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PÁTRIA

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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Ele não está acima da lei

Documento da Lava Jato indica envolvimento de Lula com práticas criminosas. Constatação basta para que ele seja investigado como qualquer cidadão brasileiro


Um dos relatórios que embasam a operação que prendeu o marqueteiro João Santana, com mais de 40 páginas, aponta para o mais alto hierarca do petismo: Luiz Inácio Lula da Silva. O documento diz que é “possível o envolvimento do ex-presidente da República em práticas criminosas”, mas considera que isto “deve ser tratado com parcimônia, o que não significa que as autoridades policiais devam deixar de exercer seu mister constitucional.” O raciocínio das autoridades soa estranho. O que se espera dos delegados e procuradores da Lava Jato é que o ex-presidente seja investigado, sim, como qualquer cidadão brasileiro. Desde janeiro de 2011, quando passou a faixa para sua sucessora, Lula se tornou um cidadão comum. Pode até ter seguranças e combustível custeados pelos contribuintes, mas não tem direito a foro ou tratamento privilegiado. Já motivos para apurar sua conduta não faltam, a julgar pelas evidências levantadas nas últimas semanas.
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SEM BLINDAGEM
Razões para implicar o ex-presidente não faltam 
O próprio material encontrado no celular do empreiteiro Marcelo Odebrecht, revelado pela Polícia Federal, indica pagamentos da empreiteira referentes ao instituto que leva o nome de Lula. Está escrito Predio-IL nas anotações, acompanhado da cifra R$ 12,4 milhões. Para as investigações, “é possível que IL seja a abreviação de Instituto Lula”. Tamanhas são as ligações das empreiteiras do Petrolão com Lula que procuradores possuem fortes evidências de que elas bancaram a reforma do sítio frequentado pelo ex-presidente e sua família em Atibaia, fato reconhecido pelas próprias empresas na semana passada. Há farta documentação, aliás, para se concluir que a propriedade beneficiada pela construtora pertence ao petista e não, aos sócios de seu filho como consta no papel. Isto em si já configuraria ocultação de patrimônio.
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Lula sofre derrota no conselho do MP e promotor
Cássio Conserino permancerá à frente do caso do tríplex
O ex-presidente Lula também se enrola ao negar ser dono de outra propriedade: o tríplex no Guarujá, reformado com recursos da construtora OAS, dona no imóvel, segundo o registro oficial. Promotores de São Paulo já sinalizaram que pedirão o indiciamento dele. Em uma medida protelatória, Lula chegou a obter uma vitória suspendendo o seu depoimento e o da mulher Marisa Letícia, marcado para a quarta-feira 17. Parecia estar acima da lei. Mas a calmaria durou pouco. Na terça-feira 23, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu por 14 votos a zero manter o promotor paulista Cássio Conserino à frente das investigações. A decisão contou, inclusive, com o voto do relator. Ele havia concedido liminar suspendendo o inquérito e, portanto, os depoimentos até que fosse julgado um recurso de aliados do ex-presidente. Prevaleceu o argumento de que não há ilegalidade em Conserino permanecer à frente do caso. Agora, ele pode remarcar os depoimentos de Lula e de Marisa Letícia para desespero do petista. Dificilmente, o ex-presidente escapará de ser acusado pelo Ministério Público. Numa clara referência a Lula, Conserino já disse que ninguém deve estar acima da lei. Com tantos indícios apontado para Lula e seus familiares não há motivos para que o ex-presidente seja tratado de forma diferenciada pelos investigadores. Os brasileiros já perceberam isto e se manifestaram batendo panelas na terça-feira 23. Protestaram enquanto Lula aparecia no horário de propaganda do PT na televisão.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

O impeachment reacende

Surgimento de provas que vinculam a campanha de Dilma à corrupção na Petrobras, a partir da prisão de João Santana, leva os partidos de oposição e até o PMDB a voltarem a se articular no Congresso pelo afastamento da presidente

