Sob o comando de Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, a 2ª Turma do STF acelera a revisão de condenações e escancara as grades para a libertação de políticos presos. A pressa não é à toa: em setembro, com a mudança da correlação de forças no colegiado, o jogo pode virar a favor da Lava Jato
Suspendeu a ação penal movida contra o deputado Fernando Capez (PSDB-SP), acusado de corrupção e lavagem de dinheiro em um esquema conhecido como “máfia da merenda”. Toffoli ignorou mesmo o fato de Capez ter trabalhado em seu próprio gabinete no STF. Desconsiderou que a óbvia e estreita ligação entre os dois deveria impedí-lo de julgar. Com a ausência na terça 26 do ministro Celso de Mello, a porteira foi escancarada, literalmente: a tríade isolou o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, impondo-lhe uma escalada de derrotas.
“Novidade jurídica: o foro privilegiado de imóveis”, ironizou a procuradora Jerusa Viecili
Mais um 7×1 contra o brasil
Se o fizerem, há consideráveis chances de êxito, como se viu na terça-feira 26, quando Fachin viveu seu dia de 7 a 1, só que pelo lado dos derrotados. Primeiro, os três ministros decidiram anular provas colhidas na Operação Custo Brasil, um desdobramento da Lava Jato em São Paulo, que apura desvios de pelo menos R$ 40 milhões no Ministério do Planejamento com a participação da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo. Por 3 a 1, a Turma acolheu um pedido da defesa de Gleisi, que questionava a realização de buscas e apreensões no apartamento funcional da senadora em Brasília. Os ministros argumentaram que um juiz de primeira instância não poderia determinar a busca em um imóvel funcional sem aval do Supremo. Lewandowski teceu duras críticas à operação: “É um absurdo um juiz de primeiro grau determinar busca em apartamento de uma senadora. Isso é inaceitável”. A decisão, porém, beira o surrealismo ao instaurar uma espécie de “foro privilegiado em imóveis funcionais”, ou seja, apartamentos que só podem ser alvos de buscas com autorização do Supremo. “Novidade jurídica: foro privilegiado de imóveis”, ironizou a procuradora da Lava Jato no Paraná, Jerusa Viecili. A Operação Lava Jato está concretamente ameaçada. STF deve ser o guardião da Constituição e não da injustiça e impunidade. “Enquanto todos secavam a Argentina, a maioria da 2ª Turma faz 7 a 1 contra a Lava Jato. Ops, não marcamos nem mesmo um”, lamentou o decano da Lava Jato, Carlos Fernando Lima.
Na mesma sessão, Gilmar, Toffoli e Lewandowski confirmaram a soltura do lobista Milton Lyra, apontado como operador do MDB. Em seguida, decidiram ir contra o entendimento do plenário da Corte, que autoriza a prisão após condenação em segunda instância, e soltaram o ex-tesoureiro do PP, João Claudio Genu, e o ex-ministro José Dirceu. Ambos já foram condenados pelo TRF4, mas restou entendido que as penas ainda poderiam ser revistas por recursos pendentes. Entre a decretação de sua prisão pelo juiz Sergio Moro e a soltura pelo STF, Dirceu passou menos de 40 dias preso na Penitenciária da Papuda, em Brasília. Na quarta-feira 27, o petista promoveu um animado convescote em sua residência, no Sudoeste, região nobre de Brasília, durante o jogo do Brasil, regado a cerveja e petiscos variados.
A sessão continuou com mais resultados que levam os brasileiros a crer que criminosos poderosos recebem tratamento diferenciado no Poder Judiciário. Para o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, “os ministros Gilmar, Toffoli e Lewandowski desrespeitaram a autoridade do plenário do STF, que autorizou prisão após decisão de segunda instância. Tentaram disfarçar, mas a violação é clara. Caso se exigissem requisitos de prisão preventiva (que aliás estão presentes), não seria execução provisória”.
Na tarde de quinta-feira 28 foi a vez do ministro Marco Aurélio Mello mandar soltar outro preso de alto calibre: o ex-deputado e ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Mas como ele coleciona mandados de detenção, em ações às quais responde por corrupção e lavagem de dinheiro, Cunha permanece na cadeia, onde se encontra desde outubro de 2016 por decisão do juiz Sergio Moro.
Como se nota, Fachin ao lado de Cármen Lúcia tornaram-se ilhas de resistência, em meio ao libera geral que equipara certas togas ao que há de pior no Legislativo e Executivo, onde imperam fichas-sujas. No Judiciário, descobre-se agora, coabitam os togas sujas – aqueles que preferem sujar as próprias mãos e a indumentária de ministro a aplicar a lei.
Joaquim Falcão e o peso da palavra intermediária: “isso torna o País juridicamente inseguro”, diz ele
Em setembro, quando Toffoli sair de campo e adentrar aos gramados Cármen Lúcia, a tendência hoje ali favorável aos réus tende a se inverter. Cármen, Fachin e Celso de Mello passarão a formar a maioria que hoje está nas mãos de Toffoli, Gilmar e Lewandowski. O que preocupa a todos é a insegurança jurídica que esse clima de guerrilha traz, com decisões sendo modificadas apenas por conta da composição que detém a maioria nas turmas. Como escreveu o professor de Direito Constitucional Joaquim Falcão, o que pesa hoje no STF não é tanto “a palavra final”, do plenário, mas a “palavra intermediária” das turmas e dos ministros. As diversas mudanças de decisões são perigosas. “Isso torna o País inseguro juridicamente”, considera Falcão. Por isso, a dança de cadeiras no foro restrito é considerada mais importante que a chegada de Toffoli à Presidência da corte. Mesmo no comando do STF, ele preside um colegiado. Não pode agir contra a maioria. Seu poder concentra-se mais na definição da pauta. Como hoje as seções intermediárias do Supremo têm sido mais importantes, é na 2ª Turma que a Lava Jato e o processo de saneamento do País nutrem tempos de esperança. Se até setembro a tríade libertadora não colocar tudo a perder.
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