Quem são os jovens, casais e famílias que estão abandonando o País e se mudando para o Exterior, acuados pela recessão econômica e a violência e revoltados com a corrupção
Fabíola Perez (fabiola.perez@istoe.com.br)
A família do
publicitário Dijan de Barros Rosa, de 38 anos, não via a hora de
embarcar para Vancouver, no Canadá, em janeiro deste ano. Mas, ao
contrário da maioria dos brasileiros que viajam para esse país de
férias, a aventura de Dijan, sua mulher Ana, 36, e as filhas Eduarda, 12
e Helena, 10, tinha data para começar, mas não para acabar. De mala nas
mãos, eles abandonaram a cidade em que viviam, São Paulo, tudo o que
haviam construído e partiram para uma nova vida. O fator que impulsionou
a emigração foi um estado de insatisfação geral. “Viemos por conta da
situação atual do País. Eu não tinha segurança de sair de casa sem saber
se seríamos assaltados”, diz o publicitário. Gerente de vendas de uma
indústria de tintas nos últimos cinco anos, ele pediu demissão, mesmo
recebendo um bom salário, e arriscou tudo para dar um futuro melhor para
as filhas. “Decidi investir na qualidade de vida da minha família.”
Assim como Rosa, muitos brasileiros estão deixando sua terra natal em
busca de um cenário mais promissor. São jovens profissionais, casais e
famílias acuados diante da recessão econômica, dos índices de
criminalidade elevados e do alto custo de vida e desiludidos com os
infindáveis escândalos de corrupção.
Segundo dados da Receita Federal, entre
2011 e 2015 houve um aumento de 67% no total de Declarações de Saída
Definitiva do País, o documento apresentado ao Fisco por quem emigra. Em
2011, a Receita recebeu 7.956 declarações. No ano passado, foram
13.288, o que representou um crescimento de 14,7% de 2013 a 2014. Apesar
de expressivo, esse número é apenas uma amostra da emigração real de
brasileiros. “Para cada um que sai legalmente, há outro que não prestou
contas para a Receita”, diz Gilberto Braga, professor de Finanças do
Ibmec do Rio de Janeiro. O índice reflete, no entanto, a saída de uma
elite financeira e cultural, pessoas com bom nível econômico e
profissional, que não precisam emigrar ilegalmente. “Está crescendo o
contingente de gente qualificada que sai do País. Isso é uma perda
inestimável para o Brasil, pois estamos deixando sair profissionais que
estudaram e se formaram aqui”, diz Braga. “E estamos doando essa
qualificação para nações estrangeiras.”
De olho nesse movimento, vários países têm
investido em programas que estimulam a emigração de profissionais
brasileiros. Em março, representantes do governo de Quebec, no Canadá,
passaram por sete cidades do Brasil para divulgar oportunidades de
emprego a candidatos da área de tecnologia da informação e com francês
fluente. O país, aliás, tem sido um dos mais buscados por brasileiros
que querem emigrar, segundo especialistas. “A procura por imigração para
o Canadá cresceu muito. Em 2014, ajudamos 12 famílias a se mudarem para
lá. Neste ano já foram 23 só até julho”, diz Ana Laura Mesquita,
proprietária da agência “Canadá Intercâmbio” em São Paulo e Campinas. “O
Canadá é um país velho, que precisa de mão de obra jovem, por isso as
famílias têm uma boa receptividade.” Ao se inscrever em um dos programas
de imigração do governo canadense, no entanto, o candidato será
avaliado em uma série de quesitos, como idade, formação acadêmica,
experiência profissional e fluência em inglês ou francês. “Profissionais
de administração, marketing, engenharia de alimentos, engenharia
ambiental e TI têm mais chances de serem chamados”, diz a especialista.
Outro local que também precisa de mão de
obra qualificada e estimula a entrada de estrangeiros é a Austrália. De
acordo com Vinicius Barreto, diretor da agência Australian Centre, a
procura por vistos de imigração para o país aumentou no último ano. “Há
mais pessoas interessadas e o perfil de candidatos é bem variado”, diz
Barreto. O especialista ressalta, contudo, que, assim como no Canadá,
são mais bem sucedidos aqueles que trabalham nas áreas de engenharia ou
TI. “A Austrália tem carência de profissionais desses segmentos.” Já os
Estados Unidos, país desejo de muitos brasileiros, apresentam algumas
restrições para imigração. Mesmo assim, o número de pessoas do País que
decidem investir por lá está crescendo. “O visto mais utilizado pelos
estrangeiros que querem emigrar é o de investidor. Para obtê-lo, é
preciso fazer um investimento de, no mínimo, US$ 500 mil, e a compra de
imóveis não vale, pois não é uma atividade que gera empregos”, afirma
Daniel Rosenthal, diretor da feira de negócios Investir USA Expo. Entre
os perfis de brasileiros que desejam emigrar para lá, ele ressalta os
casais jovens, com ou sem filhos. “São pessoas que estão numa condição
profissional boa e querem um futuro melhor para os filhos porque
desacreditaram do Brasil.”
