Pacote fiscal de Dilma prevendo a tunga ao bolso do cidadão desagrada a esquerda, enfurece o empresariado e reforça no Congresso a batalha pelo afastamento da presidente
Sérgio Pardellas e Débora Bergamasco
Na última
semana, a presidente Dilma Rousseff apresentou ao País um conjunto de
propostas fiscais indecentes, em que combinou aumento de impostos com
medidas para eliminar despesas recheadas de esperteza política. Mas não
foi necessário destrinchar o improvisado plano para perceber logo de
cara quem a presidente havia escolhido para pagar a conta da
irresponsabilidade fiscal que ela e a fracassada gestão petista legaram
ao Brasil: você, o contribuinte. Com a recriação da famigerada CPMF, o
governo planejou arrecadar R$ 32 bilhões – quase metade do pacote fiscal
– a partir da cobrança de 0,2% sobre cada transação bancária do
brasileiro. Numa espécie de barganha com o dinheiro alheio, Dilma teve a
ousadia de propor ainda o aumento da alíquota do imposto para 0,38%, em
negociação com os governadores. Ao tungar o bolso do cidadão e, ao
mesmo tempo, suspender o repasse de verbas para programas sociais, sem
qualquer vestígio de corte mais profundo na própria carne, a
petista conseguiu a proeza de desagradar ainda mais a população,
indignar a base social do PT e enfurecer o empresariado. Resultado: sem
credibilidade e altamente impopular, a presidente viu o Congresso reagir
com contundência ao novo imposto e praticamente inviabilizar o
amontoado de sugestões para tentar tirar o País da interminável crise
político-econômica.
E AGORA?
Pacote fiscal agravou a situação política da presidente Dilma
Os últimos pilares de sustentação de seu
mandato foram ao chão. Hoje, quase todos os atores políticos anseiam
pela sua saída do cargo, incluindo o PT lulista, para quem a única
chance de êxito eleitoral em 2018 passaria pela conversão de Lula à
oposição de um governo pós-Dilma. Com o cerco se fechando e a cada dia
com menos condições de governabilidade, Dilma poderia relembrar o seu
discurso de posse da primeira eleição em 2010. Nele, mencionou um trecho
da obra de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas. “O correr da vida
embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.
Muito provavelmente, Dilma escolheu essa passagem para tentar
transmitir a imagem de uma presidente marcada por uma trajetória de
bravura. De quem lutou contra a ditadura, sofreu com a tortura nos
porões e aceitou a missão de suceder Lula, o mentor de sua candidatura.
Agora, mais do que nunca, a vida exige
coragem da presidente Dilma. Coragem para admitir que não reúne mais
condições de conduzir o País. Coragem para reconhecer sua incapacidade
de levar o Brasil para um caminho que o afaste do caos econômico
completo e irremediável capaz de comprometer o futuro de gerações de
brasileiros. Na atual circunstância política, não há muita margem de
manobra. Se a renúncia não estiver em seu horizonte, já não restam mais
dúvidas de que o Congresso porá em marcha um processo que pode culminar
com o seu afastamento e a consequente perda de direitos políticos. A
batalha do impeachment já começou. Na noite de terça-feira 15, o
deputado Mendonça Filho (DEM-PE) apresentou no plenário da Câmara uma
questão de ordem, cobrando do presidente da Casa, Eduardo Cunha,
esclarecimentos de natureza legal, regimental e constitucional para a
análise dos pedidos para apear Dilma do cargo. Consumou-se a largada
para seu impedimento. Aguarda-se agora uma manifestação de Cunha sobre o
rito do processo. Mas os próximos passos já estão na praça. Pelo acerto
de bastidor, Cunha deve rejeitar os pedidos de impeachment para não
figurar como seu principal mentor. Em seguida, a oposição recorrerá da
decisão. Se reunir maioria simples, o relógio começa a correr contra a
chefe do Executivo. Na quinta-feira 17, um dia depois do registro num
cartório de São Paulo, os juristas Hélio Bicudo, fundador do PT, e
Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça de FHC, protocolaram na
Câmara o pedido que será utilizado pelo movimento Pró-impeachment para
dar prosseguimento à liturgia do afastamento de Dilma. No documento
subscrito por Bicudo e Reale são mencionadas as “pedaladas fiscais”, a
Operação Lava Jato e a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados
Unidos, para atestar que Dilma cometeu crime de responsabilidade.
