Na semana do impeachment, o isolamento de Dilma se aprofunda em meio à debandada de aliados. Intramuros, o próprio Lula joga a toalha. O fim nunca esteve tão próximo
Sérgio Pardellas (sergiopardellas@istoe.com.br)
A solidão dos
políticos, nos últimos dias de poder, é tamanha que até o cafezinho
passa a ser servido frio, reza a tradição. A presidente Dilma Rousseff
não sofreu com isso isso na semana antecedente à votação do seu
impeachment na Câmara. Seu café já estava gelado fazia algum tempo. O
isolamento se expressou de outra maneira. Seu criador, o ex-presidente
Lula, responsável por legá-la ao País, – contrariando seu próprio
partido, o PT –, e idealizador da narrativa da gerentona, “mãe do PAC”,
pouco lhe telefonou na semana crucial de seu governo. Na quinta-feira
14, um parlamentar da base governista perguntou a Lula sobre a relação
com Dilma nesta tensa reta final. Sem titubear, respondeu-lhe o
morubixaba petista: “Não dá mais para conversar com ela. Não dá mais.
Desisto”. Companheiro do presidente desde os tempos do ABC, o deputado
concluiu em conversa com um colega de bancada: “Lula parece ter jogado a
toalha”, lamentou. Nos dias derradeiros, deputados recusavam os
convites para audiência com Fernando Collor. Getúlio Vargas convivia com
conspirações dentro do Palácio do Catete. Compadres não retornavam os
telefonemas de João Goulart. Com ela, não poderia ser diferente. Mas a
resignação de Lula, ao menos intramuros, já que publicamente ele se
comporta de maneira diferente, foi emblemática. Pela circunstância, pelo
momento, por se tratar de quem é e pelo que representa para Dilma e
para o PT cada passo e gesto seu.
Sob intensa pressão, Dilma oscila entre a
resiliência e o reconhecimento do infortúnio. Na quarta-feira 13, em
conversa com jornalistas no Palácio do Planalto, o tom foi de despedida,
num discurso com claros traços de melancolia. Dilma até se esforçou
para demonstrar bom humor. Vestida de maneira descontraída, com uma
camiseta preta de bolinhas brancas e transparência nos braços, deixou
escapar alguns sorrisos. Mas ao esticar a prosa não conseguiu esconder o
abatimento. “A gente deveria ter duas vidas: uma para ensaiar e outra
para viver. Eu tinha que ter ensaiado, mas fui obrigada a viver”,
afirmou, recorrendo a uma citação do ator e diretor italiano Vittorio
Gassman. Em outro momento, disse: “na minha vida, eu te dou 20 mil, 30
mil coisas que eu não faria de novo. Sou normal. Da vida, você leva seus
filhos, seus amigos e seus amores.” Na mesma conversa, admitiu pela
primeira vez a derrota publicamente. “Se ganhar, vou propor um pacto. Se
perder, sou carta fora do baralho.” Ali ela já sabia que nem um
inesperado coringa poderia mudar o seu destino.
Lula joga a toalha em conversa com um deputado da base governista:
“não dá mais para conversar com ela (Dilma). Não dá mais. Desisto”
O ensaio do adeus foi justificável. Minutos
antes do encontro com os setoristas do Palácio do Planalto, a
presidente soubera que sua base de apoio no Congresso se esfacelara por
completo e o governo não tinha os 172 votos necessários para evitar o
impeachment. A deserção se aprofundaria ao longo da semana. Fio de
esperança do governo na luta contra o impedimento de Dilma, PRB e PTB
passaram da neutralidade para a defesa da cassação. Juntaram-se ao PMDB,
PSB e até ao PSD do ministro das Cidades, Gilberto Kassab. Coube a ele a
tarefa de avisar Dilma pessoalmente sobre o desembarque do partido sem
escalas. Kassab chegou a oferecer o cargo, mas Dilma o demoveu da ideia,
ao menos até a derradeira votação. Julgou que ele pouco poderia fazer
para impedir que a legenda seguisse o caminho trilhado na véspera pelo
PP. Restaram os insuficientes apoios do PT, PSOL, PC do B e PDT, além de
dissidentes de outras legendas.
As dificuldades do governo Dilma Rousseff
em obter os votos necessários para frear o impeachment ficaram ainda
mais evidentes quando, num ato de puro desespero, na sexta-feira 15, a
Advocacia-Geral da União (AGU) ingressou com um mandado de segurança no
Supremo Tribunal Federal. Na peça, a AGU pediu para a Corte anular o
processo de cassação sob o pretenso argumento de que o relatório
aprovado pela Comissão conteria ilegalidades. O autor, deputado Jovair
Arantes (PTB-GO), alegou o ministro José Eduardo Cardozo, durante as
discussões do parecer teria extrapolado as denúncias acatadas pelo
presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o que, segundo o governo, teria
prejudicado o direito à defesa da presidente. Mais uma vez, Cardozo
recorria a chicanas jurídicas com o único propósito de adiar a votação
deste domingo. O STF assim entendeu. Ao receber o pedido da
Advocacia-Geral da União, o ministro Edson Fachin submeteu a decisão ao
pleno. Para dar prioridade ao recurso, a corte alterou a agenda de
votações da quinta-feira 14. Os ministros por 8x2 indeferiram os
argumentos dos advogados da petista e a votação do impeachment de Dilma
permaneceu agendada para o domingo 17 no plenário da Câmara dos
Deputados. A sessão foi iniciada na própria sexta-feira 15, quando já se
cristalizava uma ampla maioria pelo afastamento da presidente.
