Enquanto os escândalos se sucedem, a presidente se isola com conselheiros palacianos, é tutelada por Lula e se mostra incapaz de fazer o governo andar
Izabelle Torres (izabelle@istoe.com.br)
A sequência de
acontecimentos é avassaladora. Na tarde do domingo 15, dois milhões de
brasileiros vãos às ruas gritar contra a presidente Dilma Rousseff. Na
noite do mesmo dia, os ministros José Eduardo Cardozo e Miguel Rossetto,
desalinhados nas roupas e desorientados nas ideias, rechaçam os
protestos, enquanto as cidades clamam em mais um ruidoso panelaço. Na
segunda-feira 16, Dilma faz um pronunciamento sobre as manifestações e
ninguém, nem seu séquito, parece dar bola para o que ela diz. Ao
contrário: enquanto a presidente fala, ouve-se panelaços em várias
cidades do País. Na terça-feira 17, ela é informada que o escudeiro José
Dirceu recebeu uma fortuna, em supostos serviços de consultoria, de
empresas investigadas pela Operação Lava Jato. Também no dia 17, surge
um documento atribuído ao ministro da Comunicação Social, Thomas
Traumann, que espezinha o governo. Na quarta-feira 18, a rainha Dilma
descobre que os súditos estão insatisfeitos. Segundo pesquisa do
Instituto Datafolha, seus índices de rejeição estão próximos aos do
ex-presidente Fernando Collor às vésperas do impeachment – palavra que,
aqui e ali, começa a circular no País. Na quinta-feira 19, o ex-diretor
da Petrobras Renato Duque depõe na CPI que apura malfeitos na estatal e
que deve trazer elementos para incriminar gente graúda do PT, o partido
da presidente. Na sexta-feira 20, o dólar dispara, a Bolsa cai e alguém
revela que o desemprego avança. No sábado, o que virá? E no domingo? O
que a nação descobrirá nos próximos dias? O que as semanas reservam ao
País? Onde isso tudo vai parar?
Mergulhada na mais grave crise política do
Brasil desde a queda de Collor, em 1992, a presidente Dilma está
encastelada em um palácio que parece prestes a desmoronar. A presidente
reage tibiamente. Não faz movimentos consistentes. Não toma uma decisão
capaz de reverter – ou, pelo menos, estancar – o ciclo de escândalos. É
uma rainha à procura da coroa perdida. Em um artigo publicado no jornal O
Estado de S. Paulo, o professor da USP Oliveiros Ferreira compara a
presidente ao monarca Luís XIV. Foi ele quem disse “LÉtat cést moi” (“o
Estado sou eu”). Por mais que comparações desse tipo sejam imprecisas,
Dilma tem agido como se fosse a encarnação de uma soberana
auto-suficiente, indiferente aos caos generalizado, incapaz de expressar
um gesto qualquer de humildade, de lançar um movimento, de propor uma
ação que traga alguma boa nova ao País. Oliveiros faz referências à
política externa do governo brasileiro, política essa expressa nas
inclinações pessoais da presidente e não nos interesses do Brasil.
“LÉtat cést moi” diria uma Dilma confiante de seus propósitos. O País
vai mal e a rainha encastelada não ceifa ministérios (em tempos de
ajuste de contas, seria simbólico e altamente positivo enxugar a
máquina), não assume os erros na condução da política econômica, não
corta a corrupção pela raiz (até quando ela vai poupar antigos
aliados?). Faz, enfim, apenas o que lhe convém – e não o que é
necessário para tirar o Brasil do marasmo.
Na terça-feira 17, Dilma se encontrou com o
rei sem trono, o ex-presidente Lula, e foi informada que o isolamento
cada vez maior pode ser perigoso para a sobrevivência dela e do próprio
PT. “Se não tem verba, use o verbo”, disse Lula, sem paciência, ao ouvir
a ladainha da falta de recursos e convicto de que é preciso melhorar a
comunicação do governo. Lula fez lembrar a frase de Maria Antonieta. Ao
ouvir de um cocheiro que o povo não tinha o que comer, a consorte da
França saiu-se com um “se não têm pão, que comam brioches.” Para ficar
no campo da realeza, há alguns dias o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso disse que “o rei está nu”, numa alusão às feridas escancaradas
do governo. FHC tem lançado artilharia pesada. Falou que Dilma precisa
vestir as sandálias da humildade e que a presidente “está perdendo as
condições políticas de governar.” O tiroteio vem de todos os lados. Na
semana passada, o senador João Capiberibe (PSB-AP) afirmou que o Brasil
vive “uma cleptocracia.”