Sérgio Pardellas (sergiopardellas@istoe.com.br)
Na segunda-feira 22, horas depois de expedido o mandado de prisão do marqueteiro da campanha e conselheiro de Dilma, João Santana, com base na mais bem documentada operação da Polícia Federal até agora, o ex-presidente Lula sacou o telefone e ligou para o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner. “Ela (Dilma) sabia que ia dar m...Que isso tudo chegaria na campanha”, esbravejou o petista. Impregnado de fúria, Lula reavivou em Wagner uma conversa mantida no Palácio do Planalto entre o senador Delcídio do Amaral (PT) e a presidente Dilma Rousseff, em junho, na esteira da prisão de executivos das principais empreiteiras do País. Durante uma reunião, o senador petista advertiu a chefe do Executivo: “Presidente, a sra. sabe que foi uma dessas empreiteiras implicadas na Lava Jato que bancaram sua campanha e pagaram ao publicitário João Santana”. Ao que Dilma respondeu: “Isso é problema do Lula. Ele que resolva”. Delcídio então rebateu: “Não, a campanha era sua. É sua a responsabilidade”.
“Pois é, agora chegou nela”, concluiu Lula no telefonema ao ministro baiano. O tom do diálogo traduz a atmosfera de pânico reinante no PT e no Planalto, a partir da deflagração da Operação Acarajé, pela Lava Jato, na última semana.
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Foram 67 dias de alívio para o governo, desde a decisão do STF de alterar o rito do afastamento da presidente Dilma no Congresso. Na segunda-feira 22, o acarajé azedou e a calmaria cedeu lugar à tormenta. Para a presidente, a prisão daquele que era considerado o 40o ministro do governo, tamanha era a influência exercida por ele, constitui-se no desenlace mais grave da Operação Lava Jato até agora. Os fortes indicativos de que dinheiro desviado da Petrobras serviu para bancar João Santana, principal mentor e estrategista das campanhas petistas, colocaram o impeachment novamente na ordem do dia – tanto do Congresso, como das ruas. Com algumas diferenças fundamentais, em relação ao ano passado, que fazem com que o processo capaz de apear Dilma do poder retorne ainda com mais vigor e mais robusto do ponto de vista político. Desta vez, não há qualquer vestígio das digitais do impopular presidente da Câmara, Eduardo Cunha, responsável por avalizar o pedido anterior. Ao contrário do ano passado, Dilma também não pode se escorar no ex-presidente Lula. Enrolado com os casos do tríplex no Guarujá e do sítio em Atibaia, reformados com dinheiro da OAS, empreiteira envolvida no Petrolão, o morubixaba petista não empolga nem conduz mais as massas como em outrora. Pelo contrário. Ele nunca esteve tão fragilizado e com uma imagem tão arranhada perante a população, haja vista o panelaço do qual foi alvo na última terça-feira 23 – indiscutivelmente o mais estrepitoso entre todos até agora.
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Na ausência de um inimigo número um para atribuir as ações perpetradas contra ela no Congresso, papel este exercido por Cunha em 2015, e com o seu principal mentor – Lula – a manquitolar nas cordas, Dilma volta a depender de dois partidos que se revelaram nada confiáveis em momentos pretéritos em que a presidente esteve em apuros: o próprio PT e o PMDB. É notório. Os petistas nunca morreram de amores por Dilma. Nem quando ela foi alçada ao Olimpo político em 2010. Hoje, eles se dispõem a sustentá-la tão somente por conta da sobrevivência eleitoral, traduzida na batalha pela manutenção dos mais de 20 mil cargos, em poder da legenda, na Esplanada dos Ministérios. Intramuros, integrantes do partido jogam na conta da presidente a pior crise já experimentada pelo PT, desde a sua fundação – fruto, para eles, da equivocada política econômica responsável por paralisar o País e trazer de volta o desemprego e a recessão.
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O principal sintoma do estremecimento da relação entre Dilma e PT é a possível ausência da presidente no evento em comemoração aos 36 anos do partido no Rio. Já o PMDB, que ensaiou o desembarque do governo, mas voltou ao estado de ponto morto depois que o motor do impeachment esfriou no ano passado, retomou as negociações para colocar em marcha o afastamento da presidente. Na última semana, as articulações entre PMDB e PSDB, principal partido de oposição, ganharam intensidade e retornaram ao estágio anterior à decisão do STF de 17 de dezembro, quando os ministros da corte mudaram a regra do jogo com a partida em andamento e jogaram uma ducha de água fria no processo. O PMDB cogita até apresentar um novo pedido de impeachment capaz de alcançar os últimos fatos da Lava Jato, como o dinheiro recebido pelo marqueteiro João Santana no exterior. A assessoria jurídica do partido já trabalha em cima de um parecer nesse sentido. O vice-presidente Michel Temer (PMDB) mantém a discrição e evita fazer movimentos bruscos, como ocorreu no ano passado, quando foi acusado de jogar abertamente contra o governo. Mas, segundo palavras de um de seus mais próximos aliados, o vice vai deixar “a partida correr solta”.
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O PMDB desenvolve um raciocínio bem pragmático para voltar a embarcar na canoa do impeachment. Por que aguardar uma decisão no TSE que pode prejudicar o partido, na hipótese de condenação da chapa Dilma-Temer, se o PMDB pode ser o fiel da balança para afastar a presidente num processo político no Congresso do qual se beneficiaria diretamente, com a ascensão automática do vice-presidente ao poder, caso seja aprovado o impedimento da petista? A seu favor, o partido ainda conta com a possibilidade de a liturgia do impeachment no Congresso ser bem mais célere do que um julgamento no TSE. Numa projeção otimista, o Tribunal Eleitoral só irá conseguir se manifestar sobre as contas eleitorais de Dilma em outubro deste ano, ao passo que um processo de afastamento no Legislativo, se houver condições políticas para levá-lo a cabo, não duraria mais do que três meses.
Por isso, neste momento, as conveniências políticas de PMDB e PSDB voltam a se entrelaçar. Para Dilma o restabelecimento da harmonia entre as duas legendas é o pior dos mundos. A senha para o reinício das tratativas foi a decisão do presidente do PSDB, senador Aécio Neves, de se engajar de corpo e alma na manifestação marcada para o dia 13 de março cujo mote principal será o “Fora, Dilma”. A decisão foi tomada após reunião com parlamentares da oposição na sede da liderança do partido no Senado. “Estamos distribuindo uma nota de absoluto apoio dos partidos de oposição às manifestações programadas para o próximo dia 13 de março, organizadas por movimentos da sociedade civil. Vamos conclamar nossos companheiros de todas as regiões do País para que se façam presentes nesse momento de profundo agravamento da crise política, econômica, social e moral que vem devastando o Brasil. Vamos botar nossa cara sim e dizer basta a tudo isso que vem acontecendo”, afirmou Aécio Neves. “Pela primeira vez temos provas documentais que vinculam a campanha da presidente Dilma à corrupção na Petrobras”, pontuou o tucano. A nota em apoio à manifestação foi subscrita pelo PSDB, PPS, DEM, PV e Solidariedade. Os oposicionistas anunciaram ainda que os líderes dos partidos na Câmara solicitarão ao presidente do STF, Ricardo Lewandowski, uma audiência para cobrar rapidez na publicação do acórdão do rito do impeachment.
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EM MARCHA
O MBL, liderado por Kim Kataguri (abaixo, estará à frente dos protestos do dia 13.
Panelaço na terça 23 expôs decepção do brasileiro com Lula e o PT
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Para esquentar ainda mais a discussão sobre o afastamento da presidente, as siglas de oposição inauguraram nos últimos dias um comitê pró-impeachment. Com a criação do colegiado, a oposição tentará criar um clima de vigília constante, exercendo uma espécie de marcação cerrada sobre Dilma no rastro da manifestação do dia 13 de março. A intenção é estabelecer um calendário de protestos nas principais capitais do País em prol da saída da petista. Servem de inspiração para o grupo os comícios das Diretas Já. Esportistas e cantores populares já foram contatados para reforçar os palanques e imprimir uma marca suprapartidária aos eventos. O grupo também busca estreitar os laços com o empresariado. Na quarta-feira 24, deputados de cinco partidos se reuniram com Paulo Skaf, porta-voz do setor industrial paulista.
Numa outra trincheira, os parlamentares da oposição prometem se dirigir à ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora de uma das ações movidas pelo PSDB no TSE contra a chapa Dilma-Temer, para reforçar o pedido para que os documentos da nova fase da Lava Jato sejam anexados ao processo. O PSDB pleiteia a análise pela Justiça Eleitoral dos novos documentos da investigação sobre João Santana. As maiores evidências contra Dilma e sua campanha derrubam a versão de Santana, segundo a qual os valores recebidos no exterior – cerca de US$ 7,5 milhões – estavam relacionados a serviços prestados por ele fora do Brasil. A principal delas é um depósito de US$ 1,5 milhão feito na conta do marqueteiro na Suíça entre julho e novembro de 2014, período em que João Santana, como é sabido, se dedicou exclusivamente à campanha à reeleição da petista. Há ainda registros de repasses que somam R$ 4 milhões na mesma época, segundo planilha apreendida na Odebrecht sob o título “Feira-evento 14”. Feira, segundo os investigadores, seria uma referência a Santana (leia mais nas páginas 34 a 38). O surgimento da comprovação de que o marqueteiro de 2014 foi pago com recursos do Petrolão pode vir a ser o Fiat Elba de Dilma – ironicamente, o caso envolvendo o ex-presidente Collor foi desvendado por quem pode derrubá-la agora: João Santana.
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sábado, 27 de fevereiro de 2016

Conexão campanha

Documentos comprovam repasses de dinheiro desviado da Petrobras ao marqueteiro de Dilma, João Santana, durante a campanha de 2014. Poder exercido pelo publicitário sobre o Planalto é atestado por emails rastreados pela Lava Jato

Marcelo Rocha
Nem mesmo os investigadores poderiam imaginar que uma decisão tomada em 2014 contra um desconhecido diretor da Petrobrás pudesse levar, um ano depois, a Lava Jato aos calcanhares da campanha presidencial de Dilma Rousseff. Tudo começou em dezembro de 2014, quando o juiz Sérgio Moro, responsável pela operação, determinou a expedição de mandados de busca e apreensão contra operadores de propina que atuavam na Petrobras. Os suspeitos foram listados pelo ex-gerente da estatal e delator Pedro Barusco. Entre os nomes apontados por Barusco estava um pouco famoso Zwi Skornicki, representante no Brasil de um estaleiro asiático com negócios com a companhia. De acordo com o delator, Skornicki repassou propina para o PT, negociada com João Vaccari Neto, o ex-tesoureiro do partido preso em Curitiba há quase um ano. A confissão de Barusco levou os investigadores a fazer uma batida policial na casa de Skornicki, o que se revelou um tiro certeiro, com desdobramentos ainda imprevisíveis. Foram recolhidos ali documentos que levaram a Lava Jato até o marqueteiro João Santana, responsável pelas campanhas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006 e da presidente Dilma Rousseff, em 2010 e 2014.
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Santana escondeu das autoridades a offshore Shellbil Finance S.A., sediada no Panamá e titular de conta na Suíça. A conta secreta de Santana foi abastecida por Skornicki e pela Odebrecht. Foram US$ 7 milhões depositados entre setembro de 2013 e novembro de 2014, sendo US$ 1,5 milhão em três parcelas no período em que o marqueteiro trabalhava exclusivamente para reconduzir Dilma ao Palácio do Planalto. Por isso, Zwi Skornicki é considerado o elo mais forte entre os desvios de recursos da Petrobras e a campanha eleitoral de Dilma em 2014. Presos na semana passada durante a Operação Acarajé, a 23ª fase da Lava Jato, Santana e Mônica Moura, mulher e sócia, foram interrogados e negaram a vinculação dos depósitos na Shellbil a trabalhos realizados no Brasil.
As versões de Santana e sua mulher, no entanto, são inverossímeis. Em seu depoimento, o marqueteiro fez de tudo para tentar dissociar os repasses para suas contas, segundo a Lava Jato obtidos a partir de desvios da Petrobras, da campanha de Dilma em 2014. Chegou a dizer que os serviços prestados como conselheiro da presidente “se deram a título não oneroso” e que ele “foi um doador de serviços ao governo em razão do prazer que isso lhe gera e da facilidade que possui”. Ocorre que, além dos depósitos de US$ 1,5 milhão no exterior, via Zwi Skornicki, uma planilha encontrada na Odebrecht sob o título “Feira-evento 14” indica sete pagamentos efetuados em São Paulo num total de R$ 4 milhões. Estas transferências ocorreram nos meses de outubro e novembro de 2014, ápice da campanha de Dilma. Feira, segundo os investigadores, era como a empreiteira tratava Santana – o marqueteiro nasceu em Tucano, município baiano localizado a 150 km de Feira de Santana.
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PEÇAS QUE SE ENCAIXAM
Documentos apreendidos na Odebrecht, no ano passado, mostram preocupação -
em troca de mensagens - com risco de conta na Suiça vir a atingir Dilma,
como ocorre agora com as novas descobertas da PF. Na mensagem,
Feira - suposta referência a João Santana - também é citado
 
