As operações nada nobres e a vida imperial de Renato Duque, o ex-diretor da Petrobras que fez fortuna ao alimentar o PT com milhões de reais desviados da estatal
Josie Jeronimo (josie@istoe.com.br)
“Se o senhor é o
duque, quem é o rei?” O questionamento foi feito pelo deputado Altineu
Côrtes (PR-RJ) ao ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque
durante sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a
rede de corrupção instalada dentro da maior estatal brasileira. Preso
pela Polícia Federal (PF) na segunda-feira 16, o ex-funcionário da
petrolífera prestou depoimento à CPI três dias depois. A PF prendeu
Duque após a inteligência da instituição descobrir que ele tentou
movimentar mais de 20 milhões de euros de uma conta da Suíça para vários
países, entre eles o Principado de Mônaco – não poderia haver, afinal,
lugar mais apropriado para um duque. Na comissão, o ex-diretor não
revelou quem é o monarca supremo nem respondeu às outras perguntas dos
parlamentares. Pelo menos momentaneamente, o silêncio confortou as
hierarquias do Palácio do Planalto e do PT. Se confirmasse o teor da
denúncia do Ministério Público Federal (MPF) sobre o aparelhamento da
Petrobras por uma quadrilha, o reinado petista sofreria abalos
irremediáveis.
Segundo os investigadores da Operação Lava
Jato, a rede de corrupção era integrada por parlamentares, empreiteiros e
diretores da Petrobras. Em depoimentos prestados em regime de delação
premiada, executivos e donos de empreiteiras revelaram como funcionava a
complexa engrenagem montada para capitalizar as empresas e abastecer os
cofres de partidos políticos e funcionários corruptos. Duque,
ironicamente chamado de “nobre” pelos empreiteiros do cartel, negociava o
montante de propina para os petistas. Nesse sentido, as declarações de
Augusto Mendonça, do Grupo Setal, forneceram valiosas informações para o
Ministério Público.
Documentos obtidos com exclusividade por
ISTOÉ revelam o funcionamento detalhado do esquema que chegou ao topo do
PT. Um caso narrado por Mendonça e acontecido na área de influência de
Duque balizou a denúncia do MPF. A máquina montada para desviar dinheiro
público se sustenta com o aumento ilegal dos custos das obras da
Petrobras. O pagamento de serviços fantasmas era legalizado por notas
fiscais de empresas de fachada. Mendonça relata que os aditivos
fictícios na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), em Araucária
(PR), renderam R$ 111,7 milhões a seu grupo de empresas. Desse montante,
R$ 4,26 milhões foram repassados como doação oficial de campanha para
diretórios do PT, por meio de 24 transferências financeiras realizadas
entre outubro de 2008 e março de 2012. O dono do grupo Setal – que reúne
as empresas PEM Engenharia, Projetec e SOG Óleo e Gás – apresentou
comprovantes e datas destas movimentações financeiras. O contrato da
Repar recebeu 32 aditivos, de acordo com o sistema de monitoramento da
Petrobras.
Depois de sucessivos avisos sobre essas
irregularidades, o Tribunal de Contas da União (TCU) incluiu a Repar na
lista dos empreendimentos irregulares e recomendou que o Congresso – na
votação da Lei orçamentária de 2010 – bloqueasse a liberação de recursos
públicos para o projeto. O Legislativo avaliou que as denúncias contra a
Repar eram graves e suspendeu o pagamento. Mas o então presidente Luiz
Inácio Lula da Silva vetou o texto da lei orçamentária que bloqueava
repasses para obras da refinaria. O veto foi publicado no Diário Oficial
da União no dia 27 de janeiro de 2010. No mesmo dia, o Diretório
Nacional do PT foi contemplado com uma transferência de R$ 350 mil da
SOG Óleo e Gás, uma das beneficiárias da obra. Na ocasião, Lula – uma
espécie de imperador dos petistas – justificou o veto como uma medida
para evitar milhares de desempregos. Mendonça afirma ter pago a propina
em troca de favorecimentos de suas empresas em obras da Repar. O
contrato com a companhia foi firmado em julho de 2008. A primeira
parcela, de R$ 100 mil, caiu na conta do diretório do PT na Bahia três
meses depois.
