Sem qualquer freio moral e com dinheiro do Orçamento, o Planalto volta a comprar apoio parlamentar num último esforço para livrar a presidente do impeachment. Dois parlamentares do PSB teriam recebido oferta de R$ 2 milhões em troca do voto pró-Dilma
Marcelo Rocha e Mel Bleil Gallo
No derradeiro
esforço para tentar salvar o mandato da presidente Dilma Rousseff, o
governo reeditou nos últimos dias, sem qualquer pudor, uma prática já
condenada pelo Supremo: a de usar dinheiro público para comprar apoio
político no Congresso. De maneira escancarada, o Planalto passou a
negociar emendas e cargos, e até dinheiro, com deputados que se
dispuserem a votar contra o impeachment da petista. O modo de operar
remete ao escândalo do mensalão, o esquema de compra de votos durante o
primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com uma
diferença fundamental. O mensalão clássico consistiu no pagamento de
parlamentares a partir do desvio de verbas públicas e da lavagem de
dinheiro por meio de agências de publicidade. Agora, o dinheiro
negociado com os deputados de forma escancarada vem direto do Orçamento –
ou seja, do seu e dos nossos impostos. “São práticas terríveis e o PT
repete tudo de novo”, lamentou o ex-deputado Roberto Jefferson, o
principal delator do mensalão, em entrevista a ISTOÉ.
INDIGNAÇÃO
No Congresso, oposição protesta contra o balcão de negócios promovido pelo governo
De tão ostensivos, o assédio aos
parlamentares e as propostas indecentes formuladas por emissários do
Planalto fizeram corar de vergonha parlamentares que nunca se
notabilizaram propriamente pela probidade ou por suas reputações
ilibadas, como o deputado Paulo Maluf e o ex-presidente Fernando Collor.
Há outro componente agravante no feirão a céu aberto promovido pelo
governo: ele mostra que o PT vira as costas para a sociedade no momento
em que o País vive uma crise político-econômica sem precedentes na
história recente. Enquanto a presidente Dilma determina o
contigenciamento de verbas para a Educação, e paralisa programas como o
financiamento estudantil no exterior, uma das bandeiras do segundo
mandato de Dilma, R$ 50 bilhões em emendas são oferecidas para quem se
dignar a votar contra o impeachment. O governo também não parece se
preocupar com a existência de quatro surtos de doenças no País, como a
gripe H1N1, que já fez 47 vítimas só este ano. Enquanto diretores do
instituto Butantã reclamam de falta de recursos federais para a produção
de vacinas contra o zika vírus, por exemplo, o critério de escolha do
futuro ministro da Saúde e do presidente da Funasa (Fundação Nacional de
Saúde) se orienta pelo número de votos contra o afastamento da
presidente que os aspirantes às vagas são capazes de oferecer. Ou seja,
no vale-tudo para se manter no poder, o Planalto não se constrange em
comprometer o presente e o futuro do País.
Na quarta-feira 6, ao mesmo tempo em que o
deputado Jovair Arantes (PTB-GO) lia as 128 páginas do relatório que
concluiu pela admissibilidade do pedido de impeachment contra a
presidente, os defensores do Planalto tentavam conquistar votos
pró-Dilma nos corredores da Câmara. Às claras. Assim se deu, por
exemplo, quando o deputado André Abon (PP-AP) abordou o colega Sílvio
Costa (PTdoB-PE), vice-líder do governo. “Tudo certo?”, perguntou Costa.
“Falta assinar”, disse Abdon. “Então, está tudo resolvido”, afirmou o
vice-líder. Costa é dos encarregados de negociar, no varejo, votos para
tentar derrubar, no plenário, o pedido de impeachment da presidente.
ISTOÉ perguntou a Costa se o assunto com Abdon era o voto contra o
afastamento da chefe do Executivo. O parlamentar não titubeou. “É
claro”, respondeu sem detalhar, no entanto, o que fora negociado. O
pernambucano é quem anota as adesões e dissidências num papelzinho que
carrega no bolso do paletó. “Posso ver o placar?”, indagou a reportagem.
“Tá de brincadeira, meu líder?!” Em meio ao balcão de negócios que
tomou conta dos corredores do poder em Brasília, há suspeitas de
práticas nada republicanas. Ao longo da semana, circulou a informação de
que os deputados Heitor Schuch e José Stédille, ambos do PSB do Rio
Grande do Sul, teriam sido abordados por aliados do Palácio do Planalto
com oferta de dinheiro para apoiar a presidente. A bancada do PSB se
reuniu para cobrar explicações. Eles negaram. Um deputado de um partido
da base aliada, no entanto, assegurou à ISTOÉ que a oferta foi feita. O
valor: R$ 2 milhões pelo voto pró-Dilma.