Há também indícios de que o dinheiro recebido no exterior e não declarado pelo marqueteiro seja bem superior ao montante informado na papelada que respaldou a prisão do casal. Agora, papéis enviados por autoridades estrangeiras estão sendo confrontados com a documentação recolhida nos endereços residenciais e comerciais dos suspeitos. Essa linha de apuração preocupa bastante o Palácio do Planalto, num momento em que engrossa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o volume de suspeitas de irregularidades nas contas eleitorais de Dilma e o impeachment volta a ganhar força no Congresso. Não são apenas as datas dos depósitos na Shellbil que sustentam a desconfiança entre os investigadores. Skornicki tem laços com pessoas ligadas ao PT. Foi acusado por Barusco de intermediar US$ 14 milhões em propina ao ex-diretor de Serviços Renato Duque, mantido anos no cargo pelo partido da presidente. Antes de atuar como consultor, Skornicki foi da Petrobras e passou pela Odebrecht até abrir seu próprio negócio. Virou representante do estaleiro asiático a Keppel Fels, que negociou no Brasil contratos para o fornecimento de sondas para a exploração do pré-sal.
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No despacho que determinou a prisão de Santana e de Mônica Moura, o juiz Moro classificou como “fundada” a suspeita de que as transações efetuadas em favor da Shellbil representam pagamento de propina desviada da Petrobras. “Na hipótese probatória mais provável tais valores destinar-se-iam a remunerar os serviços de publicidade prestados por João Santana e Mônica Regina ao Partido dos Trabalhadores, o que é bastante grave, pois também representa corrupção do sistema político partidário”, afirmou Moro. Em fevereiro de 2015, durante a Operação My Way, a nona fase da Lava Jato e que mirou esquemas na Diretoria de Serviços da Petrobras, a PF recolheu na casa de Skornicki um envelope contendo o modelo “Alteração e Consolidação de Contrato de Consultoria”, escrito em inglês, além de informações de duas contas em bancos no exterior. O envelope fora enviado a Skornicki por Mônica Moura. Os agentes identificaram nele um endereço que os levou à Polis Propaganda, de propriedade do casal.
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Em junho de 2015, mais informações contra o marqueteiro de Lula e Dilma foram encontradas durante a Erga Omnes, fase da Lava Jato que teve como alvo dirigentes das maiores empreiteiras do País. Nos equipamentos apreendidos em poder de Marcelo Odebrecht, a PF identificou diversas menções ao “Feira”. Entre elas “liberar p/Feira pois meu pessoal não fica sabendo. Dizer do risco cta suíça chegar campanha dela”. “40 para vaca (parte para Feira)” e “cuidados meet/pgtos Feira”. Segundo sugerem essas anotações os pagamentos a João Santana seriam doações eleitorais sub-reptícias e a “cta suiça” que poderia chegar “na campanha dela”, no caso a de Dilma, seria aquela descoberta agora abastecida por Zwi Skornicki.
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Logo após a deflagração da Operação Acarajé, o Planalto se esforçou para descolar Dilma do marqueteiro João Santana. Impossível deixar de relacioná-los. Além de publicitário da campanha, Santana era o principal conselheiro da presidente. Exercia mais influência do que muito ministro. Dilma não fazia um discurso sequer sem antes consultá-lo. Os programas que seriam lançados pelo governo necessariamente passavam por ele antes de virem a público. Os autos da Lava Jato comprovam a proximidade de Santana com a chefe do Executivo. Em mensagem do dia 25 de outubro de 2015, o ex-ministro Mangabeira Unger recorre ao publicitário para conseguir uma audiência com a presidente. Disse Mangabeira: “João, podemos nos ver em Brasília 9 ou 10 de novembro. Você tem dar um empurrão para que eu possa falar a PR naqueles dias.” O mesmo Mangabeira recorre a Santana para enviar textos a Lula. “A conclusão lógica é que o investigado também possui relação extremamente próxima com Luiz Inácio Lula da Silva até os dias atuais. O mesmo tipo de relação é partilhado com a atual presidente da República”, afirmou o delegado Filipe Hille Pace, num dos relatórios da investigação. A PF destaca ainda mensagens enviadas a Santana relacionados a temas considerados importantes para o governo. Em 27 de outubro do ano passado, o e-mail “Material CPMF” é remetido ao publicitário com a anotação de que é “a pedido da PR”. Dois dias depois, o ministro Edinho Silva, da Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência envia pelo menos duas mensagens ao publicitário para tratar do mesmo assunto. Para a PF, o poder que Santana exercia sobre o Palácio do Planalto é irrefutável.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Janot recomenda ao STF perdão de pena a oito condenados do mensalão

Procurador-geral da República só não se manifestou sobre José Dirceu, preso pela Operação Lava Jato

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, é sabatinado em audiência pública realizada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ)
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot(Geraldo Magela/Ag. Senado)
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, recomendou ao Supremo Tribunal Federal (STF) o perdão da pena de oito condenados do mensalão, mas disse que só vai se pronunciar sobre a concessão de indulto natalino ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu quando a Suprema Corte decidir se ele deve ou não voltar a cumprir pena em regime fechado.
Os pareceres de Janot, com base no decreto presidencial do indulto de Natal, beneficiam Delúbio Soares, Romeu Queiroz, Valdemar Costa Neto, Bispo Rodrigues, Vinícius Samarane, Rogério Lanza, João Paulo Cunha e Pedro Henry. Caberá ao ministro Luís Roberto Barroso, relator dos processos, decidir sobre a concessão do indulto aos oito condenados.
Dirceu, no entanto, voltou a ser preso preventivamente em agosto em Curitiba por suspeita de envolvimento no esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato. Por causa disso, ele precisará esperar o Supremo decidir sobre um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) de outubro do ano passado, para que o ex-ministro volte ao regime fechado.
O Ministério Público argumenta que, mesmo depois de condenado e preso, o ex-ministro teria supostamente continuado a cometer crimes. No mensalão, Dirceu foi condenado a sete anos e 11 meses de prisão.
Por ter cumprido mais de 26 meses da pena e por não ser reincidente, a defesa de Dirceu encaminhou ao STF um pedido semelhante ao dos demais condenados para que a Corte perdoe a pena dele no mensalão e conceda o indulto natalino, conforme o decreto presidencial assinado por Dilma Rousseff no fim do ano passado.
O ex-ministro Dirceu estava cumprindo pena em regime aberto em Brasília quando voltou a ser preso, em agosto do ano passado. As investigações da Polícia Federal apontam indícios de crimes de organização criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O grupo de trabalho que investiga o esquema de corrupção na Petrobras apurou que o ex-ministro movimentou 71,4 milhões de reais desde 2007 em nome de sua empresa, a JD Consultoria. As movimentações teriam ocorrido mesmo após a condenação dele no processo do mensalão. O ex-ministro diz que os pagamentos se referem a serviços de consultoria prestados a empresas.
(Com Estadão Conteúdo)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Câmara conclui votação de lei que criminaliza o terrorismo

Ausência de legislação sobre o tema deixava o país sob o risco de sofrer sanções internacionais. Projeto faz ressalva a manifestações populares

Por: Marcela Mattos e Felipe Frazão, de Brasília
Sessão extraordinária da Câmara dos Deputados para discussão e votação de diversos projetos - 11/11/2015
Câmara dos Deputados (Gustavo Lima/Câmara dos Deputados)
Faltando menos de seis meses para a Olimpíada, a Câmara dos Deputados concluiu nesta quarta-feira a votação do projeto de lei que tipifica e criminaliza a prática de terrorismo, ainda sem punição específica no país. A ausência de uma legislação sobre o tema, além de pôr em xeque a segurança do Brasil em eventos como a Rio-2016, deixa o país sob o risco de sofrer sanções internacionais, como o rebaixamento das agências de avaliação de risco.
O texto, que agora vai à sanção presidencial, foi encampado pelo governo para adequar-se às exigências internacionais. A medida, no entanto, encontra dura resistência do próprio PT e de partidos de esquerda, que temem que a prática possa ser confundida com as manifestações populares - e, dessa forma, atingir movimentos como o dos Sem Terra e outras importantes bases eleitorais da legenda. O projeto determina penas de reclusão de doze a trinta anos para quem comete um ato terrorista.
"Mais uma vez a nossa juventude e todos aqueles que questionam o Estado serão objeto desse tipo de tipificação. Nosso Código Penal já dá conta desses fatos e atos previstos. Com a aprovação dessa lei, nós podemos estar inaugurando a atividade terrorista aqui no país. Acho um despropósito que tenhamos de votar isso", afirmou o deputado Wadih Damous (PT-RJ), que acrescentou que vai tentar convencer o governo a vetar trechos da matéria.
O projeto tipifica o terrorismo como o ato "de intimidar o Estado, organização internacional ou pessoa jurídica" e "de provocar terror social ou generalizado". A prática é detalhada como: usar ou ameaçar usar, entre outros itens, explosivos, gases tóxicos e venenos, sabotar ou danificar sistemas de informática e ainda atrapalhar o funcionamento, com o uso de violência, de meio de comunicação e de transporte, hospitais, escolas e estádios. Também fica enquadrado como terrorismo "incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado".
A matéria pune ainda qualquer tipo de apologia aos crimes tipificados com reclusão de quatro a oito anos, além de multa. A pena será agravada caso a incitação aos atos se dê pela internet ou qualquer outro meio de comunicação social.
Conforme o texto da lei, a medida não será aplicada à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou categoria profissional que tenham como objetivo fazer algum tipo de contestação ou a defesa de direitos, garantias e liberdades constitucionais. Essa ressalva havia sido retirada durante votação no Senado, mas voltou a integrar o texto após acordo entre os deputados.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Golpe brasileiro da ‘Vídeo Chamada’ se dissemina no WhatsApp