De acordo com os depoimentos dos delatores,
os números das contas beneficiadas com os depósitos eram fornecidos
pelo tesoureiro do PT, João Vaccari. A utilização do caixa de campanha
para mascarar a propina obtida com contratos superfaturados da Petrobras
já havia sido mencionada por outros réus colaboradores, conforme
revelou ISTOÉ em sua edição de 21 de novembro de 2014. O papel de Renato
Duque e Vaccari na rede de corrupção também foi mencionado pelos
executivos Shinko Nakandakari (consultor da Galvão Engenharia), Eduardo
Leite (vice-presidente da Camargo Corrêa), e Mário Góes (UTC, OAS,
Mendes Junior, Andrade Gutierrez e Schain).
O dinheiro que Duque tentou movimentar no
fim do ano passado em Mônaco compõe apenas uma parte dos R$ 311 milhões
em propina que ele abocanhou com o esquema, segundo a Operação Lava
Jato. Relatórios do MP elaborados a partir dos depoimentos de delação
apontam que, entre 2003 a 2012, quando Duque deixou a Petrobras, ele
angariou R$ 1,5 bilhão de empreiteiras. Desse total, quase US$ 200
milhões recolhidos por Vaccari foram diretamente para o Partido dos
Trabalhadores. Nos depoimentos dos delatores, o tesoureiro e Renato
Duque aparecem como a dupla responsável por angariar e recolher a cota
de propina que caberia ao PT.
O empreiteiro do Grupo Setal contou ainda
que foi procurado por Duque no início de julho de 2010 e o ex-diretor
pediu que ele se encontrasse com Vaccari para depositar R$ 500 mil em
benefício do PT. De acordo com Augusto Mendonça, cinco transferências de
R$ 100 mil foram realizadas em 7 de julho de 2010 no CNPJ do Diretório
Nacional. Os recursos seriam “deduzidos do percentual das vantagens
indevidas da Diretoria de Serviços da Petrobras em decorrência da obra
da Repar”, conforme denúncia do MP. O episódio mostra, no entanto, que o
PT já contava com a doação antes mesmo de receber o dinheiro. Na
prestação de contas do partido, as transferências de R$ 100 mil foram
lançadas no dia 28 de junho de 2010, nove dias antes da data informada
pelo empreiteiro à força tarefa da Lava Jato.
O Ministério Público identificou pelo menos
10 das 24 doações partidárias feitas com o objetivo de disfarçar o
pagamento de propinas. Esses repasses intermediados por Duque e Vaccari
foram realizados para o Diretório Nacional do PT em 2010, ano da disputa
eleitoral que consagrou Dilma Rousseff presidente da República. A
análise de recibos de transferências para o PT apresentados por Augusto
Mendonça abriu uma nova frente de investigação para a Lava Jato. Os
procuradores vão cruzar documentos entregues pelos empreiteiros que
fizeram delação premiada com a prestação de contas do partido na Justiça
Eleitoral. Na terça-feira 17, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi
oficiado pelo Ministério Público a entregar “em formato eletrônico
pesquisável todas as doações feitas ao Partido dos Trabalhadores desde
2008.” Inconsistências na prestação de contas de Dilma foram encontradas
por técnicos do TSE, em dezembro de 2014. Durante o julgamento das
contas, os profissionais que elaboraram o relatório deram parecer pela
rejeição. Os técnicos apontaram irregularidades em 9% dos documentos
apresentados para comprovar a arrecadação de R$ 350 milhões e em 14% das
notas fiscais de despesas.
Pelo menos por enquanto, a força tarefa da
Lava Jato não tem contado com a colaboração do ex-diretor da Petrobras.
