Consultorias do ex-ministro teriam sido usadas para desviar R$ 100 milhões ao PT. Agentes da PF relacionam intermediação de petista à doação milionária à campanha de Dilma em 2010
Claudio Dantas Sequeira e Mário Simas Filho
A pedido da
Procuradoria Geral da República está em curso na Justiça Federal do
Paraná uma investigação sobre a participação do ex-ministro da Fazenda e
da Casa Civil, Antônio Palocci Filho, no esquema do Petrolão. Entre os
alvos principais do processo estão contratos feitos entre a Projeto –
consultoria financeira pertencente ao ex-ministro – e empresas que
fizeram direta ou indiretamente negócios com a Petrobras. Com base em
delações premiadas, documentos apreendidos e até na prestação de contas
feitas pelos partidos, procuradores e delegados da Operação Lava Jato
calculam que consultorias feitas por Palocci possam ter sido usadas para
desviar cerca de R$ 100 milhões do Petrolão para os cofres do PT.
“Vamos demonstrar que, assim como o ex-ministro José Dirceu, Palocci
trabalhou para favorecer grupos privados em contratos feitos com a
Petrobras e canalizou ao partido propinas obtidas a partir de recursos
desviados da estatal”, disse um dos procuradores na tarde da
quarta-feira 25.
Até a semana passada, os procuradores
observavam com lupa seis contratos da empresa de Palocci e nas próximas
semanas deverão recorrer ao juiz Sérgio Moro para que autorize a quebra
dos sigilos bancário e fiscal do ex-ministro. Os documentos e
depoimentos que mais têm despertado a atenção de delegados e
procuradores dizem respeito às relações do ex-ministro com a WTorre
Engenharia e com o Estaleiro Rio Grande. De acordo com os relatos feitos
por procuradores da Lava Jato, em 2006, após deixar o governo Lula
acusado de violar o sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos
Costa (leia quadro na pág. 38), Palocci teria intermediado a aquisição
do Estaleiro Rio Grande pela WTorre. Meses depois da negociação e sem
nenhuma expertise no setor naval, a empresa venceu uma concorrência para
arrendamento exclusivo do estaleiro à Petrobras. Em seguida, a estatal
fez uma encomenda para a construção de oito cascos de plataformas
marítimas, em um contrato de aproximadamente US$ 6,5 bilhões. “Não é
comum que uma empresa sem nenhum histórico no setor vença uma
concorrência bilionária”, afirma um dos procuradores da Lava Jato. Os
indícios encontrados pelo Ministério Público, porém, vão além do simples
estranhamento.
Investigações promovidas pela Operação Lava
Jato indicam que, por orientação de Palocci, o Estaleiro Rio Grande
buscou parcerias internacionais para poder cumprir o contrato com a
Petrobras. Uma das empresas procuradas para tanto foi a holandesa SBM,
já relacionada como uma das mais fortes pagadoras de propinas no esquema
do Petrolão. Os documentos em poder da Operação Lava Jato mostram que,
no início do ano passado, um ex-executivo da SBM, Jonathan Taylor,
procurou a Receita e o Ministério Público da Holanda e revelou que
empresa destinara US$ 102 milhões para o pagamento de propinas no
Brasil, em troca de contratos para o fornecimento de navios e
plataformas a Petrobras.
Passados quatro anos, a parceria do
Estaleiro Rio Grande com a SBM não se concretizou, embora o contrato
para o fornecimento dos oito cascos permanecesse em vigor. Com isso, a
Petrobras passou 48 meses sem receber os cascos contratados. Agora, os
procuradores investigam quais os pagamentos efetuados pela estatal ao
estaleiro durante esse período. “Temos informações de que o estaleiro
usou dinheiro pago pela estatal para investir em plataformas, mas não
entregou nada a Petrobras”, disse na sexta-feira 27 um dos agentes da PF
que atuam na Lava Jato. De acordo com dados preliminares obtidos pela
Lava Jato entre 2006 e 2010 a estatal teria repassado anualmente ao
Estaleiro Rio Grande cerca de R$ 25 milhões.
Em 2010, meses antes de assumir a
coordenação de campanha presidencial de Dilma Rousseff, Palocci e sua
consultoria voltaram a operar em favor do estaleiro. O ex-ministro,
segundo os procuradores da Lava Jato, trabalhou ativamente na venda do
Estaleiro Rio Grande da WTorre para a Engevix – outra empreiteira já
envolvida no Petrolão – em parceria com o Funcef, o fundo de pensão dos
servidores da Caixa Econômica Federal. Um dos interlocutores de Palocci
na negociação foi o vice-presidente da Engevix, Gerson de Mello Almada,
atualmente preso na sede da Polícia Federal em Curitiba, apontado pelo
Ministério Público como um dos principais corruptores do Petrolão.