Mensagem falsa oferece recurso que ainda não existe, links maliciosos distribuem scareware
Golpes via WhatsApp são muito comuns, especialmente no Brasil
Um dos recursos mais usados por criminosos para disseminar ataques em redes sociais e aplicativos populares é prometer recursos que ainda não existem, e ainda usar engenharia social para que os próprios usuários disseminem o golpe. A Kaspersky Lab acaba de identificar um novo golpe circulando entre usuários do WhatsApp, prometendo um suposto recurso de ‘Video Chamada’, que por enquanto não existe no programa de mensagens instantâneas. A mensagem chega às vítimas por meio de algum contato.
Falso convite
Ao acessar o link, o usuário verá uma página com formato específico para dispositivos móveis e que irá solicitar o número de telefone para continuar.
WhatsApp
O site malicioso informa que para receber o suposto recurso, é necessário convidar dez amigos ou compartilhar o convite em três grupos para ativa-lo. Ao completar esta etapa, o usuário será direcionado para diversas redes de afiliados cuja finalidade será oferecer a instalação de softwares de origens duvidosas para serem baixados no telefone. As mensagens usam a técnica do medo para assustar o usuário para que o download seja concretizado, esta tática é típica de um scareware - campanha que visa alavancar um software suspeito ou com benefícios limitados.
Falsa atualização
A oferta do software muda de acordo com o sistema operacional móvel usado pelo usuário. Se o acesso for feito com um Android, a mensagem exibida será outra.
Atualização falsa 2
“Essa campanha segue o mesmo estilo de outras campanhas maliciosas que encontramos disseminadas via WhatsApp”, afirma Fabio Assolini, analista sênior de segurança da Kaspersky Lab no Brasil. “Isso demonstra que os golpes anteriores foram bem-sucedidos e que os cibercriminosos seguem com a mesma tática de usar um tema popular para disseminar scareware. Outro agravante foi que encontramos empresas de software legítimos se valendo dessa abordagem para forçar a instalação e distribuição do seu software no Brasil.”
O analista ainda alerta para outro fator importante: golpe solicita o número de telefone da vítima. “Com essa informação os criminosos podem inscrever a linha em serviços premium, que irão cobrar taxas das vítimas, diminuindo o saldo da linha ou enviando a cobrança na conta mensal”, alerta Assolini.
Os usuários do Kaspersky Internet Security for Android estão protegidos contra o golpe – todos os domínios usados nessa campanha de scareware são bloqueados via KSN, a proteção em nuvem da empresa.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Lula aparece como vítima e fala só de crise na propaganda do PT

Partido leva ao ar nesta terça programa com defesa do ex-presidente investigado pelo Ministério Público e menção lateral da presidente Dilma Rousseff

Por: Felipe Frazão, de Brasília
Lula é vitimizado na propaganda do PT, que irá ao ar na TV em 23/02/2016
Lula é vitimizado na propaganda do PT, que irá ao ar na TV em 23/02/2016(Reprodução/VEJA)
O PT divulgou nesta segunda-feira o programa partidário de dez minutos que levará ao ar nesta terça-feira em cadeia nacional de TV. O programa dedica quase 2 minutos e 30 segundos para defender o ex-presidente Lula das investigações sobre negócios nebulosos que o colocaram na mira do Ministério Público (MP) em Brasília, São Paulo e Curitiba. Ele é tratado como vítima de "ataques e calúnias". Ao contrário da presidente Dilma Rousseff, que é citada apenas lateralmente na propaganda e aparece em duas fotografias, Lula gravou um depoimento. Ele, no entanto, ignora as acusações e fala sobre sobre a crise econômica que se agrava no atual governo petista.
"De um tempo para cá parece que virou moda falar mal do Brasil. As pessoas que ficam falando em crise, crise, crise, repetem isso todo santo dia e ficam minando a confiança no Brasil. É verdade que erramos, mas acertamos muito mais", diz Lula, que atribui a "gente que não gosta de dividir a poltrona do avião" a falta de credibilidade do governo para recuperar a economia - confirmada com seguidos rebaixamentos de notas de agências de classificação de risco.
Com uma série de fotografias de Lula de fundo, o locutor do comercial petista classifica como "ofensas e acusações de preconceituosos" as diversas frentes de apuração oficiais contra o ex-presidente, como as investigações sobre tráfico de influência internacional, sobre o tríplex e o sítio em nome de sócios de um dos filhos de Lula e sobre as medidas provisórias que beneficiaram o setor automotivo, aprovadas, conforme o MP, com pagamento de propina.
"Os que hoje tentam manchar sua história, Lula, são os mesmos de ontem. Os preconceituosos que nunca aceitaram suas ideias e suas origens. Mas não vão conseguir. As ofensas, as acusações, a privacidade invadida. Tudo isso passa, Lula", afirma o PT.
Além de Lula, o PT só levará ao ar um depoimento de outro cacique, o presidente nacional do partido, Rui Falcão. "Não vamos permitir que dificuldades passageiras tragam insegurança para as famílias brasileiras. Estamos trabalhando para fazer o país voltar a crescer", diz ele.
O programa do partido também recupera os argumentos já desgastados durante a campanha eleitoral de 2014 e cita novamente a crise econômica mundial de 2008 para justificar o enfraquecimento da economia brasileira.
Coube a apresentadores contratados pelo PT vocalizar reclamações contra as investigações que ameaçam o projeto petista de manutenção no poder e o mandato da presidente Dilma. "Por que tanto ódio e intolerância contra um partido? Erros se corrigem e dificuldades passam, o povo sabe disso." Eles afirmam que opositores tentam anular as eleições e querem "ganhar no tapetão" com recontagem de votos, além de instalar uma comissão de impeachment "na marra".

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Mensagens provam que OAS bancou reformas para Lula

Lava-Jato localiza diálogos de empreiteiro com seus funcionários sobre as exigências de Lula, o “chefe”, e Marisa, a “madame”, nas reformas do sítio em Atibaia e do tríplex no Guarujá

