Surgimento de provas que vinculam a campanha de Dilma à corrupção na Petrobras, a partir da prisão de João Santana, leva os partidos de oposição e até o PMDB a voltarem a se articular no Congresso pelo afastamento da presidente
Sérgio Pardellas (sergiopardellas@istoe.com.br)
Na
segunda-feira 22, horas depois de expedido o mandado de prisão do
marqueteiro da campanha e conselheiro de Dilma, João Santana, com base
na mais bem documentada operação da Polícia Federal até agora, o
ex-presidente Lula sacou o telefone e ligou para o ministro da Casa
Civil, Jaques Wagner. “Ela (Dilma) sabia que ia dar m...Que isso tudo
chegaria na campanha”, esbravejou o petista. Impregnado de fúria, Lula
reavivou em Wagner uma conversa mantida no Palácio do Planalto entre o
senador Delcídio do Amaral (PT) e a presidente Dilma Rousseff, em junho,
na esteira da prisão de executivos das principais empreiteiras do País.
Durante uma reunião, o senador petista advertiu a chefe do Executivo:
“Presidente, a sra. sabe que foi uma dessas empreiteiras implicadas na
Lava Jato que bancaram sua campanha e pagaram ao publicitário João
Santana”. Ao que Dilma respondeu: “Isso é problema do Lula. Ele que
resolva”. Delcídio então rebateu: “Não, a campanha era sua. É sua a
responsabilidade”.
“Pois é, agora chegou nela”, concluiu Lula
no telefonema ao ministro baiano. O tom do diálogo traduz a atmosfera de
pânico reinante no PT e no Planalto, a partir da deflagração da
Operação Acarajé, pela Lava Jato, na última semana.
Foram 67 dias de alívio para o governo,
desde a decisão do STF de alterar o rito do afastamento da presidente
Dilma no Congresso. Na segunda-feira 22, o acarajé azedou e a calmaria
cedeu lugar à tormenta. Para a presidente, a prisão daquele que era
considerado o 40o ministro do governo, tamanha era a influência exercida
por ele, constitui-se no desenlace mais grave da Operação Lava Jato até
agora. Os fortes indicativos de que dinheiro desviado da Petrobras
serviu para bancar João Santana, principal mentor e estrategista das
campanhas petistas, colocaram o impeachment novamente na ordem do dia –
tanto do Congresso, como das ruas. Com algumas diferenças fundamentais,
em relação ao ano passado, que fazem com que o processo capaz de apear
Dilma do poder retorne ainda com mais vigor e mais robusto do ponto de
vista político. Desta vez, não há qualquer vestígio das digitais do
impopular presidente da Câmara, Eduardo Cunha, responsável por avalizar o
pedido anterior. Ao contrário do ano passado, Dilma também não pode se
escorar no ex-presidente Lula. Enrolado com os casos do tríplex no
Guarujá e do sítio em Atibaia, reformados com dinheiro da OAS,
empreiteira envolvida no Petrolão, o morubixaba petista não empolga nem
conduz mais as massas como em outrora. Pelo contrário. Ele nunca esteve
tão fragilizado e com uma imagem tão arranhada perante a população, haja
vista o panelaço do qual foi alvo na última terça-feira 23 –
indiscutivelmente o mais estrepitoso entre todos até agora.
Na ausência de um inimigo número um para
atribuir as ações perpetradas contra ela no Congresso, papel este
exercido por Cunha em 2015, e com o seu principal mentor – Lula – a
manquitolar nas cordas, Dilma volta a depender de dois partidos que se
revelaram nada confiáveis em momentos pretéritos em que a presidente
esteve em apuros: o próprio PT e o PMDB. É notório. Os petistas nunca
morreram de amores por Dilma. Nem quando ela foi alçada ao Olimpo
político em 2010. Hoje, eles se dispõem a sustentá-la tão somente por
conta da sobrevivência eleitoral, traduzida na batalha pela manutenção
dos mais de 20 mil cargos, em poder da legenda, na Esplanada dos
Ministérios. Intramuros, integrantes do partido jogam na conta da
presidente a pior crise já experimentada pelo PT, desde a sua fundação –
fruto, para eles, da equivocada política econômica responsável por
paralisar o País e trazer de volta o desemprego e a recessão.
O principal sintoma do estremecimento da
relação entre Dilma e PT é a possível ausência da presidente no evento
em comemoração aos 36 anos do partido no Rio. Já o PMDB, que ensaiou o
desembarque do governo, mas voltou ao estado de ponto morto depois que o
motor do impeachment esfriou no ano passado, retomou as negociações
para colocar em marcha o afastamento da presidente. Na última semana, as
articulações entre PMDB e PSDB, principal partido de oposição, ganharam
intensidade e retornaram ao estágio anterior à decisão do STF de 17 de
dezembro, quando os ministros da corte mudaram a regra do jogo com a
partida em andamento e jogaram uma ducha de água fria no processo. O
PMDB cogita até apresentar um novo pedido de impeachment capaz de
alcançar os últimos fatos da Lava Jato, como o dinheiro recebido pelo
marqueteiro João Santana no exterior. A assessoria jurídica do partido
já trabalha em cima de um parecer nesse sentido. O vice-presidente
Michel Temer (PMDB) mantém a discrição e evita fazer movimentos bruscos,
como ocorreu no ano passado, quando foi acusado de jogar abertamente
contra o governo. Mas, segundo palavras de um de seus mais próximos
aliados, o vice vai deixar “a partida correr solta”.