Ele resiste às investidas do Ministério Público, não compromete ninguém e
alega inocência. Se for julgado culpado pelos crimes de corrupção e
lavagem de dinheiro, segundo a denúncia do MP, será condenado a, no
mínimo, 30 anos de prisão. As negativas de colaboração com a Justiça
colocam a família de Duque no olho do furacão. Em um dos poucos momentos
em que soltou a voz na sessão da CPI, foi para negar que sua esposa,
Maria Auxiliadora Tibúrcio, tenha procurado o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva com o objetivo de pedir ajuda para um habeas corpus que
tirasse o marido da cadeia na primeira vez em que foi preso, em novembro
de 2014.
O filho do ex-diretor, Daniel Duque, também
entrou no radar das investigações da CPI. A deputada Elisiane Gama
(PPS-MA) questionou a participação de Daniel na empreiteira Technip.
Entre 2011 e 2012, ele trabalhou na sede da empresa no Texas, nos
Estados Unidos, e na subsidiária brasileira de 2012 a 2014. A Technip
tem parcerias com a holandesa SBM Offshore, acusada de pagar US$ 240
milhões em propina a funcionários da Petrobras para obter contratos. Um
consórcio integrado pela Technip ganhou, em 2011, a concorrência para um
contrato de US$ 1 bilhão de frete e operação de navios que estão sendo
construídos na Coreia do Sul.
Antes de ser preso, Duque recebeu valiosa
ajuda da família na montagem de uma grande operação para eliminar
provas. Além da tentativa de esvaziar as contas da Suíça, eles limparam
as gavetas. Um vizinho do ex-diretor relata que, um dia antes de ser
novamente preso, muita coisa foi retirada do apartamento dele, na Barra
da Tijuca, no Rio de Janeiro, e levada para a casa do filho, no prédio
ao lado. De acordo com o relato dos moradores, foram feitas cerca de 20
viagens de carro, do prédio de Renato Duque para o do filho. Os dois
imóveis são colados, parede com parede. “Chegava a ser engraçado”,
afirma o vizinho. “O carro, todo fechado e com vidro escuro, saía de
frente da garagem do Duque e entrava de ré na garagem ao lado. Depois
fazia o caminho inverso.”
Capitalizado com dinheiro ilícito, Duque
levou um estilo de vida incompatível com a renda de um diretor da
Petrobras. Em sua cobertura duplex na Barra da Tijuca, nobre endereço da
zona sul do Rio, a Polícia Federal apreendeu 131 obras de arte. Foram
encontrados trabalhos supostamente assinados por artistas como Miró,
Djanira, Heitor dos Prazeres, Agostinho Batista de Freitas, Antonio
Poteiro, Carybé, Yara Tupynamb e Guignard. O expressivo número de obras
pode ser um indício de lavagem de dinheiro. Segundo especialistas, esse é
um artifício utilizado por criminosos do mundo inteiro. A questão é
saber da autenticidade dos quadros e dimensionar o número de gravuras
(que custam, no mercado, no máximo R$ 10 mil) e de pinturas a óleo (um
Miró genuíno pode chegar a valer R$ 5 milhões). Por ora, é impossível
calcular o valor do acervo. “Pelo que vi nos jornais, o material
apreendido só serve para enxaguar e não para lavar dinheiro”, diz o
marchand e diretor da Pinakotheke Cultural, Max Perlingeiro.
Duque era rei no prédio onde morava. Dos
quatro andares do edifício, três pertencem à sua família. Em número
menor, os outros moradores não tinham voz ativa nas decisões do
condomínio. Segundo um vizinho, a reforma da cobertura do imperador da
Petrobras começou de forma ilegal e só foi regularizada depois que mais
de R$ 800 mil foram pagos à Prefeitura do Rio.
O que mais surpreendeu os agentes da
Polícia Federal foi a descoberta, na segunda-feira 16, de um cômodo
secreto, uma espécie de bunker, dentro do closet do quarto de casal. A
primeira porta, por detrás do forro, é aberta apenas quando um ponto
específico do armário é pressionado. Depois, surge uma segunda porta,
operada por controle remoto, que dá acesso, enfim, ao espaço de
aproximadamente seis metros quadrados, com iluminação e ventilação
independentes do resto do apartamento. Lá dentro, os policiais
encontraram documentos, relógios e joias.
(Colaboraram Helena Borges e Eliane Lobato)
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