Por: Rodrigo Rangel
O ex-presidente Lula e sua mulher Marisa Letícia: o chefe e a madame
O ex-presidente Lula e sua mulher Marisa Letícia: o chefe e a madame(Ricardo Stuckert/AP)
Em fevereiro de 2014, as obras do Edifício Solaris, no Guarujá, tinham acabado de ser concluídas. A OAS era a empreiteira responsável. O apartamento 164-A, embora novo em folha, já passava por uma reforma. Ganharia acabamento requintado, equipamentos de lazer, mobília especialmente sob encomenda e um elevador privativo. Pouca gente sabia que o futuro ocupante da cobertura tríplex de frente para o mar seria o ex-presidente Lula. Era tudo feito com absoluta discrição. Lula, a esposa, Marisa Letícia, e os filhos visitavam as obras, sugeriam modificações e faziam planos de passar o réveillon contemplando uma das vistas mais belas do litoral paulista. A OAS cuidava do resto. Em fevereiro de 2014, a reforma do sítio em Atibaia onde Lula e Marisa descansavam nos fins de semana já estava concluída. O lugar ganhou lago, campo de futebol, tanque de pesca, pedalinhos, mobília nova. Como no tríplex, faltavam apenas os armários da cozinha.
Os planos da família, porém, sofreram uma mudança radical a partir de março daquele ano, quando a Operação Lava-Jato revelou que um grupo de empreiteiras, entre elas a OAS, se juntou a um grupo de políticos do governo, entre eles Lula, para patrocinar o maior escândalo de corrupção da história do país. As ligações e as relações financeiras entre Lula e a OAS precisavam ser apagadas. Como explicar que, de uma hora para outra, o tríplex visitado pela família e decorado pela família não pertencia mais à família? Teria havido apenas uma opção de compra. O mesmo valia para o sítio de Atibaia - reformado ao gosto de Lula, decorado seguindo orientações da ex-primeira-dama e frequentado pela família desde que deixou o Planalto. Em 2014, os Lula da Silva passaram metade de todos os fins de semana do ano no sítio de Atibaia.
Por que Lula e Marisa deram as diretrizes para as reformas no tríplex do Guarujá e no sítio de Atibaia se não são seus donos? Por que a OAS, que tem seu presidente e outros executivos condenados por crimes na Operação Lava-Jato, gastou milhões com Lula? O Ministério Público acredita que está chegando perto das respostas a essas perguntas - a que o próprio Lula se recusou a responder, evadindo-se do depoimento que deveria prestar sobre o assunto na semana passada. Para o MP, Lula se valeu da construtora e de amigos para ocultar patrimônio. Os investigadores da Lava-Jato encontraram evidências concretas disso. Mensagens descobertas no aparelho celular do empreiteiro da OAS Léo Pinheiro, um dos condenados no escândalo de corrupção da Petrobras, detalham como a empresa fez as reformas e mobiliou os imóveis do Guarujá e de Atibaia, seguindo as diretrizes do "chefe" e da "madame" - Lula e Marisa Letícia, segundo os policiais.
Em fevereiro de 2014, Léo Pinheiro era presidente da OAS, responsável pela condução de um império que já teve quase 70 000 trabalhadores, em 21 países, construindo plataformas de petróleo, hidrelétricas, estradas e grandes usinas. Àquela altura, porém, ele estava preocupado com uma empreitada bem mais modesta. A instalação de armários de cozinha em dois locais distintos: Guarujá e Atibaia - a "cozinha do chefe". O assunto, de tão delicado, estava sendo discutido com Paulo Gordilho, outro diretor da empreiteira, que avisa: "O projeto da cozinha do chefe está pronto". E pergunta se pode marcar uma reunião com a "madame". Pinheiro sugere que a reunião aconteça um dia depois e pede ao subordinado que cheque "se o do Guarujá está pronto". Seria bom se estivesse. Gordilho responde que sim. No dia seguinte, o diretor pergunta a Léo Pinheiro se a reunião estava confirmada. "Vamos sair a que horas?", quer saber. "O Fábio ligou desmarcando. Em princípio será às 14 hs na segunda. Estou vendo, pois vou para Uruguai", responde o presidente da empreiteira.
Para a polícia, os diálogos são autoexplicativos. No início de 2014, a OAS concluiu a construção do edifício Solaris, onde fica o tríplex de Lula, o "chefe". A partir daí, por orientação da "Madame", a ex-primeira-dama Marisa Letícia, a empreiteira iniciou a reforma e a colocação de mobília no apartamento, a exemplo do que já vinha fazendo no sítio de Atibaia. "Fábio", segundo os investigadores, é Fábio Luís, o Lulinha, filho mais velho do casal. Em companhia dos pais, ele visitou as obras, participou da discussão dos projetos e, sabe-se agora, era a ponte com a família sempre que Léo Pinheiro e a OAS precisavam resolver detalhes dos serviços. Para não incomodar o "chefe" com assuntos comezinhos, a OAS tratava das minúcias diretamente com Marisa e Lulinha. Léo Pinheiro, o poderoso empreiteiro, fazia questão de ter controle sobre cada etapa da reforma. Quando havia uma mudança no projeto, ele era informado. "A modificação da cozinha que te mandei é optativa. Puxando e ampliando para lateral. Com isto (sic) fica tudo com forro de gesso e não esconde a estrutura do telhado na zona da sala", informa Gordilho. Pela data da mensagem, ele se referia ao projeto do sítio de Atibaia.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

O arsenal de Moro


Quase duas mil páginas de documentos, encaminhados pelo juiz da Lava Jato ao TSE, indicam o uso de pagamento de propina nas campanhas de Dilma por meio de doações oficiais

