Contrariando o próprio PT, Dilma resolve não fazer o tradicional pronunciamento do Dia do Trabalho e expõe seu isolamento. Sem falar com empresários e políticos, agora ela abre mão da interlocução com a sociedade
Josie Jeronimo (josie@istoe.com.br)
Depois de
outorgar o diálogo com os empresários ao ministro da Fazenda, Joaquim
Levy, e delegar a articulação política ao vice-presidente, Michel Temer,
ao governo da presidente Dilma Rousseff restava a tentativa de retomar a
interlocução com o povo brasileiro. Não resta mais. Apesar de ter sido
reeleita por um partido que homenageia a classe trabalhadora em seu
nome, Dilma resolveu não fazer o tradicional pronunciamento do Dia do
Trabalho. A decisão realçou a lacuna de poder existente hoje no País e o
encastelamento da presidente – a cada dia mais isolada e distante dos
anseios da sociedade.
O temor de que sua fala fizesse ressoar
mais uma vez no País o batuque de panelas empunhadas por brasileiros
insatisfeitos pesou mais do que o costume de aparecer em rede nacional
de TV na véspera do 1º de Maio. O medo também falou mais alto que a
necessidade de esclarecer aos eleitores as recentes medidas impopulares
adotadas pelo governo. Entre elas, um ajuste fiscal que, até agora, só
se aplicou à população. Enquanto o governo resiste a cortar na própria
carne, reduzindo os custos de uma máquina colossal, os políticos são
contemplados com indecorosos aumentos do Fundo Partidário. Para escapar
das manifestações, o Planalto resolveu blindar a presidente. No dia do
Trabalho, Dilma permanecerá circunscrita aos limites do Palácio da
Alvorada, em Brasília, à prova de panelaços e vaias. Pelo computador,
mandará mensagens às redes sociais, certamente sem deixar de combinar
antes com seus auxiliares e com o marqueteiro João Santana.
A desistência do pronunciamento
presidencial aos trabalhadores na noite da véspera do feriado, decidida
na segunda-feira 27 em reunião que contou com a presença de nove
ministros, desagradou até o PT. A Central Única dos Trabalhadores (CUT),
entidade ligada ao partido, ainda tentou mobilizar a bancada do PT no
Congresso para convencer Dilma a fazer pelo menos uma fala curta, de
três a cinco minutos, em vez dos longos 12 minutos que marcaram sua
aparição no 1º de maio do ano passado. Em vão. Os resultados da pesquisa
mensal de emprego do IBGE que apontaram a queda no rendimento do
trabalhador - só comparáveis ao mês de fraco desempenho econômico de
janeiro de 2003 - enterraram de vez qualquer articulação para demover
Dilma da ideia de não se expor na televisão. O IBGE ainda divulgou que o
desemprego em março atingiu 6,2%, a terceira alta em três meses. “Com
medo de mais um panelaço, a presidente Dilma não vai mais fazer o que
ela gosta: torrar dinheiro público para plantar mentiras em cadeia de
rádio e televisão”, ironizou o deputado Antonio Imbassahy (PSDB-BA). “A
Dilma, que se dizia coração valente, fugiu de explicar ao povo
brasileiro o porquê dessa supressão de direitos trabalhistas”, criticou o
líder da minoria na Câmara, deputado Bruno Araújo (PSDB-PE). Na semana
passada, até o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), não
poupou palavras para condenar a decisão da presidente. Em reunião com
sindicalistas, Renan afirmou que Dilma faz um “governo adolescente” e
que o silêncio da presidente é um erro político. “Assim dá a impressão
de que não tem o que dizer”, afirmou Renan.
Desde o governo Fernando Henrique Cardoso,
iniciado em 1995, apenas duas vezes um presidente deixou de ocupar a
cadeia de rádio e televisão para saudar os trabalhadores pelo Dia
Mundial do Trabalho. Isso ocorreu nos anos de 2003 e 2009, durante o
governo Lula. Em vez de usar a TV, o presidente participou de eventos
públicos. O primeiro foi uma missa em homenagem aos trabalhadores em São
Bernardo do Campo, berço do sindicalismo e da militância trabalhista de
Lula. Já em 2009, Lula participou, em companhia de Dilma, que era sua
ministra da Casa Civil, de cerimônia da primeira extração de petróleo do
campo de Tupi, no Rio de Janeiro. Sobre petróleo, então, é que Dilma
não quer falar mesmo.
O receio de enfrentar a população não se
reflete apenas na decisão de não se dirigir aos brasileiros no Dia do
Trabalho. A agenda e a estrutura de segurança da Presidência da
República mostram que, ultimamente, Dilma prefere não ir até onde o povo
está. Nos últimos dias, ela está mais recolhida e evita, até mesmo,
divulgar todos os compromissos da agenda oficial, como o encontro com o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dia 27, em São Paulo. Quando o
evento foi aberto ao público, caso da visita às áreas atingidas por
tornado em Xanxerê (SC), o cordão de isolamento fez-se presente. Não à
toa o efetivo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) ganhou
reforço de 17 funcionários. A preocupação da equipe de segurança do
Planalto é a exposição da presidente em situações de corpo-a-corpo,
contatos que se repetiram sem nenhum incidente durante a campanha de
2014.
Os efeitos da rejeição a presidente já
afetam os aliados e representantes do governo em eventos País afora. Na
segunda-feira 27, o vice-presidente Michel Temer teve que deixar uma
feira agropecuária em Ribeirão Preto (SP) sem discursar, depois de ser
hostilizado por um grupo de 50 manifestantes. No mesmo dia, o prefeito
de São Paulo, Fernando Haddad, teve sua aula na Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas na Universidade de São Paulo (USP)
interrompida por integrantes de movimento social em defesa do transporte
público. Nas reuniões de bancada no Congresso, deputados e senadores
petistas também narram abordagens constrangedoras de cidadãos irritados
com o PT em salas de embarque de aeroportos. A desaprovação das ruas
ilustra os números de avaliação do governo. Às vésperas do segundo turno
das eleições, 19% dos brasileiros consideravam a administração de Dilma
ruim ou péssima. Agora, são 60%, cenário este que tende a se manter ou
até piorar mantida a inexplicável postura da presidente de fazer ouvidos
moucos para os ecos das ruas.
Foto: Alan Marques/Folhapress, Divulgação;
Pedro Amatuzzi/Código 19/Estadão Coteúdo; Renato Lopes RP/Futura Press;
Weber Sian/A Cidade; CLAUDIO GATTI
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