A falta de perspectivas é o grande
motivador desses novos emigrantes. “Recentemente, fatores ruins ganharam
força. Vemos o fechamento de atividades econômicas, a desilusão em
relação ao País e um pessimismo generalizado”, diz Braga. “As pessoas
têm a sensação de que o Brasil não tem jeito e de que as coisas não se
ajustarão.” O cenário de desemprego crescente, os escândalos de
corrupção, o mau desempenho econômico, a inflação ascendente e as altas
de impostos e no preço de serviços básicos estão sufocando os
brasileiros. Frente a isso, empresários e profissionais estabelecidos no
País procuram alternativas melhores no exterior. “Pessoas que já
acumularam riqueza na vida útil estão saindo do País por se sentirem
indignadas com os rumos da política e da economia”, diz Otto Nogami,
economista do Insper, instituto de ensino e pesquisa, em São Paulo.
“Elas se sentem ultrajadas pelo fato de o governo recolher impostos
altos e não reverter em benefícios”, completa. “Há um momento de ressaca
física que leva à decisão de sair do País”, diz Braga.
Nesse cenário, empreender parece ainda mais
difícil. “Há uma dificuldade de abrir o próprio negócio no País. A
legislação é complexa e a estrutura tributária mais ainda, o que acaba
desestimulando a iniciativa privada”, diz Braga. É por esse motivo que
os recém-casados Alexandre Gala, 25 anos, e Fernanda Gala, 23, planejam
sair do Brasil. Em setembro eles embarcam para Miami, nos EUA, onde
pretendem abrir um negócio na área de alimentação. “Por mais que eu
tenha uma situação favorável no Brasil, tenho uma insatisfação”, diz
Alexandre. “Fiz um comparativo e vi que nos EUA eles incentivam mais o
empreendedor. No Brasil seria muito diferente, tem muita burocracia.”
Para ele, além dos obstáculos para empreender, pesaram na balança também
os índices ruins da economia. “As pessoas aqui estão endividadas. Se eu
tivesse casado há dois anos, talvez estivesse nessa situação também.”
Em época de mau desempenho econômico e
contenção de despesas, as empresas evitam fazer novas contratações, o
que afeta especialmente os jovens profissionais. “A falta de
oportunidade de emprego é um fator determinante para a mudança de país,
sobretudo para os mais novos. As vagas aqui estão muito disputadas e a
remuneração média lá fora é superior”, diz Braga. A busca por melhores
chances de estudo e trabalho foi o que motivou o paulistano Vinicius
Ponce de França Gomes, de 21 anos, a se mudar para Paris em 2014. “Antes
de vir para a França eu era estagiário em São Paulo, mas não fui
efetivado. Cheguei a trabalhar em um cartório, fazia hora extra, mas no
fim do mês sobrava muito pouco”, diz Gomes. Sem dinheiro para bancar uma
universidade particular ou um cursinho preparatório, ele decidiu deixar
o País. “Eu tenho uma tia na França e cidadania portuguesa, o que
ajudou no processo de mudança”, diz. No ano passado, Gomes frequentou
aulas de francês bancadas pelo governo de lá. Agora está fazendo um
estágio e em breve será contratado por uma multinacional que promete
financiar parte de seus estudos. “No Brasil, eu não estava motivado a
continuar estudando. Aqui, consegui dar sequência à minha educação e
tenho a oportunidade de construir uma carreira”, afirma. “Tive que
começar do zero, deixar muitas coisas de lado, porém não me arrependo de
nada. Fora do Brasil você consegue viver e não apenas sobreviver.”
A taxa de saídas definitivas do País pode
aumentar ainda mais por causa do cenário de demissões recentes e das
dificuldades para conseguir uma recolocação profissional. Os últimos
números divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) apontam que a taxa de desemprego no Brasil ficou em 7,5% em
julho. Apenas na Grande São Paulo, 13,2% das pessoas em idade
economicamente ativa está sem trabalho. Trata-se do maior índice para o
mês de junho desde 2009, segundo pesquisa da Fundação Seade e do Dieese.