Marcelo Rocha
Na última semana, veio à tona a informação de que o juiz Sérgio Moro enviou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em outubro, documentos relacionados à Operação Lava Jato a fim de subsidiar o processo na corte que investiga se dinheiro da corrupção na Petrobras abasteceu o caixa eleitoral da presidente Dilma Rousseff. É crime, se comprovada tal suspeita. E motivo suficiente para a cassação da chapa Dilma-Temer. Num ofício de três páginas, Moro destacou que, em uma de suas sentenças, ficou comprovado o repasse de propinas por meio de doações eleitorais registradas, o chamado caixa oficial. E apontou o caminho que o TSE deve trilhar para atestar o esquema, qual seja: ouvir os principais delatores. O que dá força e materialidade às assertivas de Moro são dez ações penais, anexas ao ofício enviado ao TSE, às quais ISTOÉ teve acesso. O calhamaço, com 1.971 páginas, reúne depoimentos, notas fiscais, recibos eleitorais e transferências bancárias. A documentação reforça que as propinas do Petrolão irrigaram a campanha de Dilma e que o dinheiro foi lavado na bacia das doações eleitorais oficiais. De acordo com as provas encaminhadas por Moro, a prática, adotada desde 2008, serviu para abastecer as campanhas de Dilma em 2010 e 2014.
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Sobre a campanha de 2014, constam dos documentos em poder dos ministros do TSE uma troca de mensagens em que Ricardo Pessoa, da UTC, discute com Walmir Pinheiro, diretor financeiro da empreiteira, detalhes sobre a transferência de R$ 7,5 milhões à campanha de Dilma. As mensagens indicam que as doações da UTC para a candidata à reeleição estavam diretamente associadas ao recebimento de valores desviados da Petrobras, estatal que é tratada por Pinheiro na conversa como “PB”. “RP (Ricardo Pessoa), posso resgatar o que fizemos de doações esta semana?? Ta pesado e não entrou um valor da PB que estava previsto para hj, +/- 5 mm”, questiona o executivo, que foi preso em novembro de 2014 durante a Operação Juízo Final. O dono da UTC concorda: “Ok. Pode”. Na papelada em exame pelo TSE, além das mensagens, há um registro à caneta confirmando os dois repasses de R$ 2,5 milhões à campanha de Dilma em 2014. Em depoimento à Justiça Federal, prestado no ano passado, Pessoa disse que foi persuadido a doar para a campanha à reeleição da presidente, sob pena de ver cancelados contratos milionários da UTC com a Petrobras. Segundo o empreiteiro, diante das pressões, as doações oficiais – via caixa um – para a campanha de Dilma foram acertados em R$ 10 milhões, mas apenas R$ 7,5 milhões foram pagos. A parte restante não foi depositada porque o empresário acabou preso pela Operação Lava Jato em novembro de 2014. Em setembro do ano passado, Pessoa esteve na Justiça Eleitoral para prestar depoimento, mas permaneceu em silêncio em razão das restrições impostas pelo acordo de colaboração firmado com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, mas em petição o PSDB, por meio de seus advogados, insiste para que este material, envolvendo o dono da UTC, seja considerado pelo TSE.
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E AGORA, TSE?
Para Sérgio Moro, tribunal deve ouvir delatores que confirmaram fraude eleitoral
Houve condenação em três das dez ações penais encaminhadas por Moro à Justiça Eleitoral. Especialistas ouvidos por ISTOÉ fazem o seguinte raciocínio: as mesmas provas que serviram para condenar quem pagou propina, e quem intermediou o pagamento, também devem servir para condenar quem se favoreceu do propinoduto. Um dos processos encaminhados por Moro implica severamente a primeira campanha de Dilma e ilustra o funcionamento do esquema. Trata-se do processo em que o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto foi condenado por organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro. Segundo a sentença assinada por Moro, comprovou-se que dinheiro ilícito foi lavado pelos acusados na forma de doação partidária. Entre 2008 e 2012, empresa ligada ao Grupo Setal, do delator Augusto Mendonça, repassou R$ 4,25 milhões ao diretório nacional do PT, dos quais R$ 1,6 milhão entre janeiro e julho de 2010, ano em que Dilma foi eleita presidente da República.
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“Augusto Mendonça esclareceu que fez essas supostas “doações”, que eram pagamentos de propina, a pedido de Renato Duque (ex-diretor de Serviços da Petrobras) e com o auxílio de João Vaccari”, afirmaram os procuradores da República que integram a força-tarefa da Lava Jato no Paraná. “Cada pagamento era deduzido do montante de propina devido. O momento das propinas e os valores eram indicados por Renato Duque, enquanto as contas e Diretórios do PT que recebiam os pagamentos eram indicados por João Vaccari.” De acordo com os representantes do Ministério Público Federal, os repasses ao PT ocorrem em datas próximas a pagamentos liberados pela Petrobras aos consórcios Interpar e Intercom, dos quais faziam parte empresas do Grupo Setal. Segundo a documentação enviada pelo juiz da Lava Jato, as doações ao Diretório Nacional do PT foram feitas por empresas controladas por Augusto Mendonça, entre elas a PEM Engenharia.
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Logo depois que a Petrobras efetuou pagamentos ao consórcio de empresas que integravam a Setal, foram realizadas quatro doações nos dias 7, 8, 9 e 10 de abril de 2010. Há registros de todas elas. Um dos recibos, ao qual ISTOÉ teve acesso, atesta o repasse de R$ 50 mil no dia 7 de abril de 2010 para o Diretório Nacional petista, responsável por centralizar as doações destinadas à campanha de Dilma. Ainda de acordo com o material disponibilizado por Moro ao TSE, “analisando as doações, chama a atenção que, para alguns períodos, eles aparentam ser alguma espécie de parcelamento de uma dívida, como as doações mensais de R$ 60.000,00 entre 06/2009 a 01/2010 ou entre 04/2010 a 07/2010”. Nos anexos da Lava Jato, obtidos por ISTOÉ, há os comprovantes de transferências bancárias pela Setal no valor de R$ 60 mil por meio da modalidade TED.
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As evidências do pagamento de propina à campanha petista por meio de doações oficiais aparecem ainda no processo criminal, anexado por Moro, em que são acusados de corrupção e lavagem de dinheiro o ex-ministro José Dirceu e executivos da Engevix, empreiteira acusada de fazer parte do cartel que fraudou licitações da Petrobras. Em delação premiada, um dos donos da empresa, Gerson Almada afirmou que, a pedido do lobista Milton Pascowitch, ligado a Dirceu, efetuou doações ao PT “nas épocas das eleições ou em dificuldades de caixa do partido”. No conjunto de documentos, em análise pelo TSE a pedido do juiz da Lava Jato, há ainda uma ação em que constam como réus dirigentes da empreiteira Andrade Gutierrez. Nela, os representantes do MPF incluíram um organograma que revela um fluxo de R$ 9 milhões em propina, dos quais R$ 5,29 milhões teriam abastecido as arcas do PT. A iminente revelação das relações do governo petista com a Andrade tira o sono dos auxiliares da presidente. Recentemente, o PSDB, autor de ações contra Dilma na seara eleitoral, ingressou com uma petição no TSE pedindo que o conteúdo da delação premiada dos executivos da Andrade seja enviado à corte eleitoral. Este material promete ser tóxico para o Planalto. É que os executivos da empreiteira prometeram revelar informações sobre pedidos de doações eleitorais para a campanha de Dilma em 2010 e 2014.
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GERENTE DELATOR 
Pedro Barusco, ex-gerente da petrobras, confirmou repasses por meio de Vaccari
Além da ação de impugnação de mandato eletivo, a presidente responde no TSE a duas ações de investigação judicial eleitoral. As acusações atingem a chapa presidencial, incluindo, portanto, o vice, Michel Temer (PMDB-SP). A tendência é a de que a ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora do caso, reúna tudo num único procedimento. Cabe à ministra decidir também se leva adiante a sugestão do juiz Sérgio Moro de ouvir delatores da Lava Jato. No tribunal, a expectativa é que os delatores sejam chamados a depor. Entre eles, Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco e Augusto Mendonça. Os advogados do PSDB articulam estratégia de recorrer ao plenário, caso a relatora ignore os documentos encaminhados por Moro. A defesa de Dilma contesta a admissibilidade das informações relativas à Operação Lava Jato. Um dos principais argumentos apresentados pela defesa da presidente é de que a sugestão de que colaboradores da Lava Jato sejam ouvidos pelo TSE seria uma tentativa de contaminar o julgamento eleitoral a partir de uma investigação já em andamento na Justiça Criminal. Mera firula jurídica. Entre autoridades em direito eleitoral ouvidas pela ISTOÉ é unânime a avaliação de que é, sim, responsabilidade da Justiça Eleitoral analisar casos em que há indicações de abuso de poder econômico e político na arrecadação de fundos de campanha.
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O ex-procurador-geral do Maranhão Ulisses César Martins de Sousa cita o Artigo 14 da Constituição, que prevê o cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo quando apresentadas provas de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude. “Portanto, diante dos indícios de irregularidades é perfeitamente cabível o manejo da ação referida visando apurar a licitude – ou ilicitude - das doações eleitorais destinadas à campanha da presidente”, afirma. “Não se trata aqui de examinar o aspecto penal envolvido no exame da licitude de tais doações. A discussão busca apurar se tais doações configuram o abuso de poder econômico e político, que autoriza a cassação dos mandatos eletivos. Tal debate não depende do julgamento das ações penais onde também é apurada a ilicitude dessas doações.” A mesma avaliação é feita pelo sócio fundador do Instituto de Direito Político e Eleitoral (IDPE) e sócio do escritório Tosto e Barros Advogados, Eduardo Nobre. De acordo com ele, o entendimento adotado pela maioria do TSE ao reabrir a ação do PSDB que pede a impugnação dos mandatos de Dilma e Temer revelou que a Corte entende que é de sua alçada a investigação acerca da origem das verbas eleitorais.
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NOVA FASE 
TSE, que será presidido pelo ministro Gilmar Mendes, deve acatar 
sugestão de Sérgio Moro para ouvir delatores da Lava Jato
Em parecer enviado ao TSE na semana passada, o vice-procurador-geral eleitoral, Eugênio Aragão, rebateu a alegação dos advogados de Dilma e se manifestou favorável ao compartilhamento das informações da Lava Jato. De acordo com Aragão, é fajuto o argumento do PT de que a documentação não pode ser admitida como prova emprestada. Assim que esse arsenal de informações e documentos for admitido e reconhecido pelos ministros do TSE, a chapa Dilma e Temer correrá sérios perigos.
Colaborou Mel Bleil Gallo 
FOTOS: IGO ESTRELA, AFP PHOTO/EVARISTO SA/AFP/EVARISTO SA; PEDRO LADEIRA/FOLHAPRESS, LINCON ZARBIETTI/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO; PEDRO LADEIRA/FOLHAPRESS; ALAN MARQUES/FOLHAPRESS; AILTON DE FREITAS/AGÊNCIA O GLOBO

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Lula fez tráfico de influência em favor da Odebrecht, diz MPF

Em inquérito sigiloso, obtido por ÉPOCA, investigadores afirmam que o ex-presidente fez parte de um modus operandi criminoso – e que foi remunerado com contrato fajuto

