Rebaixamento do País intensifica pressão pelo afastamento da presidente da República. Diante da catástrofe econômica e da falta de perspectiva, o que a maioria dos brasileiros se pergunta hoje é: o que Dilma ainda faz no poder?
Débora Bergamasco e Sérgio Pardellas
Ao retirar do
Brasil o selo de bom pagador na quarta-feira 9, a Standard & Poor’s,
principal agência de classificação de risco, escancarou o que já era um
sentimento nos meios políticos, jurídico e empresarial: a crise
político-econômica tem nome e sobrenome. Atende por Dilma Rousseff. O
rebaixamento para grau especulativo, o que significa maior risco de
calote, foi atribuído pela S&P à incapacidade da gestão Dilma de
equilibrar as contas públicas, às constantes revisões das metas de
superávit fiscal e às divergências profundas de integrantes do governo
em torno do tema. No final da última semana, a pergunta que se impunha
no País era como Dilma ainda poderia seguir na cadeira de presidente da
República. Entre os próprios petistas, a avaliação é de que a falência
completa da gestão, agravada com a perda do grau de investimento,
implodiu as derradeiras pontes construídas - a muito custo - pelo
governo com setores do empresariado no início de agosto. E arrebentou o
último fiapo que ainda unia o governo às classes C e D – agora
desesperadas com a certeza do aumento do desemprego e da recessão.
HORROR SEM FIM
Mentiras de Dilma e má gestão agravam a crise. Nos meios político
e empresarial, já há quem defenda a "solução Michel Temer"
Produziu-se um consenso de que o País
possui fôlego curto para suportar a crise atual. E a saída do atoleiro
passa pelo afastamento da presidente – seja por renúncia ou impeachment,
processo que voltou a ganhar força nos últimos dias. Poucas vezes,
empresários verbalizaram essa posição com tanta eloquência. Até
ministros próximos de Dilma vislumbram um cenário provável de
impeachment até o final do ano. “Já há um distanciamento da classe
política. Agora, a pressão dos empresários vai ser insuportável. Acho
que Dilma vai ter de ir embora, vai ter que renunciar. É o capítulo
final”, prevê o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, que até
semana passada adotava um discurso mais moderado.
A preocupação é geral e genuína e já não se
pode mais atribuir a postura crítica ao governo ao já surrado discurso
do Fla-Flu político. Os temores sobre o futuro do País são reais. Hoje, o
Brasil encontra-se à beira de um precipício e sem perspectivas de
reversão de rumo. (leia mais sobre as conseqüências do downgrade às págs
36 e 37). Em abril de 2008, em um evento em Teresina, Piauí, o então
presidente Lula, o mesmo que agora diz sem corar a face que o
rebaixamento do País não significa nada, comemorou efusivamente, quando a
mesma S&P concedeu o grau de investimento ao Brasil. “Se fossemos
traduzir para uma linguagem que todos os brasileiros entendam, pode-se
dizer que o Brasil foi declarado um País sério, que tem políticas
sérias, que cuida de suas finanças com seriedade”, afirmou Lula em 2008.
Sete anos depois, Lula adota uma nova retórica política. Diz o que
precisa ser dito, não o que realmente pensa. Se o governo fosse outro e
ele se encontrasse na trincheira da oposição, Lula diria que hoje o País
- e sua governante - perderam totalmente a credibilidade.