O engenheiro civil Rodrigo Farah, 35, foi um dos prejudicados pelos
cortes na iniciativa privada. Em setembro de 2014 ele foi desligado da
companhia onde trabalhava e não conseguiu se recolocar. Por conta do
desemprego e do descontentamento geral com o País, ele decidiu se mudar
para Melbourne, na Austrália, com a mulher Raquel, 32, e os filhos Gael,
4, e Pedro, 1. “A mudança está prevista para novembro”, afirma Raquel.
Situação parecida com a vivida pela agente de viagens Bruna Hipolide,
25. Apesar de ter sete anos de experiência na área de turismo, ela foi
demitida de uma agência no início do mês de julho. “Eu já imaginava que
isso pudesse acontecer. As vendas caíram muito e a empresa começou a
cortar funcionários”, diz Bruna. Assim que se viu sem emprego, a jovem
pensou em tirar do papel o antigo sonho de morar fora do País.
“Aproveitei a demissão para planejar uma mudança de vida”, diz. No dia
15 de agosto, Bruna partiu rumo à Madri, na Espanha, onde pretende
estudar espanhol e morar por um tempo. “Sei que a situação na Espanha
também não está muito boa, mas acredito que conseguirei um trabalho”,
diz.
Para os brasileiros que já gozam de
estabilidade profissional e financeira, a sensação de insegurança é um
fator determinante na decisão de deixar o País. Segundo uma recente
pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública ao
instituto Datafolha, oito em cada dez brasileiros com mais de 16 anos
têm medo de morrer assassinados. O estudo ainda apontou que 91% dos
entrevistados temem serem vítimas de violência orquestrada por
criminosos e 52% têm um parente ou conhecido que foi vítima de
homicídio. A necessidade de fugir da violência, aliada à preocupação com
a economia, foram determinantes para que a empresária Julia Cencini
Glerean, 45 anos, deixasse o Brasil. Há quatro meses, ela se mudou para
Lisboa, Portugal, com a mãe, Suely, e os dois filhos, Nycolas, 21 anos, e
Luka, 17. Aqui no Brasil, a família era dona de cinco lojas de roupas.
“Nos últimos três anos os negócios não estavam indo muito bem”, diz.
“Mas a principal razão que me motivou a sair do Brasil foi a violência.
Eu, meu marido e meu filho já fomos assaltados e sequestrados”, afirma.
Agora, ela garante ter muito mais liberdade e segurança e, por conta
disso, a família não pretende voltar tão cedo. “Meu marido está vendendo
nossas lojas e nosso apartamento e deve vir para cá em breve.”
O momento de crise também estimula famílias
com um alto nível econômico a abandonarem a terra natal. A paulistana
Daniele Souza, 38 anos, decidiu morar fora do Brasil por conta da
insatisfação com o rumo que o País estava tomando. “Estávamos
desacreditados com a política brasileira, por isso decidimos mudar para
os Estados Unidos”, afirma. Em outubro de 2014, ela e o marido Edney
Souza, 38 anos, engenheiro que tinha um trabalho estável aqui, se
mudaram com os filhos Mateus, 16, e Mariana, 8, para Orlando, na
Flórida. “Queríamos dar mais segurança para nossos filhos. Aqui, eles
estudam em escola pública, algo que seria impensável no Brasil” diz. A
adaptação não foi fácil, especialmente pela barreira da língua, mas hoje
a família se diz determinada a ficar. “Temos uma reserva de dinheiro e
queremos abrir um negócio. Não pensamos em voltar”, afirma Daniele.
“Acompanhamos as notícias de corrupção no Brasil e temos a certeza de
que saímos na hora certa.”
Se para as famílias e jovens que vão embora
do País o futuro se desenha promissor, para quem fica o rumo da nação
parece incerto. Enquanto houver crise, mais e mais profissionais e
jovens talentos brasileiros tentarão buscar mais qualidade de vida e
oportunidades lá fora. Para Braga, do Ibmec, uma possível solução para
esse êxodo seria o governo brasileiro criar um órgão que monitorasse e
regulasse a emigração de brasileiros. “Hoje essa é uma questão
subestimada. Nenhuma dessas pessoas estaria indo embora se tivessem
condições de se desenvolver aqui”, diz. “É preciso criar mecanismos de
atração para a volta e saber para onde elas estão indo e o que estão
fazendo, para que seja possível o regresso.” Por enquanto, para esses
milhares de brasileiros, o futuro não é aqui.
Fotos: João Castellano/Ag. Istoé
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