O Governo Federal intervém na segurança do estado e transfere para as Forças Armadas o controle das polícias Civil e Militar – um esforço para conter a maior crise de segurança da história do Estado. Além da promessa de melhorar a vida dos cidadãos que se tornaram reféns da violência, a medida altera a agenda política do País
O decreto assinado por Temer transfere o comando das polícias Civil e Militar fluminenses para o general Walter Souza Braga Netto, um dos responsáveis pela coordenação da segurança durante os jogos Rio 2016 e que já atuou no serviço de inteligência do Exército. Como interventor, Braga Netto responde diretamente ao presidente da República. A decisão afasta o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Roberto Sá, dá às Forças Armadas carta branca para tomar medidas de combate ao crime e esvazia o poder do já desgastado governador Luiz Fernando Pezão. “Começamos uma batalha cujo caminho só pode ser o sucesso”, afirmou Temer. Antes do decreto de intervenção, o Rio de Janeiro já estava sob a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), o que significa que qualquer operação de segurança precisava de autorização da Presidência da República. Pezão achou que este trâmite provocava um vácuo entre as ações. Como a situação saiu do controle nas últimas semanas, o governador disse a interlocutores de Temer que combater o tráfico de armas e de drogas é responsabilidade federal. Citou o caso extremo em Angra dos Reis, onde bandidos tentaram invadir a Usina Nuclear e o prefeito Fernando Jordão cogitou pedir o desligamento dos reatores, caso não houvesse um esquema de segurança para a cidade.
Na capital, o caos na segurança foi agravado pela brutal onda de violência registrada durante o carnaval. Houve arrastões, roubos, tiroteios. O primeiro dos dois arrastões em Ipanema aconteceu na madrugada do domingo 11, quando um grupo de jovens com idades entre 13 e 20 anos realizaram roubos em série na Avenida Vieira Souto, em um período de cerca de três horas. Na terça-feira 13, cerca de 150 pessoas foram presas acusadas de fazer arrastões na região central da cidade. Imagens de assaltos e saques chocaram o País. O prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), ficou distante das festas — e dos problemas. Ele viajou com a família para a Europa. Postou nas redes sociais um vídeo explicando que embarcaria para conhecer uma agência espacial e empresas de tecnologia de segurança. “Vamos à Alemanha, vamos à Áustria, vamos à Suécia, mas quinta-feira a gente já está de volta. Só aproveitando essa folguinha de carnaval para ir buscar uma coisa que o Rio estava precisando”, disse.
Na quarta-feira 14, o ministro Moreira Franco, chefe da Secretaria-Geral da Presidência, ligou para o governador dizendo que iria ao Rio de Janeiro no dia seguinte, acompanhado do ministro da Defesa, Raul Jungmann, para tratar da segurança. Depois de uma conversa de uma hora e meia e de um telefonema de Temer, os três voaram juntos para Brasília e foram direto para uma reunião no Palácio da Alvorada. Temer havia convocado também os ministros da Justiça, Torquato Jardim, e da Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen. O grupo ganhou a companhia de Henrique Meirelles, da Fazenda e de Dyogo Oliveira, do Planejamento. A reunião durou cerca de sete horas. Já no final da noite, Temer chamou os presidentes do Senado, Eunício Oliveira, e da Câmara, Rodrigo Maia, já que o decreto de intervenção federal precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional. Foi quando a tensão tomou conta do encontro. Filho do ex-prefeito do Rio, César Maia, e de olho na disputa ao governo do estado, Rodrigo Maia não concordou com a intervenção. Também não gostou de não ter sido consultado antes da definição do decreto. Quando chegou ao Alvorada, tudo já havia sido decidido e planejado pela equipe de Temer. Em determinado momento, houve bate-boca entre o deputado e o ministro da Justiça. Os aliados de Temer disseram que Maia poderia ser responsabilizado publicamente pela crise na segurança pública caso não concordasse com o decreto. O presidente da Câmara, então, quis ouvir a opinião de Pezão. “Não há outra alternativa”, respondeu o governador. Maia acabou cedendo e concordou com a intervenção. “É uma decisão muito dura e extrema. Parece que nessas condições a forma de restabelecer a ordem no Rio é agora. Está se dando um salto triplo sem rede: não dá para errar”, disse Maia na sexta-feira.