Dilma rompeu definitivamente com os compromissos assumidos durante a
campanha eleitoral, ao prever aumento de imposto e corte no social
A julgar pelas pesquisas de popularidade,
poucos discordam que o quadro de terra arrasada foi produzido pela
própria presidente Dilma. O rosário de mentiras desfiadas durante a
campanha eleitoral fizeram com que a população a caracterizasse no 7 de
setembro como um boneco inflável – nos moldes do confeccionado para
fustigar Lula, com trajes de presidiário – em uma declarada alusão ao
personagem Pinóquio, pelo nariz comprido. Não à toa. Não bastassem as
sucessivas contradições com o País das maravilhas exibido no horário
eleitoral, na última semana Dilma conseguiu romper definitivamente com
os mais caros compromissos assumidos na campanha. Para tentar sair da
crise e salvar a própria pele, agora ela ministra o mais amargo dos
remédios: o corte de programas sociais e o aumento de impostos. Em
jantar com jornalistas, em maio de 2014, a presidente rechaçou qualquer
possibilidade de lançar mão da elevação de tributos como solução para
disciplinar as contas públicas. “Não vai ter aumento de imposto. Não
tem nada em perspectiva”, afirmou. No evento, a então candidata à
reeleição, que também descartou a intenção de passar a tesoura nos
programas sociais, foi além. Vaticinou que a saúde econômica do Brasil
assemelhava-se a de um jovem, com coração forte e pulmão de atleta. “O
Brasil é um país sólido, com estabilidade econômica, uma indústria
sofisticada, altamente atraente para o capital internacional. O Brasil
vai bombar”. Como todos já sabem, hoje a bomba é outra e precisa ser
desarmada com urgência sob pena de o País ser condenado a conviver com a
recessão por quase uma década, o que exigiria sacrifícios mais pesados
do que aqueles que já estão sendo feitos atualmente pela população.
Agora, sem planejamento e demonstrando desespero, o governo se perde nas
duas agendas que sempre renegou: o aumento de imposto e o corte de
gastos – inclusive no social.
Sobre os integrantes da equipe presidencial
que discutem aumento de tributos existe uma forte pressão para que a
Cide, o imposto sobre a comercialização da gasolina e do óleo diesel,
volte a ser cobrada do consumidor. O principal obstáculo para esta
solução é o impacto exercido sobre a medição da alta dos preços, podendo
gerar um aumento de 0,8% na inflação. Outra possibilidade para gerar
receita seria a criação de uma nova taxa sobre as operações de crédito,
que não entrasse na conta da inflação, mas que tivesse uma abrangência
nacional e de arrecadação imediata. Algo como a CPMF, mas batizado com
um outro nome mais palatável à população, como se isso fosse possível na
atual conjuntura.
Uma iniciativa como esta só poderia ser
pior se combinada com cortes nos programas sociais. É o que o Planalto
já está fazendo, a despeito de contrariar outra promessa de campanha. Na
última semana, Dilma abortou o lançamento da terceira etapa do Minha
Casa, Minha Vida. O governo classifica a decisão como “adiamento”, para
que se possa primeiro honrar as dívidas contraídas para executar
estágios anteriores do programa. Mas, na prática, trata-se de uma puxada
no freio de mão. Os empenhos dos valores do Minha Casa Minha Vida 1 e
2, conforme apurou ISTOÉ, já caíram pela metade: de R$ 10,3 bilhões para
R$ 5 bilhões.
NO REINO DOS PIXULECOS
No Sete de Setembro, manifestantes exibiram uma Dilma inflável,
com nariz avantajado, em alusão ao personagem Pinóquio, de Gepeto, um
notório mentiroso. Ao lado, o já famoso boneco de Lula, com trajes de presidiário
As decisões administrativas equivocadas,
que aprofundam a crise econômica, somadas à fragilidade política da
presidente, conferiram velocidade, força e materialidade a um novo
pedido de impeachment preparado por setores da oposição e até da
situação. O grupo pró-impeachment composto por integrantes do PSDB, DEM,
PPS, SD, PSC, PTB, PSD e PMDB oficializou na quinta-feira 10 o
lançamento de um site com petição pública para recolher assinaturas e
incentivar no Congresso a abertura de um processo de afastamento de
Dilma. O movimento já contabiliza 280 votos, o suficiente para aprovar a
admissibilidade para o início de um processo em plenário. A página na
internet traz a íntegra do pedido de impeachment apresentado pelo
jurista Hélio Bicudo, fundador do PT. “Acho Dilma incapaz de ser
presidente. Ela não tem nenhuma capacidade mental para dirigir o País.