FOI DADA A LARGADA
Os juristas Hélio Bicudo (abaixo), fundador do PT, e Miguel
Reale Jr. (acima) entregaram a Eduardo Cunha, presidente
da Câmara, o pedido de impeachment de Dilma
Os encaminhamentos na Câmara do pedido pela
saída da presidente foram suficientes para detonar no Parlamento a
guerra pelo impeachment. Já na noite de terça-feira 15, a apresentação
da questão de ordem por Mendonça Filho gerou acalorado bate-boca, com
direito a gritos, dedos em riste e vaias. Enquanto os petistas no
Congresso ainda botam a cara para defender o mandato atual, parte do
chamado PT lulista elabora um cálculo mais sofisticado. Para eles,
poderia ser até mais vantajoso a deposição de Dilma, uma vez que jogaria
Lula na oposição de um próximo governo condenado desde já a promover um
ajuste ainda mais rigoroso a fim de disciplinar as contas públicas.
Dessa forma, acreditam, o Partido dos Trabalhadores poderia se reerguer
politicamente ancorado no discurso contrário à política vigente.
Mergulhada numa crise terminal e vendo o
barco afundar sem ninguém para jogar a boia de salvação, a presidente
sentiu a água cobrir-lhe o pescoço. Num ato de desespero, voltou a
colocar o próprio afastamento na agenda ao afirmar que o governo vai
fazer “tudo para impedir que processos não democráticos cresçam e se
fortaleçam”. “Usar a crise como mecanismo para chegar ao poder é uma
versão moderna do golpe”, afirmou ela, sem levar em conta,
convenientemente, as suspeitas que pesam sobre sua campanha. Sem
considerar também o gravíssimo fato de que o tesoureiro do PT,
responsável por arrecadar recursos para a reeleição, encontra-se
condenado e atrás das grades. A pronta resposta foi dada por Hélio
Bicudo no momento em que registrou o pedido de impeachment. “Esse
negócio de falar que é golpismo, é golpismo de quem fala. Estamos agindo
de acordo com a Constituição” disse. O ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso também reagiu. “Quem sofre a crise não quer dar golpe, quer se
livrar da crise. Na medida em que o governo faz parte da crise, começam a
perguntar se o governo vai durar. Mas não é golpe”, fez coro. O
presidente do PSDB, senador Aécio Neves, manteve a toada. “Golpe ou
atalho para chegar ao poder é utilizar dinheiro do crime ou da
irresponsabilidade fiscal para ganhar votos.”
A expectativa dos oposicionistas é de que
até o fim de outubro a Câmara consiga iniciar formalmente o processo do
afastamento de Dilma. Pelos cálculos de integrantes do DEM, hoje o grupo
contra a atual gestão soma cerca de 280 votos – sendo 200 fechados com a
oposição e 80 de legendas governistas que topam votar pelo afastamento,
desde que suas “traições” não sejam em vão. Se aprovado o recurso à
rejeição já combinada com Eduardo Cunha, esta votação terá condições de
servir como um teste. Uma demonstração de força que pode ser capaz de
influenciar parlamentares indecisos. De acordo com o regimento interno,
aprovado pela maioria simples da Casa, o pedido de afastamento é
encaminhado a uma Comissão Especial, cuja formação respeitará a
proporcionalidade dos partidos. Em seguida, o relator dessa comissão
emitirá um parecer dizendo se o pedido de impeachment deverá ou não ser
submetido à votação na Câmara. O parecer, então, será colocado na Ordem
do Dia. Para ser admitido, precisa de maioria qualificada do plenário,
ou seja, adesão de dois terços dos deputados (342 votos). Se a Câmara
concluir que o pedido de afastamento é válido, o tema vai para o Senado,
onde se inicia efetivamente o julgamento do mérito. Em suma: se a
presidente deve ou não perder o seu mandato. Enquanto isso, Dilma fica
suspensa de suas funções presidenciais por até 180 dias.
