Documentos comprovam repasses de dinheiro desviado da Petrobras ao marqueteiro de Dilma, João Santana, durante a campanha de 2014. Poder exercido pelo publicitário sobre o Planalto é atestado por emails rastreados pela Lava Jato
Marcelo Rocha
Nem mesmo os
investigadores poderiam imaginar que uma decisão tomada em 2014 contra
um desconhecido diretor da Petrobrás pudesse levar, um ano depois, a
Lava Jato aos calcanhares da campanha presidencial de Dilma Rousseff.
Tudo começou em dezembro de 2014, quando o juiz Sérgio Moro, responsável
pela operação, determinou a expedição de mandados de busca e apreensão
contra operadores de propina que atuavam na Petrobras. Os suspeitos
foram listados pelo ex-gerente da estatal e delator Pedro Barusco. Entre
os nomes apontados por Barusco estava um pouco famoso Zwi Skornicki,
representante no Brasil de um estaleiro asiático com negócios com a
companhia. De acordo com o delator, Skornicki repassou propina para o
PT, negociada com João Vaccari Neto, o ex-tesoureiro do partido preso em
Curitiba há quase um ano. A confissão de Barusco levou os
investigadores a fazer uma batida policial na casa de Skornicki, o que
se revelou um tiro certeiro, com desdobramentos ainda imprevisíveis.
Foram recolhidos ali documentos que levaram a Lava Jato até o
marqueteiro João Santana, responsável pelas campanhas do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva em 2006 e da presidente Dilma Rousseff, em
2010 e 2014.
Santana escondeu das autoridades a offshore
Shellbil Finance S.A., sediada no Panamá e titular de conta na Suíça. A
conta secreta de Santana foi abastecida por Skornicki e pela Odebrecht.
Foram US$ 7 milhões depositados entre setembro de 2013 e novembro de
2014, sendo US$ 1,5 milhão em três parcelas no período em que o
marqueteiro trabalhava exclusivamente para reconduzir Dilma ao Palácio
do Planalto. Por isso, Zwi Skornicki é considerado o elo mais forte
entre os desvios de recursos da Petrobras e a campanha eleitoral de
Dilma em 2014. Presos na semana passada durante a Operação Acarajé, a
23ª fase da Lava Jato, Santana e Mônica Moura, mulher e sócia, foram
interrogados e negaram a vinculação dos depósitos na Shellbil a
trabalhos realizados no Brasil.
As versões de Santana e sua mulher, no
entanto, são inverossímeis. Em seu depoimento, o marqueteiro fez de tudo
para tentar dissociar os repasses para suas contas, segundo a Lava Jato
obtidos a partir de desvios da Petrobras, da campanha de Dilma em 2014.
Chegou a dizer que os serviços prestados como conselheiro da presidente
“se deram a título não oneroso” e que ele “foi um doador de serviços ao
governo em razão do prazer que isso lhe gera e da facilidade que
possui”. Ocorre que, além dos depósitos de US$ 1,5 milhão no exterior,
via Zwi Skornicki, uma planilha encontrada na Odebrecht sob o título
“Feira-evento 14” indica sete pagamentos efetuados em São Paulo num
total de R$ 4 milhões. Estas transferências ocorreram nos meses de
outubro e novembro de 2014, ápice da campanha de Dilma. Feira, segundo
os investigadores, era como a empreiteira tratava Santana – o
marqueteiro nasceu em Tucano, município baiano localizado a 150 km de
Feira de Santana.
PEÇAS QUE SE ENCAIXAM
Documentos apreendidos na Odebrecht, no ano passado, mostram preocupação -
em troca de mensagens - com risco de conta na Suiça vir a atingir Dilma,
como ocorre agora com as novas descobertas da PF. Na mensagem,
Feira - suposta referência a João Santana - também é citado
Há também indícios de que o dinheiro
recebido no exterior e não declarado pelo marqueteiro seja bem superior
ao montante informado na papelada que respaldou a prisão do casal.
Agora, papéis enviados por autoridades estrangeiras estão sendo
confrontados com a documentação recolhida nos endereços residenciais e
comerciais dos suspeitos. Essa linha de apuração preocupa bastante o
Palácio do Planalto, num momento em que engrossa no Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) o volume de suspeitas de irregularidades nas contas
eleitorais de Dilma e o impeachment volta a ganhar força no Congresso.
Não são apenas as datas dos depósitos na Shellbil que sustentam a
desconfiança entre os investigadores. Skornicki tem laços com pessoas
ligadas ao PT. Foi acusado por Barusco de intermediar US$ 14 milhões em
propina ao ex-diretor de Serviços Renato Duque, mantido anos no cargo
pelo partido da presidente. Antes de atuar como consultor, Skornicki foi
da Petrobras e passou pela Odebrecht até abrir seu próprio negócio.
Virou representante do estaleiro asiático a Keppel Fels, que negociou no
Brasil contratos para o fornecimento de sondas para a exploração do
pré-sal.
No despacho que determinou a prisão de
Santana e de Mônica Moura, o juiz Moro classificou como “fundada” a
suspeita de que as transações efetuadas em favor da Shellbil representam
pagamento de propina desviada da Petrobras. “Na hipótese probatória
mais provável tais valores destinar-se-iam a remunerar os serviços de
publicidade prestados por João Santana e Mônica Regina ao Partido dos
Trabalhadores, o que é bastante grave, pois também representa corrupção
do sistema político partidário”, afirmou Moro. Em fevereiro de 2015,
durante a Operação My Way, a nona fase da Lava Jato e que mirou esquemas
na Diretoria de Serviços da Petrobras, a PF recolheu na casa de
Skornicki um envelope contendo o modelo “Alteração e Consolidação de
Contrato de Consultoria”, escrito em inglês, além de informações de duas
contas em bancos no exterior. O envelope fora enviado a Skornicki por
Mônica Moura. Os agentes identificaram nele um endereço que os levou à
Polis Propaganda, de propriedade do casal.
Em junho de 2015, mais informações contra o
marqueteiro de Lula e Dilma foram encontradas durante a Erga Omnes,
fase da Lava Jato que teve como alvo dirigentes das maiores empreiteiras
do País. Nos equipamentos apreendidos em poder de Marcelo Odebrecht, a
PF identificou diversas menções ao “Feira”. Entre elas “liberar p/Feira
pois meu pessoal não fica sabendo. Dizer do risco cta suíça chegar
campanha dela”. “40 para vaca (parte para Feira)” e “cuidados meet/pgtos
Feira”. Segundo sugerem essas anotações os pagamentos a João Santana
seriam doações eleitorais sub-reptícias e a “cta suiça” que poderia
chegar “na campanha dela”, no caso a de Dilma, seria aquela descoberta
agora abastecida por Zwi Skornicki.
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