Depois de comprar o estaleiro, a Engevix obteve da Petrobras um contrato
de US$ 2,3 bilhões para a construção de três navios sonda. Em janeiro
desse ano, Almada admitiu aos procuradores da Lava Jato que fez
pagamentos de propinas a “agentes da Petrobras” para que pudesse ganhar
os contratos e na semana passada, o empresário manifestou o interesse de
aderir à delação premiada. Para que seja feito o acordo, porém, o
Ministério Público Federal vem insistindo para que o empreiteiro revele
detalhes do envolvimento de Palocci e sua empresa na venda do estaleiro.
Como boa parte dos contratos de consultoria permite o sigilo, caso o
vice-presidente da Engevix não colabore, os procuradores não descartam a
possibilidade de recorrer ao Judiciário para obter cópia da
documentação.
PROPINODUTO
Ex-gerente da Petrobras, Pedro Barusco afirmou que a construção de navios-sonda,
cujo negócio teria sido intermediado por Palocci, envolveu o pagamento de
R$ 60 milhões em propina, sendo R$ 40 milhões para o PT
Com a quebra do sigilo bancário de Palocci,
os procuradores da Lava Jato esperam checar informações já passadas por
Almada e descobrir se houve ou não a participação do ex-ministro na
elaboração do contrato de US$ 2,3 bilhões com Petrobras. Em delação
premiada, o ex-gerente de serviços da estatal, Pedro Barusco, afirmou
que esse negócio envolveu o pagamento de R$ 60 milhões em propinas, dos
quais R$ 40 milhões teriam abastecido os cofres do PT. “Temos indícios
de que durante anos o Estaleiro Rio Grande serviu como um poderoso braço
para canalizar propinas do Petrolão e que essa parte do esquema seria
comandada pelo ex-ministro Palocci”, disse um dos procuradores na manhã
da quinta-feira 26.
Ao aprofundar as investigações sobre as
relações de Palocci com o Estaleiro Rio Grande, os procuradores e
delegados da Operação Lava Jato confirmaram importantes revelações
feitas pelos maiores delatores do Petrolão e nas últimas duas semanas
começam a traçar a participação do ex-ministro em uma ligação direta
entre o propinoduto da Petrobras e recursos para a campanha eleitoral de
2010. Em um de seus depoimentos, o ex-diretor de Abastecimento da
Petrobras, Paulo Roberto Costa, assegura que Palocci teria pedido e
intermediado a remessa de R$ 2 milhões para a primeira campanha
presidencial de Dilma Rousseff. Na semana passada, ao analisarem a
prestação de contas do PT, agentes da Polícia Federal identificaram uma
doação oficial de R$ 2 milhões feita pela WTorre Engenharia ao diretório
nacional do partido. O dinheiro, segundo os documentos, foi entregue em
duas parcelas de R$ 1 milhão. “É muito provável que essa doação esteja
ligada a venda do Estaleiro Rio Grande da WTorre para a Engevix”, afirma
um dos procuradores.
O negócio intermediado por Palocci
movimentou R$ 410 milhões e foi concluído dois meses antes do primeiro
repasse de R$ 1 milhão feito ao comitê financeiro nacional do PT, em 24
de agosto de 2010. O outro R$ 1 milhão caiu na conta do comitê em 10 de
setembro. Para a WTorre, a venda do estaleiro foi um excelente negócio. A
empresa declara ter investido cerca de R$ 170 milhões nos quatro anos
em que esteve à frente das operações e vendeu o empreendimento por R$
410 milhões. A Engevix também se deu bem, pois assumiu o estaleiro com
uma encomenda de mais de US$ 2 bilhões e ainda assinou outro contrato
com a Sete Brasil para o fornecimento de plataformas à petrolífera
brasileira. Para a Petrobras, o negócio significou um prejuízo, segundo
os procuradores da Lava Jato, ainda não calculado. O atraso na entrega
das plataformas consumiu o período de 10 anos que a estatal tinha de
exclusividade sobre o estaleiro e ainda a obrigou a encomendar novas
plataformas da China para atender sua demanda. Além do Estaleiro Rio
Grande, o ERG 1, entrou no pacote da Engevix o direito de exploração das
áreas adjacentes, batizadas de ERG 2 e ERG 3.