Desde que se elegeu para o segundo mandato,
a presidente tem evitado o diálogo com a sociedade. Nesse período,
escalou ministros para pronunciamentos vazios, deu respostas confusas
sobre os temas que preocupam o País e, nos jantares forçados com
aliados, fez promessas de aproximação que se desfizeram nos dias
seguintes. Mesmo quando decidiu sair da clausura, fez isso de forma
atabalhoada. Na quarta-feira, 18, escalou sua equipe para o lançamento
do pacote anticorrupção prometido como resposta às manifestações. Com
uma plateia repleta de assessores dispostos a aplaudir os discursos, o
clima estava artificialmente favorável, embora o pacote não tenha
trazido nenhuma novidade. É formado basicamente por projetos que já
tramitavam no Congresso e outros discutidos há anos, como a Lei
Anticorrupção, que prevê a punição de empresas envolvidas em práticas
relacionadas ao desvio de recursos. A norma esperou na mesa de Dilma
quase dois anos por regulamentação. Na semana passada, circularam na
internet reportagens sobre o pacote anticorrupção lançado, repare bem,
pelo governo Lula, em 2005. É praticamente a mesma coisa que foi
proposta por Dilma. Uma década passou e o PT não atualizou suas ideias.
Antes de ser apresentado ao País, o pacote
foi entregue aos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do
Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ambos investigados, repare bem
novamente, por envolvimento na Operação Lava Jato. Para confirmar que o
governo se tornou refém desses políticos, uma reunião na véspera do
lançamento do pacote levou o ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, a
detalhar as propostas para um público especial. Cardozo defendeu os
pontos do pacote para parlamentares como Fernando Collor de Mello
(PTB-AL), Benedito de Lyra (PP-AL) e Humberto Costa (PT-PE). Detalhe
interessante: todos eles foram citados nas delações premiadas dos
acusados de operar os desvios de recursos da Petrobras.
Alheios ao constrangimento de precisar
submeter-se aos investigados, Dilma e seus ministros comemoraram o
lançamento do pacote. “Acho que esse quadro de rejeição e queda de
popularidade é reversível”, disse, como se estivesse alheio à realidade,
o secretário-geral da Presidência, Miguel Rossetto. O clima de otimismo
durou pouco. Uma crise política repentina ofuscou a agenda positiva
que ela tentou criar. Enquanto os ministros se reuniam em seus gabinetes
para avaliar a repercussão das propostas, o então ministro da Educação,
Cid Gomes, fazia uma lambança na Câmara dos Deputados (leia reportagem à
pág 54).
Para colocar ainda mais obstáculos ao
reinado dilmista, partidos de oposição apresentaram na semana passada um
pedido de reconsideração ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF),
Teori Zavascki, para que analise a possibilidade de a presidente ser
incluída no rol de investigados da Operação Lava Jato. Embora tenha sido
mencionada em depoimentos dos delatores Paulo Roberto Costa e Alberto
Youssef, Dilma foi retirada da investigação pelo procurador-geral
Rodrigo Janot. Zavascki afirmou que encaminhará o pedido ao Ministério
Público Federal. Ilhada, a presidente tenta reagir, mas deixa evidente
sua fragilidade e dependência do Congresso, que parece dedicado a lhe
ser cada vez mais hostil. Dilma não tem sossego. Na quinta-feira 19, uma
proposta aprovada no TCU (Tribunal de Contas da União) poderá levar a
presidente a se tornar alvo de ações de fiscalização do órgão que apura
desvios na Petrobras. Se isso acontecer, será a abertura das portas do
inferno. A decisão permite que Dilma seja investigada, multada e tenha
bens bloqueados. Mas isso é coisa da semana passada. Na próxima
segunda-feira, na terça, na quarta e nos muitos dias à frente, Dilma
provavelmente estará enredada em novos e escabrosos episódios. A rainha
precisa sair de seu castelo.
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