O PMDB desenvolve um raciocínio bem
pragmático para voltar a embarcar na canoa do impeachment. Por que
aguardar uma decisão no TSE que pode prejudicar o partido, na hipótese
de condenação da chapa Dilma-Temer, se o PMDB pode ser o fiel da balança
para afastar a presidente num processo político no Congresso do qual se
beneficiaria diretamente, com a ascensão automática do vice-presidente
ao poder, caso seja aprovado o impedimento da petista? A seu favor, o
partido ainda conta com a possibilidade de a liturgia do impeachment no
Congresso ser bem mais célere do que um julgamento no TSE. Numa projeção
otimista, o Tribunal Eleitoral só irá conseguir se manifestar sobre as
contas eleitorais de Dilma em outubro deste ano, ao passo que um
processo de afastamento no Legislativo, se houver condições políticas
para levá-lo a cabo, não duraria mais do que três meses.
Por isso, neste momento, as conveniências
políticas de PMDB e PSDB voltam a se entrelaçar. Para Dilma o
restabelecimento da harmonia entre as duas legendas é o pior dos mundos.
A senha para o reinício das tratativas foi a decisão do presidente do
PSDB, senador Aécio Neves, de se engajar de corpo e alma na manifestação
marcada para o dia 13 de março cujo mote principal será o “Fora,
Dilma”. A decisão foi tomada após reunião com parlamentares da oposição
na sede da liderança do partido no Senado. “Estamos distribuindo uma
nota de absoluto apoio dos partidos de oposição às manifestações
programadas para o próximo dia 13 de março, organizadas por movimentos
da sociedade civil. Vamos conclamar nossos companheiros de todas as
regiões do País para que se façam presentes nesse momento de profundo
agravamento da crise política, econômica, social e moral que vem
devastando o Brasil. Vamos botar nossa cara sim e dizer basta a tudo
isso que vem acontecendo”, afirmou Aécio Neves. “Pela primeira vez temos
provas documentais que vinculam a campanha da presidente Dilma à
corrupção na Petrobras”, pontuou o tucano. A nota em apoio à
manifestação foi subscrita pelo PSDB, PPS, DEM, PV e Solidariedade. Os
oposicionistas anunciaram ainda que os líderes dos partidos na Câmara
solicitarão ao presidente do STF, Ricardo Lewandowski, uma audiência
para cobrar rapidez na publicação do acórdão do rito do impeachment.
EM MARCHA
O MBL, liderado por Kim Kataguri (abaixo, estará à frente dos protestos do dia 13.
Panelaço na terça 23 expôs decepção do brasileiro com Lula e o PT
Para esquentar ainda mais a discussão sobre
o afastamento da presidente, as siglas de oposição inauguraram nos
últimos dias um comitê pró-impeachment. Com a criação do colegiado, a
oposição tentará criar um clima de vigília constante, exercendo uma
espécie de marcação cerrada sobre Dilma no rastro da manifestação do dia
13 de março. A intenção é estabelecer um calendário de protestos nas
principais capitais do País em prol da saída da petista. Servem de
inspiração para o grupo os comícios das Diretas Já. Esportistas e
cantores populares já foram contatados para reforçar os palanques e
imprimir uma marca suprapartidária aos eventos. O grupo também busca
estreitar os laços com o empresariado. Na quarta-feira 24, deputados de
cinco partidos se reuniram com Paulo Skaf, porta-voz do setor industrial
paulista.
Numa outra trincheira, os parlamentares da
oposição prometem se dirigir à ministra Maria Thereza de Assis Moura,
relatora de uma das ações movidas pelo PSDB no TSE contra a chapa
Dilma-Temer, para reforçar o pedido para que os documentos da nova fase
da Lava Jato sejam anexados ao processo. O PSDB pleiteia a análise pela
Justiça Eleitoral dos novos documentos da investigação sobre João
Santana. As maiores evidências contra Dilma e sua campanha derrubam a
versão de Santana, segundo a qual os valores recebidos no exterior –
cerca de US$ 7,5 milhões – estavam relacionados a serviços prestados por
ele fora do Brasil. A principal delas é um depósito de US$ 1,5 milhão
feito na conta do marqueteiro na Suíça entre julho e novembro de 2014,
período em que João Santana, como é sabido, se dedicou exclusivamente à
campanha à reeleição da petista. Há ainda registros de repasses que
somam R$ 4 milhões na mesma época, segundo planilha apreendida na
Odebrecht sob o título “Feira-evento 14”. Feira, segundo os
investigadores, seria uma referência a Santana (leia mais nas páginas 34
a 38). O surgimento da comprovação de que o marqueteiro de 2014 foi
pago com recursos do Petrolão pode vir a ser o Fiat Elba de Dilma –
ironicamente, o caso envolvendo o ex-presidente Collor foi desvendado
por quem pode derrubá-la agora: João Santana.
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