THIAGO BRONZATTO
Nos últimos meses, os procuradores do Núcleo de Combate à Corrupção em Brasília dedicaram-se intensa e discretamente à investigação criminal sobre as suspeitas de tráfico de influência internacional do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em favor da Odebrecht. Com a ajuda de peritos e de outros procuradores, como aqueles que integram a Força-Tarefa da Lava Jato, recolheram centenas de páginas de documentos das empresas de Lula, da Odebrecht e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, que liberava o dinheiro indiretamente à empreiteira. Analisaram telegramas diplomáticos sobre a atuação de Lula e dos executivos da Odebrecht no exterior, descobriram notas fiscais e mapearam as viagens e os encontros dos investigados. Ouviram as versões de Lula e receberam as defesas da Odebrecht e do BNDES. Apesar da complexidade do caso, o exame detido das provas colhidas até o momento conduziu os procuradores a uma conclusão: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cometeu o crime de tráfico de influência.
DISFARCE Trecho de inquérito  do Ministério Público. A investigação diz que a empresa de Lula pagou impostos para dar aparência legal ao tráfico de influência (Foto: Ricardo Moraes/Reuters)
DISFARCE Trecho de inquérito  do Ministério Público. A investigação diz que a empresa de Lula pagou impostos para dar aparência legal ao tráfico de influência (Foto: Revista ÉPOCA/Reprodução)
>> Os contratos milionários de Lula com a Odebrecht
ÉPOCA obteve acesso à íntegra das investigações. Além de documentos acerca das três partes investigadas (Lula, Odebrecht e BNDES), a papelada inclui perícias da equipe do Ministério Público Federal, auditorias inéditas do Tribunal de Contas da União, relatórios da Polícia Federal e despachos em que os procuradores analisam detidamente as evidências do caso. Na papelada, os procuradores afirmam que:
- Havia um “modus operandi criminoso” na atuação de Lula, dos executivos da Odebrecht e dos diretores do BNDES para liberar dinheiro do banco à empreiteira;
- Lula praticou o crime de tráfico de influência em favor da Odebrecht;
- Lula vendeu sua “influência política” à Odebrecht por R$ 7 milhões;
- O contrato de palestras entre uma empresa de Lula e a Odebrecht serviu para “dar aparência de legalidade” ao tráfico de influência;
- O BNDES aprovava com velocidade incomum – até 49% acima da média – os financiamentos que envolviam gestões de Lula e interessavam à Odebrecht.
>> Documentos secretos mostram como Lula intermediou negócios da Odebrecht em Cuba
DINHEIRO RÁPIDO PARA CUBA Os procuradores afirmam que a Odebrecht usou a influência de Lula para obter empréstimos no BNDES. Em 2011, Lula foi a Cuba encontrar Raúl e Fidel Castro e, um mês depois, reuniu-se com o presidente do BNDES, Luciano Coutinho (Foto: Desmond Boylan/Reuters)
Embora fundamentadas em meses de trabalhos, as constatações dos procuradores ainda não são definitivas. Eles ainda estão produzindo outros tipos de provas, de modo a embasar firmemente uma denúncia contra Lula, diretores da Odebrecht e executivos do BNDES. Não há prazo para que isso aconteça, nem certeza sobre o que de fato acontecerá, mas a investigação corre velozmente. Ela começou em abril do ano passado, e foi revelada por ÉPOCA. O objetivo do inquérito era apurar a suspeita de que Lula, após deixar o Planalto, em 2011, passara a atuar como operador da Odebrecht junto a governos amigos, de modo a destravar contratos da empreiteira no exterior, sempre financiados pelo BNDES. Lula, segundo os primeiros indícios que levaram à abertura do caso, agia nas duas pontas. Ele usava sua influência política para assegurar a liberação de financiamentos no BNDES em condições camaradas e, ao mesmo tempo, convencer ditadores e presidentes amigos a repassar o dinheiro à empreiteira sem dificuldades. Se comprovada, essa prática é crime, com pena de dois a cinco anos de prisão. Chama-se tráfico de influência.
No decorrer da investigação, surgiram evidências que corroboravam a suspeita inicial. Descobriu-se que Lula viajava em jatinhos da Odebrecht para se encontrar com os presidentes amigos e que era bancado pela empreiteira para “dar palestras” nessas ocasiões. Descobriu-se, em seguida, por meio dos relatos dos diplomatas que acompanhavam essas reuniões no exterior, que Lula fazia gestões favoráveis à Odebrecht junto aos chefes de Estado e, ademais, prometia convencer até a presidente Dilma Rousseff a “ajudar” nos contratos. Foi o que aconteceu em países como Cuba, Venezuela e República Dominicana, por exemplo. Descobriu-se, por fim, um padrão: logo após as “palestras” de Lula e os encontros com presidentes e ditadores, o BNDES liberava parcelas do financiamento ao país visitado – empréstimos sempre à Odebrecht, e, na maioria dos casos, ao arrepio de normas técnicas do governo brasileiro.
>> Lula e seu companheiro de viagens – o lobista da Odebrecht Alexandrino Alencar
O “modus operandi criminoso”
Esse padrão é qualificado pelos procuradores de “modus operandi criminoso”, num dos despachos mais recentes sobre o caso (leia o trecho acima). “Tais informações (...) revelaram que semelhante modus operandi para obtenção dos financiamentos públicos – tais como pagamento de despesas de viagens internacionais, contratação de serviços de palestras no valor de mais de R$ 7 milhões, reunião com autoridades públicas de países estrangeiros acompanhadas de diretores da construtora e concessão dos financiamentos arriscados e com violação a normas internas do Senado Federal e do BNDES – foi praticado em relação a obras de interesse da Odebrecht em outros países da América Latina (tais como Venezuela, Panamá, Equador etc.) e da África (Angola, Moçambique etc.)”, diz o MPF no documento. Em outro despacho, explica-se que os procuradores “estão a investigar delitos conexos, praticados (…) pelo ex-presidente da República, diretores da Odebrecht e agentes do BNDES”. As palavras são fortes porque, diante das provas, os procuradores estão convencidos de que têm um caso sólido.
>> Relatório do TCU aponta irregularidades em obras da Odebrecht na Venezuela
No período em que a Odebrecht contratou Lula, ela recebeu US$ 7,4 bilhões do BNDES, divididos em 52 contratos fora do Brasil. A construtora investigada na Lava Jato pagou R$ 4 milhões para a L.I.L.S., empresa de palestras de Lula, e ainda arcou com despesas no valor de US$ 1,2 milhão e e 40.331 com fretamentos de aeronaves, carros e hospedagens. Na superfície, o ex-presidente era patrocinado pela empreiteira para dar palestras em países onde a empresa possui obras de infraestrutura. Uma perícia do MPF demonstra que, no período em que Lula foi contratado pela Odebrecht, a empreiteira passou a conseguir dinheiro do BNDES com incomum rapidez. Os peritos analisaram 30 operações de crédito realizadas pelo banco estatal em nome da Odebrecht. No BNDES, o tempo médio de um processo desse tipo é de 488 dias. A perícia aponta que 17 das 30 transações da Odebrecht estão abaixo do prazo de tramitação comum. Entre elas, está um empréstimo de US$ 229 milhões concedido em maio de 2013, para a controversa ampliação do Porto de Mariel – que, ao todo, levou 176 dias, desde a solicitação até a assinatura dos contratos.
O padrão, ou modus operandi, identificado pelos procuradores começou quando Lula ainda estava no Planalto. Um exemplo disso é o financiamento no valor de US$ 747,1 milhões liberado pelo BNDES, em novembro de 2009, para a Odebrecht construir duas linhas de metrô na Venezuela. Essa operação foi fruto de um encontro realizado seis meses antes, em maio de 2009, entre Lula e o então presidente venezuelano, Hugo Chávez. Os dois governantes se encontraram em Salvador, na Bahia, onde acertaram que o banco estatal teria maior participação nos investimentos em infraestrutura no país vizinho. Tão logo as obras começaram, a Odebrecht recebeu pagamentos antecipados, que não correspondiam ao avanço físico do projeto, um fator atípico em relação aos procedimentos internos do BNDES. O caso passou a ser investigado pelo Tribunal de Contas da União, conforme revelou ÉPOCA em abril do ano passado.
CHÁVEZ PAGA A DÍVIDA Em junho de 2011, a Odebrecht bancou uma viagem de Lula à Venezuela para uma palestra (Foto: Desmond Boylan/Reuters)
Em meados de 2011, o governo venezuelano atrasava os pagamentos para a Odebrecht – e acumulava dívidas de cerca de US$ 1 bilhão. Em junho daquele ano, a construtora bancou uma viagem e contratou Lula para dar uma palestra no país. De acordo com telegramas secretos e inéditos do Itamaraty, dias antes da visita do ex-presidente brasileiro a Caracas o então chanceler da Venezuela, Nicolás Maduro, disse a um diplomata brasileiro que recebeu instruções de Chávez para “saldar as dívidas com a Odebrecht”. Lula se reuniu no mesmo dia com Emílio Odebrecht, pai de Marcelo Odebrecht, preso na Lava Jato, e com Chávez. No dia seguinte a esse encontro, o embaixador José Antônio Marcondes de Carvalho informou numa mensagem diplomática reservada: “Obtive confirmação hoje sobre o equacionamento da dívida do governo venezuelano com a construtora brasileira Odebrecht”. Em 14 de junho daquele ano, Lula emitiu uma nota no valor de R$ 359.281,44, declarando que prestou serviços como palestrante para a Odebrecht na Venezuela. Em julho, Luciano Coutinho, presidente do BNDES nomeado para o cargo pelo petista, se reuniu com o ex-presidente no Instituto Lula.
Para os procuradores, não se trata de uma mera coincidência. “A construtora valeu-se da influência e do trânsito do ex-presidente Lula para poder obter o pagamento de quantia recebida pelo país do BNDES”, diz um dos despachos do MPF.
Segundo o MPF, o contrato de Lula para dar palestras não convence. O que rendeu ao ex-presidente os R$ 359 mil pela palestra na Venezuela é um pequeno pedaço de papel, supostamente assinado em 1o de maio daquele ano, Dia do Trabalho, pouco antes da viagem. Nesse contrato, também chama a atenção que dentre as testemunhas que subscreveram o acordo está Alexandrino Alencar, lobista da Odebrecht. Alexandrino era o companheiro de viagens de Lula. Ele esteve, por exemplo, ao lado do ex-presidente em reuniões com autoridades no Peru em junho de 2013. Os dois companheiros caíram num grampo da Lava Jato em que demonstravam, numa conversa telefônica, certa preocupação com as notícias envolvendo o BNDES. O lobista foi preso em junho de 2015, com Marcelo Odebrecht, e foi liberado quatro meses depois em decisão do Supremo Tribunal Federal.
E assim, pela primeira vez, produziu-se um documento oficial que qualifica como “criminosa” a relação de Lula com a principal empreiteira do petrolão. Segundo o despacho, a empresa de palestras de Lula “emitiu nota fiscal contendo recolhimento dos tributos devidos sob a operação a fim de dar aparência de legalidade à remuneração paga pelo tráfico de influência exercido por Lula em favor da Odebrecht na Venezuela”.
EX-PRESIDENTE COM BOM TRÂNSITO No período em que contratou Lula,  a construtora de Marcelo Odebrecht (acima) obteve US$ 7,4 bilhões em 52 contratos de financiamento no BNDES para obras suas no exterior (Foto: Luis Ushirobira/Valor)
O homem de Lula no BNDES
A relação entre Lula, a Odebrecht e Luciano Coutinho, presidente do BNDES, é detalhada pelos investigadores. Um laudo produzido por peritos do MPF cotejou as agendas oficiais de Coutinho com as datas das viagens do ex-presidente para países onde há obras da Odebrecht financiadas pelo BNDES. “Ao relacionar as datas das etapas do processamento das operações de financiamento com as visitas do ex-presidente Lula a países com projetos financiados pelo BNDES e com os encontros oficiais de Luiz Inácio com o mandatário do BNDES, pode-se verificar uma proximidade temporal entre os eventos”, diz o relatório dos peritos do MPF. Foram identificadas ao menos oito reuniões que contaram com a participação de Lula e Coutinho. A maior parte delas ocorreu na sede do Instituto Lula, em São Paulo. Os eventos foram nomeados oficialmente de “Conversas sobre a Conjuntura Econômica”. Mas alguns não constavam da agenda oficial de Coutinho.
Um desses encontros ocorreu no dia 15 de julho de 2011. Cerca de um mês antes, Lula viajara para Cuba, onde visitara o Porto de Mariel, empreendimento sob responsabilidade da Odebrecht, e levara de volta para o Brasil uma carta endereçada ao então ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, com um pedido de dinheiro para um projeto da empreiteira na ilha. Em agosto daquele mesmo ano, ou seja, dois meses após a visita de Lula a Cuba e no mês seguinte à reunião do ex-presidente com Coutinho no Instituto Lula, o BNDES liberou uma parcela no valor de R$ 150 milhões referente à modernização do Porto de Mariel. Para quem está acostumado aos prazos da burocracia, pareceu um recorde. E foi. É essa sincronia de fatos que leva os procuradores a usar expressões como “modus operandi criminoso”.
Outro caso que chamou a atenção dos peritos foi o financiamento de US$ 136,9 milhões, liberado pelo BNDES em 21 de agosto de 2013 para a Odebrecht desenvolver um projeto de irrigação no Equador. O tempo total do procedimento foi de 217 dias, quase metade do prazo médio. Pouco antes, em 6 de junho de 2013, Lula viajara para o Equador, onde se encontrara com o presidente do país, Rafael Correa.
Em Angola, a relação entre Lula e a Odebrecht se estendeu também para um sobrinho do ex-presidente. A empreiteira assinou 11 contratos e oito aditivos com a empresa Exergia, que tem como sócio Taiguara Rodrigues dos Santos, filho do irmão da primeira mulher de Lula. Em dezembro de 2012, a construtora brasileira apresentou ao BNDES o pedido de financiamento do projeto de aproveitamento hidroelétrico de Laúca. No início de 2013, a Odebrecht subcontratou a Exergia. A operação de crédito foi aprovada em 26 de novembro daquele ano e liberada somente em agosto de 2014, três meses após a visita do ex-presidente Lula a Angola, em 7 de maio de 2014. A viagem de Lula ao país africano foi bancada pela Odebrecht, que desembolsou R$ 479.041,92 pela palestra Gestão dos programas Fome Zero e Bolsa Família. Durante sua visita a Angola, Lula foi acompanhado por Emílio Odebrecht e se encontrou com o presidente angolano José Eduardo Santos, com quem falou sobre financiamentos do BNDES, de acordo com documentos diplomáticos. Dias depois, em 26 de maio, a Exergia firmou novo contrato com a Odebrecht no valor de R$ 2,4 milhões. Em depoimento à CPI do BNDES, em outubro de 2015,  Taiguara reconheceu que prestou serviços à Odebrecht.
Procurada, a Odebrecht disse que “prestou as informações solicitadas pelo Ministério Público Federal em inquérito que corre em sigilo e reafirma que mantém uma relação institucional e transparente com o ex-presidente Lula”. A construtora ainda afirmou que “o ex-presidente foi convidado pela empresa para fazer palestras para empresários, investidores e líderes políticos sobre as potencialidades do Brasil e das empresas do país, exatamente, o que têm feito presidentes e ex-presidentes de outros países, como Estados Unidos, França e Espanha”. Sobre a contratação da Exergia em Angola, a Odebrecht disse que a escolha foi baseada na capacidade técnica da empresa para execução dos serviços necessários. “O senhor Taiguara Rodrigues dos Santos nunca foi contratado diretamente para a execução de nenhum desses serviços. Nas diligências de contratação realizadas pela empresa não foi apontado parentesco com o ex-presidente Lula.”
A assessoria do BNDES, por sua vez, disse que Luciano Coutinho discutiu apenas cenários econômicos nas reuniões que teve no Instituto Lula: “A ocorrência desses encontros é pública e notória e a prática do Instituto de sediá-los é usual, tanto com autoridades do governo quanto com acadêmicos ou representantes do setor privado”. O BNDES assegurou que não há qualquer relação entre a visita do presidente Luciano Coutinho ao Instituto Lula e a concessão de crédito para Cuba. “O financiamento do BNDES às exportações de bens e serviços brasileiros na obra do Porto de Mariel já estava em curso”, disse o banco. “Qualquer tentativa de estabelecer vínculos entre a concessão de financiamento pelo BNDES e supostas gestões do ex-presidente Lula junto ao presidente Luciano Coutinho não tem fundamento lógico e é absolutamente leviana. O ex-presidente Lula não interferiu, nem poderia ter interferido, em nenhum processo do BNDES.” A respeito das operações de crédito que tiveram uma aprovação num prazo acima da média, o banco afirmou que “é normal que haja variação entre os prazos de tramitação de operações, em função das características de cada projeto”. Especificamente sobre a obra do metrô da Venezuela, o BNDES disse que os financiamentos “seguiram todas as práticas usuais do banco, sem qualquer excepcionalidade ou descumprimento de regras, e com as garantias adequadas”.
Procurado, o ex-presidente Lula não quis se manifestar.
MPF Investigação parte 1 (Foto: reprodução)
MPF Investigação parte 2 (Foto: reprodução)
MPF Investigação parte 3 (Foto: reprodução)
MPF Investigação parte 4 (Foto: reprodução)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Corte no Orçamento será de R$ 25 bi, dizem fontes

