O que está por trás da greve dos policiais militares no Espírito Santo e como a onda de mortes, roubos e furtos tornou a população refém da criminalidade. E pior: o caos pode se alastrar para outros estados
Poucos dias após as sangrentas rebeliões no Norte e Nordeste, que escancararam a superlotação em presídios e a disputa de territórios por grupos do crime organizado, outra face do sistema brasileiro de segurança pública também se mostra falida. O policiamento civil e, sobretudo, militar, não funcionam como deveriam, estão obsoletos e são mal administrados pelo poder público. Tal como a bomba relógio dos presídios, a precariedade do trabalho e os baixos salários foram o estopim para que familiares de policiais militares do Espírito Santo se instalassem nas portas dos quartéis e impedissem que as tropas fossem às ruas. O duelo entre a categoria, que reivindica um reajuste mínimo de 43% e máximo de 65%, e o governo, que decidiu passar o controle da segurança do estado às Forças Armadas, deixou a população exposta a uma das maiores ondas de violência da história capixaba. Dos 78 municípios que o estado possui, 14 já registraram homicídios. “Esse quadro é um sintoma da falência da segurança pública em função do sucateamento da polícia”, afirma Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Há um risco iminente desse movimento de espalhar para outros estados onde, com raras exceções, a situação não é muito melhor.”
NA ILEGALIDADE
Por ser considerado um serviço fundamental à sociedade, a Constituição Federal de 1988 proibiu militares de se sindicalizar e fazer greves – o que dá ao movimento o caráter de ilegal. Por isso, vem sendo utilizada a estratégia conhecida como greve branca, na qual as esposas reivindicam os direitos dos servidores diante das autoridades do estado. Porém, com o sentimento de pânico crescente entre a população e a ausência de um plano de contingência apresentado pelo governo, o poder de barganha dos militares se torna ainda maior. “A política de segurança e os governos passam a ser pressionados e ameaçados pelos militares”, diz Arthur Trindade, professor de sociologia da Universidade de Brasília e ex-secretário de segurança pública do Distrito Federal. A polêmica ganha amplitude porque, ao mesmo tempo em que a categoria tem benefícios como a aposentadoria integral está, segundo familiares, há sete anos sem receber reajuste. No estado, o salário base é de R$ 2.643. Apesar de, nos últimos anos, o Espírito Santo ter se consolidado como uma referência em segurança, deixou de lado aspectos cruciais, como a mudança no modelo de policiamento.
Os números do caos capixaba
121 mortes
violentas desde o sábado 4
violentas desde o sábado 4
200 furtos
de veículos em apenas um dia R$ 180 milhões de prejuízo ao comércio
de veículos em apenas um dia R$ 180 milhões de prejuízo ao comércio
3 mil homens
das Forças Armadas e da Força Nacional fazem o policiamento no estado
Nas últimas três décadas, o estado registrou uma das mais elevadas
taxas de homicídio do país. Em 2009, atingiu a marca de 56,9
assassinatos por 100 mil habitantes. “Mas a partir de 2003, decidiu
investir em segurança para tentar reverter os índices assustadores”, diz
Pablo Lira, professor e especialista em segurança pública da
Universidade Vila Velha. “Com isso, a secretaria foi reestruturada, um
centro interligado de polícia civil e militar foi criado e o ES
conseguiu desafogar o sistema prisional”, afirma. No entanto, as
mudanças no funcionamento das polícias não foram suficientes. “O Brasil
tem polícias sobrecarregadas e muito mal pagas, que sofrem com as
condições precárias e o excesso de trabalho”, diz Ivan Marques, diretor
executivo do Instituto Sou da Paz. Prova disso é que, na esteira da
paralisação dos militares, policiais civis decidiram na quarta-feira 8
entrar em greve após a morte de um policial em Colatina, município a 130
quilômetros da capital.das Forças Armadas e da Força Nacional fazem o policiamento no estado
Em
vez de solucionar gargalos estruturais, como a reforma no policiamento,
as autoridades apenas entregaram o estado às Forças Armadas
As corporações militares do País têm efetivos gigantescos. Em São
Paulo, um estado com 44 milhões de habitantes, tem 100 mil militares. No
Espírito Santo, são 10 mil policiais para uma população de 3,8 milhões
de pessoas. “O estado não consegue pagar bem efetivos desse tamanho”,
diz o sociólogo da UnB. “Uma solução seriam as guardas municipais,
ligadas às prefeituras, terem maior participação no policiamento de
bairros, praças e áreas públicas.” Outro aspecto que deve ser revisto é o
treinamento dos militares para reduzir a ocorrências de ações
truculentas e da letalidade policial. Já existem os chamados
“procedimentos operacionais padrão” que visam melhorar a ação do oficial
com o cidadão. Mas estados como Espírito Santo, Rio Grande do Sul e
Distrito Federal ainda não adotaram a prática.
Greves e protestos de militares no País
As maiores paralisações dos últimos cinco anos
As maiores paralisações dos últimos cinco anos
2012
Em janeiro, policiais militares do Ceará pararam por mais de uma semana. Fortaleza viveu um clima de pânico, o comércio fechou as portas e o transporte público parou de funcionar
Em janeiro, policiais militares do Ceará pararam por mais de uma semana. Fortaleza viveu um clima de pânico, o comércio fechou as portas e o transporte público parou de funcionar
Em fevereiro, policiais civis, militares e
bombeiros pararam no Rio de Janeiro. A polícia militar prendeu mais de
20 policiais por se recusarem a sair às ruas ou incitar a paralisação.
Policiais do Bope (Batalhão de Operações Especiais) foram convocados
para garantir a segurança
Em fevereiro também, policiais militares
da Bahia entram em greve. A paralisação durou 12 dias e foram
registrados mais de 150 homicídios. A categoria reivindicava melhores
condições de trabalho, aumento salarial e a criação de um plano de
carreira
2014
Em abril, outra greve ocorreu em Salvador, Bahia. Foram registradas 35 mortes em apenas um dia na cidade. Cerca de 6 mil militares das Forças Armadas foram enviados ao estado. O comércio foi saqueado e o transporte público parou de circular
Em abril, outra greve ocorreu em Salvador, Bahia. Foram registradas 35 mortes em apenas um dia na cidade. Cerca de 6 mil militares das Forças Armadas foram enviados ao estado. O comércio foi saqueado e o transporte público parou de circular
2016
Em junho, um grupo de bombeiros, policiais civis e militares protestou na área de desembarque do Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim (Galeão) com uma faixa onde se lia “Welcome to hell” (Bem vindo ao inferno). Às vésperas da Olimpíada, os servidores reclamaram das péssimas condições de trabalho
Em junho, um grupo de bombeiros, policiais civis e militares protestou na área de desembarque do Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim (Galeão) com uma faixa onde se lia “Welcome to hell” (Bem vindo ao inferno). Às vésperas da Olimpíada, os servidores reclamaram das péssimas condições de trabalho
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