar desmotivados.” Em
contrapartida, uma das críticas que se faz à atual juventude é que ela
tende a pular etapas e por isso é difícil reter essa mão-de-obra. “A
companhia perde eficiência e os jovens acabam sem aprender os
processos”, afirma Brandão, da FGV.
Para Eduardo Zylberstajn, professor de
economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisador da Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a situação deve piorar antes
de melhorar. “A dificuldade de entrar no mercado torna mais difícil o
ganho de experiência e isso afeta principalmente os mais jovens.
Períodos de crise têm impactos de longo prazo na vida dos
trabalhadores”, diz. O sociólogo Ruy Braga vê a multidão de jovens
desempregados e desiludidos com o desmoronamento de suas expectativas
como um barril de pólvora para a política nacional. “Essa insatisfação
tem um potencial explosivo muito grande. Os protestos que vimos na
Espanha em 2011 e no Brasil em junho de 2013 provavelmente serão vistos
de novo em um período bem próximo”, afirma. Deixar de aproveitar essa
nova mão de obra para o desenvolvimento do País pode ser algo altamente
comprometedor. “Se o desemprego continuar aumentando, teremos problema
com a nossa juventude”, diz Lúcia, do Dieese. “Na década de 1990,
tivemos uma geração totalmente perdida em função da elevada taxa de
desemprego e agora não podemos assistir o mercado se desestruturar
novamente.” Previsões mostram que a economia brasileira deverá começar a
se reestruturar somente em 2017. Ainda não começamos a viver uma
tragédia, atestam os especialistas, mas com o mercado estagnado, o
futuro profissional da melhor geração do Brasil está em jogo.
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