A nova prisão de Dirceu, num esquema de enriquecimento pessoal, transforma o partido num símbolo da corrupção e abrevia o adeus da legenda que prometeu mudar a maneira de fazer política no país, mas decepcionou os brasileiros
Sérgio Pardellas (sergiopardellas@istoe.com.br)
A segunda
prisão de José Dirceu, ocorrida na segunda-feira 3, não constituiu uma
surpresa para ninguém. Nem para ele. O ex-ministro, enredado no mensalão
e, agora também, no Petrolão, já se encontrava na alça de mira da Lava
Jato desde a prisão de Renato Duque, ex-diretor e seu apadrinhado na
Petrobras. A delação do lobista Milton Pascowitch, relacionando o
petista ao recebimento de propina pessoal travestida de consultoria, foi
apenas a pá de cal. Apesar de não ter sido algo inesperado, o novo
recolhimento de Dirceu ao cárcere teve um significado emblemático:
cravou no partido a marca indelével da corrupção, decretando
praticamente o fim da era petista no poder. Mesmo com a – cada vez mais
improvável (leia mais à pag. 38) – sobrevivência da presidente Dilma
Rousseff, fica difícil vislumbrar um horizonte para o PT sem haver uma
reformulação radical na legenda. Isso se o partido não precisar mudar de
nome mais adiante. “O cenário é distinto daquele do mensalão. Nem a
melhora da economia salva o PT”, resignou-se o ex-presidente Lula em
reunião com petistas na última semana. O Petrolão mostrou de maneira
inequívoca que Dirceu e o PT criaram uma espécie de toque de Midas ao
avesso: quase tudo em que o partido meteu a mão teve a sujeira da
corrupção. Em vez de transformado em ouro, cada órgão administrado pela
legenda se deteriorou. Saqueada pelo PT, segundo os investigadores da
Lava Jato, a Petrobras já valeu R$ 500 bilhões em 2008. Hoje seu valor
de mercado é de R$ 100 bilhões. Outras estatais como a Eletrobrás,
aparelhadas sem piedade pelo partido, trilham semelhante caminho. Por
práticas nada republicanas, foram parar na cadeia, antes de Dirceu,
outras figuras de proa da legenda: o ex-presidente da sigla José
Genoíno; o ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha; o ex-deputado e
líder da bancada, Anré Vargas;; e os ex-tesoureiros Delúbio Soares e
João Vaccari Neto.
ACABOU-SE
A segunda prisão de José Dirceu enterra o projeto petista
A nova prisão de Dirceu trouxe, porém,
outro elemento agravante – e, aí sim, decepcionante até para seus mais
ferrenhos defensores, que ainda permaneciam iludidos, a despeito das
abundantes e variadas evidências de desvios de dinheiro público. O
petista, considerado “o capitão do time” por Lula quando era ministro da
Casa Civil, foi apanhado roubando para enriquecimento pessoal e não
mais em nome de um “projeto de País” ou de “poder”, como alegava o PT
até então – como se isso já fosse algo banal. Ou seja, se já era
abominável o discurso petista segundo o qual os fins justificavam os
meios, mais inaceitável ainda é agora quando se descobre que tanto os
meios quanto os fins eram indecentes. Ao decretar a prisão preventiva de
Dirceu, o juiz Sérgio Moro disse que o petista recebia propinas desde
2003, quando assumiu a Casa Civil. Para Moro, as provas reforçam os
indícios de “profissionalismo e habitualidade na prática do crime” e
caracterizam “acentuada conduta de desprezo não só à lei e à coisa
pública, mas igualmente à Justiça criminal e à Suprema Corte”. O
procurador Carlos Fernando Lima, integrante da força-tarefa da Lava Jato
resumiu: “A responsabilidade de José Dirceu, aqui, é como beneficiário
de maneira pessoal, não mais de maneira partidária, enriquecendo
pessoalmente”. Segundo a Lava Jato, os valores eram pagos a Dirceu por
meio de falsos contratos de prestação de serviços da JD Consultoria. Às
vezes em dinheiro vivo. Houve casos de ressarcimento de despesas
pessoais. Entre 2007 e 2014, as propinas destinadas a Dirceu somavam R$
90 milhões. Parte do dinheiro – cerca de R$ 1 milhão – serviu para
reformar um apartamento do irmão do ex-ministro, Luiz Eduardo de
Oliveira Silva, na Vila Mariana, Zona Oeste de São Paulo. Outros R$ 1,3
milhão pagaram a arquiteta responsável pela reforma da casa de Dirceu em
Vinhedo (SP). O delator Milton Pascowitch ainda contou ter bancado para
o petista metade de um jatinho Cessna 560 XL, avaliado em R$ 2,4
milhões. “O PT já está todo maculado. Isso é uma pá de terra”, avaliou o
deputado federal Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE). “O PT está afetado no
limite máximo, pelo que algumas pessoas da sigla realizaram, no mensalão
e no caso da Petrobras. O partido chegou ao fim de um ciclo”,
reconheceu o ex-governador petista Tarso Genro, eterno candidato a
promover a reformulação da legenda.