ESQUENTOU
Sessão da Câmara na terça-feira 15 foi marcada por discussões acaloradas
a respeito do impeachment da presidente e protestos contra a volta da CPMF
Apesar de o impeachment começar pela
Câmara, o grupo que articula as estratégias e estabelece o calendário
para a derrubada da petista não inclui somente deputados. Participam das
reuniões reservadas os senadores tucanos Aécio Neves (MG), José Serra
(SP), Aloysio Nunes (SP), Cássio Cunha Lima (PB) e os colegas do DEM
José Agripino Maia (RN) e Ronaldo Caiado (GO). O grupo mantém encontros
constantes com o principal partido da base governista, o PMDB. Integrou o
mais recente convescote um convidado com lastro: o ex-ministro Moreira
Franco. No PMDB, ele é considerado uma espécie de representante do vice
Michel Temer. Uma preocupação que aflige e até divide o grupo
oposicionista é como estará o terreno político e econômico quando um
novo presidente assumir o País. Há uma parcela que defende a saída de
Dilma o mais rápido possível. Esses parlamentares não querem dar chance
para que ela atinja o fundo do poço, bata no chão e depois comece a dar
sinais de recuperação. Relembram em conversas reservadas o erro cometido
pela oposição ao adotar a estratégia de “deixar sangrar” praticada em
2005, quando o então presidente Lula passou por seu momento de maior
desgaste no escândalo do mensalão. Ao contrário do que se imaginava, o
petista conseguiu contornar a crise, recuperou apoio e popularidade, e
foi reeleito. Por outro lado, há uma corrente defendendo que a
deflagração do processo de impeachment deveria se arrastar até o fim do
ano. Apostam que até lá a imagem de Dilma irá se deteriorar ainda mais,
ao sofrer as consequências desastrosas do pacote de ajuste fiscal
proposto pelo governo. Esta ala defende a manutenção da presidente no
cargo para arcar com os resultados negativos dos remédios amargos
ministrados por ela e sua equipe. Caso contrário, acreditam, a bomba
pode explodir na mão do sucessor. A ideia é criar um ambiente mínimo de
governabilidade para que o substituto possa mostrar que a saída de Dilma
foi benéfica. A “solução Temer” conta com o apoio público do DEM. “Se
Temer preparar uma agenda que se oponha ao que se pratica hoje,
independentemente de termos ministérios ou não, não tem porque não
sermos aliados desse governo”, disse à ISTOÉ o deputado Rodrigo Maia
(DEM-RJ).
"Golpe ou atalho para chegar ao poder é utilizar dinheiro do crime para ganhar votos"
Aécio Neves, senador tucano
Para tentar conter o impeachment, a
estratégia presidencial passa pelo STF. Advogados do PT monitoram com
lupa cada movimento para poder questionar cada detalhe do processo no
Supremo Tribunal Federal. A intenção do Planalto é retardar ao máximo o
início do processo para transmitir ao País a mensagem de que esta será
uma travessia lenta e dolorosa, em contraposição aos que defendem que
este será o caminho mais rápido para o Brasil sair da agonia. Joga
contra o Planalto e Dilma uma insatisfação popular cada vez mais
crescente. Os movimentos pró-impeachment organizam para as próximas
semanas protestos na Praça da Sé, em São Paulo, palco das manifestações
das Diretas. O clamor das ruas pressiona outro foro onde, em paralelo às
articulações no Congresso, o destino de Dilma pode ser selado: o TCU.
No julgamento das pedaladas, todos apostam na rejeição das contas de
2014. A defesa apresentada há duas semanas não foi capaz de convencer os
ministros da corte. Se a votação fosse realizada esta semana, a derrota
seria acachapante: 9x0 contra Dilma. A comunidade internacional já
lança luz sobre a fragilidade da presidente. Em editorial publicado na
segunda-feira 14 sob o título “A terrível queda do Brasil da graça
econômica”, o britânico Financial Times disse que “se o Brasil fosse um
paciente de hospital, médicos da sala de emergência poderiam
diagnosticá-lo como em um declínio terminal”. O texto lembra que a falta
de apoio político faz com que “seja praticamente impossível para Dilma
responder adequadamente à crise econômica”. O jornal afirmou ainda que a
economia brasileira está “uma bagunça” diante de recessão esperada para
2015 e 2016, do déficit das contas públicas, do novo Orçamento com
expectativa de saldo primário negativo e a consequente elevação da
dívida. Os motivos listados pelo periódico inglês tornam o ambiente
político inflamável à espera do riscar do fósforo. Realmente é preciso
coragem.
Colaborou Fabio Brandt
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