Quem mais está se arriscando é o próprio Temer. Se for bem-sucedido, ele pode amenizar a sua baixa popularidade — hoje na casa de 6%. Ao atacar de frente o problema da violência num dos mais importantes estados do País, ele não só entra na seara da segurança pública como hasteia a mesma bandeira do pré-candidato ao Palácio do Planalto Jair Bolsonaro (PSC). Com Lula fora do páreo, o ex-capitão passou a liderar as pesquisas de intenção de votos, com 18%. Outro fator positivo gerado com a intervenção no Rio é o adiamento da Reforma da Previdência. Segundo o inciso 1º artigo 60: “A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”. A lógica é que, em momentos como esses, a ordem institucional está sob uma grave instabilidade, que torna inoportunas as alterações constitucionais. Essa é a primeira vez, desde a promulgação da carta magna em 1988, que uma medida como essa é decretada. Com a necessidade de contar com 308 votos para se aprovar a PEC, sabendo que dificilmente alcançará este número antes das eleições, o presidente e a equipe econômica agora têm um bom pretexto para não assumir a derrota e, assim, continuar contando com o apoio do meio empresarial. Porém, o risco é calculado: ao assinar o decreto da intervenção, Temer deixou claro que poderá revogá-lo a qualquer momento para que a reforma da Previdência seja votada.
Ainda que não tenha viés populista, a intervenção não é unanimidade entre especialistas. A medida é considerada midiática e provisória por Flávio Werneck, presidente do Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal e vice da Federação Nacional dos Policiais Federais. Ele avalia que a presença de forças federais de segurança pública até dezembro de 2018 irá apenas encurralar por pouco tempo o crime organizado, que trabalhará de forma discreta e voltará com mais força após a saída das tropas militares. “O governo, se quisesse resolver o problema, deveria apresentar propostas que contivessem práticas bem-sucedidas em outros países, tratando desde a prevenção passando por novo modelo de investigação policial, eficiência e celeridade na fase processual e alteração profunda na política de execução penal”, diz Werneck. “O que tem de ser feito é uma reforma das policias do Rio de Janeiro e não me parece ser esse o propósito da intervenção. É uma ferramenta emergencial”, afirma Oscar Vilhena, professor de direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Durante o carnaval, um policial militar do Rio postou um vídeo mostrando as latas de cerveja que levaria para seu plantão no carnaval.
Além da crise na segurança pública, o Rio de Janeiro enfrenta enormes dificuldades financeiras. Os salários dos servidores estão atrasados e costumam ser pagos em parcelas. Os serviços públicos estão cada vez mais precários. Por isso, Temer cogitou, inicialmente, ampliar a intervenção federal, abrangendo as áreas da segurança pública e também a de finanças. Depois, voltou atrás e definiu que a prioridade é o combate à onda de violência no Estado. A verdade é que o Rio só chegou ao atual estágio de caos na segurança com a contribuição dos políticos que comandam o Estado há décadas. O ex-governador Sérgio Cabral
(MDB), que governou o Rio por oito anos, dilapidou os cofres públicos. Desviou mais de R$ 1 bilhão para favorecer seu grupo político, a chamada “quadrilha do guardanapo” que se reuniu num fino restaurante em Paris para comemorar a roubalheira no Rio. Cabral está preso hoje no Complexo Médico de Pinhais, no Paraná, depois de passar meses na Cadeia de Benfica e no Presídio de Bangu com regalias de toda ordem. Além de Cabral, outros ex-governadores, como Anthony Garotinho, também estiveram presos até recentemente por corrupção eleitoral. Populista ou não, a verdade é que o momento é de a sociedade se unir para que a intervenção federal dê certo. O que está em jogo é mais do que um projeto político. É a segurança de cidadãos que não merecem permanecer reféns da violência promovida por bandidos.
Populismo ou não, o momento é de a sociedade se unir para que a intervenção federal dê certo
Perfil combativo
O interventor militar que a partir de agora comandará as forças de segurança do Rio de Janeiro, general Walter Souza Braga Netto, 60 anos, é o atual comandante militar do Leste, que coordena as atividades do Exército nos estados do Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Mineiro de Belo Horizonte, ele tem sob suas ordens mais de 50 mil militares e esteve à frente da segurança da Olimpíada de 2016. O general integrou também a operação que envolveu as Forças Armadas na crise de segurança no Espírito Santo, no ano passado. Braga Netto fez parte do serviço de inteligência do Exército, tem um perfil combativo e vem se mostrando um colaborador ativo da polícia do Rio de Janeiro.
Colaborou André Solito
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