Na nova modalidade do mensalão, o principal
operador não tem cargo, ao contrário de José Dirceu, ex-ministro da
Casa Civil, e Delúbio Soares, então tesoureiro do PT. Atua como um
agente estranho ao Estado, mas em nome do Estado, e fazendo promessas de
algo que, ao menos oficialmente, não poderia entregar. Esse papel é
exercido pelo ex-presidente Lula, com as ajudas providenciais de Jaques
Wagner e do ministro Ricardo Berzoíni.. Após ter sua nomeação para a
Casa Civil barrada pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, o petista
transformou uma suíte de um hotel de luxo em Brasília numa espécie de QG
do mensalão do impeachment. Durante as conversas, não se perde um
minuto de prosa para discutir políticas públicas ou projetos para o
andamento do País. No local, onde ele tem recebido uma romaria de
políticos, o samba é de uma nota só: os votos pró-Dilma. O toma la, da
cá, que nos governos anteriores era promovido com uma roupagem mais
republicana, agora é embalado pelo mais puro pragmatismo político. Quem
oferece mais votos sai com a promessa de um cargo num escalão mais alto.
Daqueles com caneta, verba e tinta. Ou com uma emenda mais polpuda. Sem
disfarçar, o ex-presidente Lula fala e age em nome do governo. Claro
que nem tudo é escancarado. Duas precauções foram tomadas para evitar o
flagrante das negociatas. Primeiro as câmeras do corredor do
ex-presidente foram cobertas, impedindo o registro de quem circula no
local – uma medida preventiva de quem possui experiência no assunto.
Ainda está fresco na memória do PT as cenas filmadas dentro do quarto de
um outro hotel em Brasília do ex-ministro José Dirceu negociando cargos
com integrantes do alto escalão da República, antes de ser preso no
escândalo do Petrolão. Outra medida adotada foi reservar as madrugadas
para a intensificação das negociações. É o período onde o fluxo de
parlamentares e ministros é mais intenso.
Nem sempre o fechamento do negócio é
celebrado nas dependências do hotel localizado às margens do lago
Paranoá em Brasília. Para obter o apoio do ministro dos Portos, Helder
Barbalho (PMDB-PA), e de seu pai, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA),
Lula precisou alterar a rotina. Teve de visitar o paraense em sua
própria residência, no dia seguinte à decisão do PMDB de deixar o
governo. O esforço, ao menos para o PT, foi válido. Em jogo, estavam não
apenas o eventual voto do senador, mas o de duas deputadas
peemedebistas: sua esposa, Simone Morgado, e sua ex-mulher, Elcione
Barbalho. O acordo foi fechado. A contrapartida oferecida pelo PT à
família Barbalho é generosa: neste ano, Helder administrará um orçamento
de aproximadamente R$ 3,2 bilhões para obras portuárias no Pará, estado
do qual ele é pré-candidato a governador. Além disso, Jader conseguiu
emplacar a indicação de seu antigo rival e hoje correligionário, o
ex-senador e até então secretário-executivo da pasta comandada por
Helder, Luiz Otávio Campos, para o comando da Agência Nacional de
Transportes Aquaviários (Antaq). Graças ao regalo obtido, Barbalho se
tornou um dos mais ativos articuladores dentro do PMDB a favor de Dilma.
Atua afinado com outro governista de carteirinha: o líder na Câmara,
Leonardo Picciani. Sua sede desmedida por cargos lhe rendeu a alcunha de
“rei do fisiologismo”.
Outro cacique do Senado que se dobrou às
promessas de Lula foi o presidente nacional do Partido Progressista,
Ciro Nogueira. Recentemente, ele foi alçado à condição de articulador
oficial e, em incontáveis reuniões, levou ofertas a diversos aliados e
indecisos. A negociação rendeu frutos ao governo: ele conseguiu
postergar a decisão da bancada do partido - que conta com 51 deputados e
seis senadores - sobre aderir ou não ao impeachment. Ciro é um dos
mercadores pelo PP no balcão de negócios. Na Câmara, o PP conta com os
préstimos de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que já se posicionou
declaradamente contra o impeachment. Exercem papel idêntico, só que pelo
PR, o ministro de Transportes, Antonio Carlos Rodrigues, e o
ex-ministro e hoje deputado Alfredo Nascimento (PR-AM). São responsáveis
pelo corpo-a-corpo com os parlamentares. Na retaguarda encontra-se o
mensaleiro Valdemar Costa Neto, hoje de tornozeleira por estar na
condicional, a quem cabe abençoar as decisões. Pelo PSD, quem
arregimenta a tropa governista é o ministro das Cidades, Gilberto
Kassab. Como o ex-prefeito de São Paulo não costuma dar um passo sequer
sem combinar com seu padrinho político, o senador tucano José Serra,
cabe a pergunta: de que lado estaria Serra neste momento? No PT, o mais
aguerrido na busca por votos para Dilma é o líder do governo na Câmara,
José Guimarães (PT-CE). Além de cargos no governo, também estão em
negociação a ocupação do comando de comissões estratégicas na Casa e
relatorias importantes. Segundo um empresário que esteve na capital
federal na última semana, a investida petista têm sido feita
prioritariamente sobre deputados cuja base eleitoral fica localizada no
interior do País. O Planalto dispõe de levantamentos mostrando que esses
parlamentares são menos expostos às pressões do eleitorado. Por estarem
mais presos às conveniências paroquiais, ficam mais suscetíveis às
benesses do poder. Para estes, uma emenda ou cargo possuem um peso
decisivo numa futura eleição.