MANOBRA
O ministro da AGU, José Eduardo Cardozo, levou uma goleada de 8 votos
a 2 ao recorrer ao STF para adiar a votação do impeachment
Enquanto achava que tinha fôlego para
reverter o impeachment na Câmara, o governo desceu ao mais rastaqüera
modo de fazer política. Sem qualquer freio moral e de maneira
escancarada, lançou mão de uma prática já condenada pelo Supremo: a de
usar dinheiro público para comprar apoio político no Congresso. A partir
de um hotel, em Brasília, o ex-presidente Lula passou a negociar
emendas e cargos, e até dinheiro, com deputados que, até então, se
dispunham a votar contra o impeachment da petista. Não logrou êxito. O
governo apostou a sua sobrevivência política em três siglas. O PP, com
46 votos, rompeu. O PSD, dono de 36 assentos, a abandonou. Ficou o PR,
com 40 parlamentares. A bancada, no entanto, foi para a votação
completamente dividida.
Em franca campanha de olho no pós-Dilma,
Lula parece não ter o mesmo faro político de outrora. Não considerou
que, por fisiológicas, as siglas chamadas à mesa das negociações se
orientam pela perspectiva de poder. Não adianta, ao parlamentar, receber
promessas de ministério ou de nomeação para diretoria estatal para um
governo que não para em pé. Neste ponto, o vice Michel Temer, sucessor
de Dilma consumado o impeachment, já obtinha larga vantagem. Não por
acaso, o Palácio do Jaburu, sede da vice-presidência, na quarta-feira
13, foi invadido por uma romaria de parlamentares. Um deputado
governista brincou. “Na última semana, Temer falou com mais políticos do
que Dilma em todo o mandato”. Ao lado do senador Romero Jucá (PMDB-RR),
Temer conseguiu atrair a bancada do PP, que dois dias antes parecia
estar seduzida pelas benesses oferecidas por Lula. O líder do partido na
Casa, Aguinaldo Ribeiro, que chegou a cabalar votos pró-Dilma há duas
semanas, anunciou a reviravolta. “A bancada sai hoje unida. O partido e a
sua maioria ampla deliberou pelo encaminhamento no plenário do voto sim
no processo (de impeachment)”, disse. Ato contínuo, a legenda devolveu
os cargos na gestão federal, inclusive o do ministro da Integração
Nacional, Gilberto Occhi. O governo ainda tentou reverter a decisão. Em
vão. Procurou individualmente integrantes da sigla. A estratégia virou
mais um tiro no pé. Irritada com a nova investida, classificada de
indecorosa por membros da legenda, a direção do PP fechou questão em
relação ao impeachment na quinta-feira 14. Quem votar pela manutenção de
Dilma sofrerá sanções.
A sensação de que Dilma estaria sem saída
de um jeito ou de outro foi cristalizada quando o procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, indicou em parecer enviado ao Supremo Tribunal
Federal que a presidente incorreu no crime de obstrução de Justiça – o
que configura crime de responsabilidade – ao montar toda uma estratégia
para nomear o ex-presidente Lula como ministro da Casa Civil. “A
nomeação e a posse apressadas do ex-presidente teriam (como de fato
tiveram) como efeitos concretos e imediatos a interrupção das
investigações conduzidas pelo Ministério Público Federal no primeiro
grau de jurisdição”, denunciou Janot. “O momento da nomeação, a
inesperada antecipação da posse e a circunstância muito incomum de
remessa de um termo de posse à sua residência reforçam a percepção de
desvio de finalidade”, complementou.
O pedido de Dilma para que o povo pressionasse os deputados contra o afastamento
teve efeito contrário: manifestantes pediram o adeus. Até no cartaz: “tchau, querida”
No fim da semana, o clima no governo já era
de fim de feira. Numa última e inútil cartada, a presidente gravou um
pronunciamento no Palácio da Alvorada. Foi o retrato mais bem acabado do
seu desespero. Em sua fala, Dilma chegou ao cúmulo de pedir à sociedade
que conversasse com deputados federais de seus Estados para que
ficassem “ao lado da democracia” e contra o impeachment. Ao fazer esse
último apelo, a presidente deu nova demonstração de total desconexão com
a realidade. Ignorou um fato incontestável mais do que registrado em
recentes pesquisas: a maioria da população não está do lado dela. As
pressões foram exercidas sim pela sociedade junto aos seus deputados.
Mas para que fizessem o inverso do apregoado por ela: votassem a favor
de impeachment.
PRENÚNCIO DO FIM
Em frente ao Palácio do Planalto, parlamentares a favor do impeachment dão o “adeus” simbólico a Dilma
Ainda haveria tempo hábil caso Dilma
Rousseff não quisesse deixar a Presidência pela porta dos fundos. Mas,
por ora, a presidente parece esquecer de seu discurso de posse da
primeira eleição em 2010. Nele, mencionou um trecho da obra de Guimarães
Rosa, Grande Sertão: Veredas. “O correr da vida embrulha tudo. A vida é
assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois
desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Agora, mais do que
nunca, a vida exigiria coragem da presidente Dilma. Coragem para admitir
que não possui mais condições de conduzir o País. Coragem para
reconhecer sua incapacidade de levar o Brasil para uma trilha que o
afaste do caos econômico completo e irremediável capaz de comprometer o
futuro de gerações de brasileiros. Coragem para abrir mão do mandato,
livrando o País e ela própria de atravessar a agonia do afastamento do
cargo por no mínimo seis meses. Gestos de grandeza, no entanto, próprio
de estadistas, parecem lhe faltar. Assim sendo, ao impeachment!
Fotos: Eraldo Peres/AP Photo, Diego
Padgurschi/Folhapress; DIDA SAMPAIO/ESTADÃO; Christophe Simon/AFP, Fábio
Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil); Jorge William/Ag. o Globo
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