Não falta acontecer mais nada para que ela sofra o impeachment. Os
crimes já se consumaram. Existem crimes praticados contra a
administração pública”, disse Bicudo à ISTOÉ. Na quarta-feira 9, o
presidente do PSDB, senador Aécio Neves, decretou o fim do governo.
“Infelizmente, a perda do grau de investimento do Brasil e a perspectiva
de revisão negativa nos próximos doze meses mostram que o governo da
presidente Dilma acabou”. O coro pela saída de Dilma é engrossado no
meio empresarial. “Com o impeachment, a agonia seria curta”, prega
Flávio Rocha, dono da Riachuelo. Rocha sintetiza o discurso de pesos
pesados do PIB para os quais Dilma se perdeu nas próprias mentiras e
arrastou o País para o caos econômico.
A crise da semana, que culminou com a perda
do selo de bom pagador do Brasil, começou com uma sucessão de
trapalhadas presidenciais. Primeiro foi a ideia natimorta de ressuscitar
a CPMF. O imposto do cheque foi discutido no Palácio do Planalto,
provocando um racha no núcleo duro do governo, com direito a gritaria e
dedo em riste. De um lado, o time que defendia a volta de um imposto
rejeitado até no governo Lula, quando ele ostentava um alto índice de
aprovação. Do outro, o grupo que antevia a catástrofe anunciada que
representaria essa proposta. Assim que a notícia foi vazada para a
imprensa, a fim de testar a reação do público, Dilma assistiu a
respostas tão violentas quanto inesperadas e, três dias depois, recuou
da decisão. E assim, a chance de recriar a CPMF voltou para a gaveta, de
onde, ainda acreditam interlocutores do governo, pode ser sacada a
qualquer momento.
O segundo refugo do governo foi sobre o
envio da peça orçamentária de 2016 ao Congresso Nacional com a previsão
de déficit de R$ 30,5 bilhões. Assim como o imposto, essa discussão
também acirrou os ânimos no Planalto. A tese capaz de convencer a
presidente a ser a primeira governante na história a enviar uma previsão
de Orçamento com mais gastos do que arrecadação foi a de que esta seria
uma maneira de dar um susto nos parlamentares. Pela lógica do governo,
diante da transparência dada à gravidade do problema nas contas
governamentais, os parlamentares seriam praticamente forçados a se
reunir com a equipe econômica para viabilizar os cortes e a criação de
novos impostos. Com isso, acreditou, ela conseguiria minar as
resistências para aprovação das propostas na Câmara e no Senado. Ainda
dividiria com o Legislativo o desgaste diante da população na hora de
ministrar o remédio amargo. O movimento vendido à presidente como sendo
de grande esperteza foi imediatamente rechaçado pelos congressistas.
Coube ao vice-presidente Michel Temer a tarefa de matar a proposta no
nascedouro. Durante jantar com membros de seu partido, o PMDB, disse que
qualquer projeto de aumento de receitas deveria partir do Executivo
(leia mais à pág. 40).
Tamanha foi a irritação de Joaquim Levy com
o episódio da previsão de déficit no orçamento que ele desabafou com um
parlamentar: “Estou de mãos atadas”. Mesmo sendo voto vencido, alertou
sobre o impacto que um sinal como esses poderia provocar no mercado e,
principalmente, às agências de risco. Dito e feito. O rebaixamento do
País elevou a tensão política e aumentou as desconfianças no meio
empresarial. Para tentar jogar água na fervura, o governo convocou uma
reunião de emergência na manhã de quinta-feira 10 com os ministros
Joaquim Levy, Nelson Barbosa (Planejamento) e Aloizio Mercadante (Casa
Civil). No encontro, Dilma mostrou um distanciamento total da realidade
ao negar que o cenário econômico seja “catastrófico”. Pressionada, agora
ela tenta encontrar uma maneira de alcançar o superávit de 0,7% do PIB –
meta quase que imperativa diante do atual cenário econômico. As
discussões sobre como levantar este dinheiro consomem o governo. Ainda
não foi encontrada uma fórmula capaz de cobrir o buraco no Orçamento. O
certo é que mais uma vez quem vai pagar a conta é a população.
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