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segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

A testemunha punida

Ex-gerente da Petrobras diz ter informado à atual diretoria sobre irregularidades em contratos antes mesmo da Operação Lava Jato, mas, em vez de conter os desvios, a cúpula da estatal resolveu afastá-la do cargo

Helena Borges (helenaborges@istoe.com.br)
Há cerca de dez dias, a ex-gerente da Petrobras Venina Velosa da Fonseca não é vista em seu apartamento no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Vizinhos disseram à ISTOÉ que a moradora tem aparecido muito pouco no local nos últimos dois meses. A reportagem apurou que Venina alugou um flat em São Paulo, onde fez contatos com um procurador da força-tarefa que investiga os desvios na Petrobras. Nos últimos dois fins de semana, ela buscou refúgio na casa da mãe, no interior de Minas Gerais, onde refletiu muito até tomar a decisão de trazer à tona tudo o que sabe sobre o esquema de corrupção que drenou bilhões da estatal. Esperada para depor nos próximos dias no Ministério Público Federal em Curitiba, Venina promete envolver muito mais gente graúda no escândalo. A amigos diz que chegou ao limite e não perdoa a atual gestão da Petrobras por tê-la afastado da companhia, em 20 de novembro, junto a outros executivos suspeitos de irregularidades. “Não vou cair sozinha”, garante. A ex-gerente diz que desde 2008 vem alertando a cúpula da empresa sobre desvios em diferentes setores, segundo reportagem publicada no jornal “Valor Econômico” na sexta-feira 12.
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A SOLUÇÃO FOI TIRÁ-LA DO CAMINHO
Desde 2008, a ex-gerente da Petrobras Venina Velosa, que trabalhou
ao lado de Paulo Roberto Costa (abaixo), vem alertando a
empresa sobre desvios em diferentes setores
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As denúncias envolveriam o pagamento de R$ 58 milhões por serviços não realizados na área de comunicação, o superfaturamento em até 15% na compra de combustíveis no exterior, e aditivos que elevaram os custos das obras da Refinaria de Abreu e Lima, de R$ 4 bilhões para R$ 18 bilhões. Segundo Venina, depois de ela fazer uma das acusações, Paulo Roberto Costa, então diretor de abastecimento, a convocou em seu gabinete e, apontando o dedo para o retrato do presidente Lula, perguntou-lhe se ela queria “derrubar todo mundo”. Descontente, a gerente encaminhou a denúncia ao então presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, que instaurou um processo administrativo.
Aquela foi apenas a primeira ocorrência. Em 3 de abril de 2009, Venina enviou e-mail para a então diretora da Gás e Energia, Graça Foster, solicitando apoio e alertando-a sobre a escalada nos preços das obras de Abreu e Lima. Os contratos, sob a responsabilidade do diretor de Serviços, Renato Duque, continham cláusulas que responsabilizavam a Petrobras sobre eventuais problemas no andamento das obras, isentando as empreiteiras e jogando no colo da estatal os custos extras por atrasos e paralisações. Num ofício de 4 de maio, a gerente criticou também os contratos que beneficiavam sempre as mesmas empresas da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi), espécie de sede do chamado “clube” das empreiteiras que são investigadas pela Lava Jato. No total, a executiva fez 107 solicitações de modificação de projetos que propunham uma economia de quase R$ 1 bilhão nas obras da refinaria pernambucana. Nenhuma foi aceita.
Embora a Petrobras garanta que investigou todas as denúncias da gerente, Venina diz ter sido perseguida dentro da estatal por conta de sua conduta. “Até arma na minha cabeça e ameaças às minhas filhas eu tive”, garante. Segundo ela, Costa teria agido para tirá-la do caminho, conseguindo transferi-la no final de 2009 para a unidade da Petrobras em Cingapura, onde foi orientada a fazer um curso de especialização. “Do imenso orgulho que eu tinha pela minha empresa passei a sentir vergonha. Diretores passam a se intitular e a agir como deuses e a tratar as pessoas como animais. O que aconteceu dentro da Abast (Diretoria de Abastecimento) na área de comunicação e obras foi um verdadeiro absurdo”, desabafou Venina em outro e-mail a Graça Foster, enviado em 7 de outubro de 2011.
Naquele mesmo ano, a geóloga virou ré em investigações do TCU, ao lado de Costa, Gabrielli e empreiteiras agora denunciadas pelo MPF. Venina curtiu o exílio de luxo até o início de 2012, passou cinco meses no Rio e voltou a Cingapura como chefe do escritório. De lá assistiu à deflagração da Operação Lava Jato em março deste ano. Uma semana depois, resolveu encaminhar a José Carlos Cosenza, sucessor de Costa na Diretoria de Abastecimento, um e-mail falando sobre perdas financeiras em operações internacionais da estatal que ela identificou a partir do trabalho em Cingapura. Em 10 de abril, enviou outra mensagem a Cosenza, falando de perdas de até 15% na comercialização de combustível para navios no exterior – chamados bunkers. Venina diz que Cosenza não lhe deu nenhuma resposta. Após as denúncias, a oposição no Congresso pede o afastamento da presidente da Petrobras, Graça Foster. “Não há como tolerar essa passividade do governo com relação aos gestores da Petrobras”, afirmou o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) na sexta-feira 12. A Petrobras, por meio da assessoria, diz que aprimorou os procedimentos de compra e venda com “a implementação de controles e registros adicionais”. Garante que não constatou nenhuma “não conformidade” na área. Venina ainda fez uma nova denúncia em outro e-mail enviado em 17 de novembro. Dois dias depois, no entanto, foi afastada do cargo ao lado de outros funcionários suspeitos de desvios. Soube da demissão pela imprensa.

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