Longe das plataformas marítimas, mas também
pelas mãos de Palocci, segundo os procuradores da Lava Jato, a WTorre
teria conseguido um outro negócio exclusivo e bilionário com a
Petrobras. Com um investimento de aproximadamente R$ 600 milhões, a
construtora ergueu no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, um moderno
complexo de quatro edifícios envidraçados e, sem que houvesse qualquer
tipo de licitação, assinou um contrato de locação com a estatal válido
até 2039 pelo valor de R$ 100 milhões, reajustáveis anualmente. Os
prédios e o contrato de locação deveriam dar lastros para a criação de
um fundo imobiliário com o qual a empresa previa obter R$ 1,2 bilhão no
mercado. Com tantas construtoras no País chama a atenção dos
procuradores o fato de que a Petrobras, para locar uma nova sede no Rio
de Janeiro, tenha optado justamente por aquela que tinha Palocci como
consultor.
Também pesam contra o ex-poderoso ministro
de Lula e de Dilma Rousseff as delações feitas pelo doleiro Alberto
Youseff e o testemunho de empresários da Camargo Corrêa que colocaram o
setor energético na mira da Operação Lava Jato. Os procuradores tentam
detalhar a participação de Palocci em favor da CPFL, a maior
distribuidora de energia elétrica do País, que tem a Camargo Corrêa como
principal acionista privado. O ex-ministro teria atuado junto à Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para conseguir a aprovação de uma
norma que liberou o uso de medidores de energia inteligentes para redes
de alta tensão, como indústrias. Com a licença, a empresa conseguiu
instalar os medidores em 25 mil unidades de consumo de oito
distribuidoras em São Paulo e na Região Sul, num negócio que envolveu
cerca de R$ 215 milhões. Os equipamentos garantiram privilégios à
companhia como maior eficiência energética, com redução de perdas e
economia na manutenção. A Companhia também teria obtido posteriormente,
com auxílio do consultor, autorização do Ministério de Minas e Energia
de projetos eólicos de sua subsidiária CPFL Energias Renováveis. Os
procuradores querem saber se houve alguma contrapartida financeira da
Camargo Corrêa ao PT em troca da ação de Palocci na Aneel. “Há indícios
de que Palocci seja um dos principais elos entre os empresários
envolvidos no Petrolão e o PT”, afirma um dos procuradores. Em delação
premiada, o doleiro Youseff, principal operador do esquema, revelou que
de fato era o ex-ministro Palocci o contato do partido com o empresário
Júlio Camargo, da Toyo Setal. A empresa tem cerca de R$ 4 bilhões em
contratos com a Petrobras e Camargo já fez várias delações. “Estamos
finalizando alguns cruzamentos de dados para definir melhor a suposta
participação do ex-ministro nos esquemas ligados à área energética”,
afirmou um dos procuradores.
Há ainda uma equipe da Operação Lava Jato
que analisa a atuação parlamentar de Palocci, a partir de 2007, quando
já trabalhava paralelamente como consultor. O então deputado petista
teve papel destacado em todos os projetos relacionados a Petrobras que
foram à votação na Câmara. Palocci foi o primeiro relator do polêmico
projeto de capitalização da estatal e também nos projetos que instituiu o
modelo de partilha para exploração do pré-sal, criou o Fundo Social e a
empresa pública Pré-sal Petróleo S.A. (PPSA). Com o primeiro, aprovado
depois de longa discussão no Congresso, o governo Dilma conseguiu
injetar na estatal mais de R$ 120 bilhões, sendo que R$ 74,8 bilhões
saíram do BNDES. Como não tem foro privilegiado, toda a investigação que
envolve o ex-ministro será acompanhada pela Justiça Federal no Paraná e
caberá ao juiz Sérgio Moro a palavra final sobre os próximos passos a
serem dados pelos procuradores e delegados da Lava Jato.
Na tarde da sexta-feira 27, por intermédio
de seu advogado, José Roberto Batochio, o ex-ministro informou que seu
relacionamento com a WTorre se restringe a palestras proferidas ao corpo
diretivo da empresa. Palocci também afirmou que nunca teve contato e
desconhece a existência da Engevix e que jamais foi contratado pela CPFL
para qualquer assunto. A WTorre informou que desconhece qualquer
investigação e que nunca utilizou a intermediação do ex-ministro em seus
negócios. Sobre o estaleiro, a empresa afirma que em 2006 participou de
concorrência organizada pela Rio Bravo Investimentos S/A DTVM,
administradora de um Fundo de Investimento Imobiliário que tinha o
objetivo de construir um estaleiro que seria alugado posteriormente para
a Petrobas. “A WTorre venceu a concorrência, construiu e entregou o
estaleiro para o Fundo Imobiliário. A Petrobras tinha a prerrogativa de
devolver o estaleiro ao cabo de um período de 10 anos de uso. Foi este
direito que a WTorre vendeu para a Engevix”, registra a nota encaminhada
pela empresa. Sobre as doações para a campanha de Dilma, a empresa
afirma que fez tudo de acordo com a legislação.
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