Não à toa, a recepção a Dirceu, na
carceragem da PF em Curitiba, foi completamente distinta daquela exibida
no mensalão. Em vez dos aplausos calorosos da militância, vaias,
foguetórios e gritos de ladrão. Na primeira condenação, Dirceu, de
punhos erguidos, foi recebido pelos camaradas ao coro de “guerreiro do
povo brasileiro”. Havia, entre os petistas, a sensação de que a sentença
inicial de Joaquim Barbosa, relator do mensalão, fora dura deamais ao
apontá-lo. Semana passada, nem mesmo o PT teve a coragem de defendê-lo.
Em nota, sem mencionar o líder de outrora, o partido alegou somente a
legalidade das operações financeiras da legenda. “As acusações contra
ele são de caráter pessoal”, lavou as mãos o presidente do PT, Rui
Falcão. Claro, trata-se de mais uma estratégia do partido na tentativa
de não se contaminar ainda mais com a prisão do seu ícone. Em vão — é
impossível dissociá-los. A trajetória política e de vida de Dirceu se
confunde com a do PT. Foi Dirceu quem, ao assumir o partido em 1995,
pavimentou a ascensão de Lula e do PT ao poder, em 2002. Depois,
tornou-se o homem forte de Lula na Presidência até desabar ladeira
abaixo enrolado numa fieria de escândalos.
O que se conhece agora ainda é mais grave
e, por isso, fere de morte a legenda um dia depositária dos sonhos de
milhares e milhares de brasileiros que acreditaram na esperança vendida
por Lula e companheiros. O esquema de corrupção e pagamento de propina
começou no primeiro mandato lulista e perdurou até 2015, segundo a Lava
Jato. Graças a uma simples descoberta, durante uma investigação de
lavagem de dinheiro, a de que o doleiro Alberto Yousseff havia doado um
carro importado a um diretor da Petrobras, no caso, Paulo Roberto Costa,
o fio de um imenso novelo foi puxado e conclui-se sobre a confluência
dos dois escândalos, o mensalão e o Petrolão. Ambos gestados, segundo os
investigadores, a partir da Casa Civil de Lula. Agora, procuradores e
agentes federais dedicam-se a buscar evidências que possibilitem
destrinchar a cadeia de comando até o topo. Entre os investigadores,
comentava-se na semana passada a possibilidade de o ex-presidente ser
convocado a depor para prestar esclarecimentos, antes de uma eventual
prisão, o que já seria péssimo para sua imagem. Para blindar Lula, há no
Planalto quem defenda que ele assuma um ministério de Dilma. Neste
caso, o ex-presidente ganharia foro privilegiado e, em caso de denúncia
contra ele, o processo seria remetido ao STF. A alternativa, porém,
dividia o governo até o fim da semana, pois enfraqueceria ainda mais a
presidente.
Num último esforço para tentar limpar a
barra da legenda, o PT foi à televisão na noite quinta-feira 6. Ao
contrário do imaginado, no entanto, o programa só atiçou ainda mais a
indignação de setores do eleitorado refratários ao PT – hoje a
expressiva maioria da população. Recheado de cinismo, o filmete petista,
ancorado pelo militante e abnegado petista José de Abreu, amigo pessoal
de Zé Dirceu, chegou ao cúmulo de dizer que o País vivia “problemas
passageiros na economia”. Dono dos piores índices econômicos em quinze
anos, o partido teve a desfaçatez de se comparar ao que chamou de melhor
período das gestões anteriores. “Nosso pior momento ainda é melhor do
que o melhor momento dos governos passados”, diz, desta vez, na voz de
Lula. Como na campanha, o PT ainda atentou contra o bom senso e a
inteligência da população ao voltar a prometer a retomada do
crescimento, com preços em baixa e emprego em alta, além de saúde e
educação de qualidade. Resultado: consumou-se a reprise do sonoro
panelaço a ecoar pelas principais cidades do País, gesto ilustrativo da
debacle do partido.
Foto: Agência Brasil, Geraldo
Magela/Agência Senado; José Cruz/Agência Senado; Jefferson Rudy/Agência
Senado; Estadão Conteúdo; André Coelho/Agencia O Globo; AFP PHOTO/HEULER
ANDREY; Pedro Ladeira/Folhapress; Ernesto Rodrgiues/Folhapress
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