As indecorosas pressões, no entanto, ainda
não têm sido suficientes para reverter o placar ainda favorável ao
impeachment. Pior: podem configurar mais um crime praticado por este
governo – ou por representantes dele. Para o cientista político Bolívar
Lamounier, Lula adota uma prática criminosa passível de prisão. Na
última quarta-feira 7, Lamounier enviou ao procurador-¬geral da
República, Rodrigo Janot, um ofício em que sugere a prisão preventiva do
ex¬-presidente por “orquestrar e conduzir” a compra de votos de
deputados federais. “Que se trata de uma prática criminosa, não há
dúvida”, afirmou. Para o estudioso, a investida de Lula é mais danosa ao
erário do que as ações dos coronéis que transformaram municípios do
interior do País em feudos eleitorais.“Justiça seja feita, por
execráveis que fossem suas ações de aliciamento eleitoral, eles as
praticavam com recursos próprios, não com cargos e verbas públicas, como
ocorre atualmente nas dependências do hotel brasiliense”.
O afastamento da presidente ainda é o
cenário mais provável. A oposição, no entanto, mantém a mobilização
temendo eventuais baixas. Na quinta-feira 7, o mapa do impeachment
produzido pelos parlamentares de oposição André Moura (PSC-SE) e
Mendonça Filho (DEM-PE) contabilizava 353 votos pró-impeachment, 131
favoráveis ao governo e 29 indecisos – onze a mais do que o necessário.
Já na Comissão Especial que decidirá nesta semana se o processo deve ou
não seguir para o Plenário, o cálculo é de que a oposição tenha 38 votos
- quatro a mais. Horas antes de fechar o relatório diário, Moura se
reuniu com o vice-presidente Michel Temer (PMDB), em Brasília, a quem
constantemente abastece com atualizações sobre a radiografia do voto. “O
que nós observamos é que quando algum indeciso decide votar com o
governo, é porque ele foi cooptado. Eles mesmos admitem isso. Mas quando
eles apoiam o impeachment, é ideológico”, afirmou o líder do PSC.
Uma das principais baixas sofridas pelo
governo, nos últimos dias, foi o afastamento do Partido Republicano
Brasileiro (PRB). A sigla tem declarado apoio crescente ao impeachment e
esteve em peso no ato que anunciou a adesão majoritária da bancada
evangélica à causa, na última quarta-feira 6. Entre os representantes,
estavam João Campos (PRB-GO), Rosângela Gomes (PRB-RJ) e Tia Eron
(PRB-BA). O presidente nacional da sigla, Marcos Pereira (PRB-SP), conta
que nem a oferta de dois ministérios de Dilma, intermediada pelo
senador Ciro Nogueira (PP-PI), foi capaz de devolver o partido à base.
“Ficaríamos muito desmoralizados. Além disso, nós fizemos uma pesquisa
em São Paulo e mais de 70% dos eleitores criticaram nosso apoio ao
governo”, explicou Pereira. Outro problema enfrentado pelo Planalto,
além da debandada de aliados às vésperas da votação em plenário, é o que
se pode chamar de overbooking de cargos. É que entre os próprios
parlamentares soube-se que o governo estava oferecendo um mesmo cargo
para vários políticos. Como Dilma prometeu honrar os compromissos apenas
depois da votação do impeachment na Câmara, o clima de desconfiança
paira no ar. Dos dois lados do balcão. “Tem gente vendendo terreno no
céu. Prometem o que não podem entregar”, afirmou à ISTOÉ um parlamentar
que pediu para não ser identificado. Em meio às negociatas e
traficâncias do poder, resta saber quem vai trair quem. Que a vítima da
traição não seja o povo brasileiro.
Fotos: Nilson Bastian/Câmara dos Deputados,
Pedro Ladeira/Folhapress; Sérgio Lima/Folhapress, Igo
Estrela/FramePhoto/Folhapress; Lula Marques/Agência PT; Beto Barata
/Fotoarena/Folhapress
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