Segundo a agência 'Reuters', anúncio do contingenciamento, que ocorreria em março, pode ocorrer já nesta sexta-feira por causa do novo corte no rating brasileiro

Ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, durante evento no Palácio do Planalto, Brasília - 20/07/2015
O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa(Ueslei Marcelino/Reuters)
O governo decidiu nesta quinta-feira que o corte no Orçamento deste ano ficará em torno de 25 bilhões de reais, mas ainda não definiu qual será a proposta para flexibilizar a meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública), afirmaram à agência Reuters duas fontes com conhecimento sobre o assunto.
O que está sendo estudado é permitir que o governo possa assumir um rombo na economia para pagamento de juros de até 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em caso de eventual frustração de receitas extraordinárias esperadas para 2016. A meta deste ano é de superávit primário de 30,55 bilhões de reais, o equivalente a 0,5% do PIB para o setor público consolidado (governo central, Estados, municípios e estatais).
A Junta Orçamentária - formada pelos ministros Nelson Barbosa (Fazenda), Jaques Wagner (Casa Civil) e Valdir Simão (Planejamento, Orçamento e Gestão) - reuniu-se mais cedo nesta quinta-feira e bateu o martelo sobre o corte, que pode ser anunciado já nesta sexta-feira. A urgência cresceu após o novo rebaixamento da nota de crédito brasileira pela agência de classificação de risco Standard & Poor's anunciada nesta quarta-feira. A decisão colocou o país ainda mais longe da lista de países considerados mais seguros para os investidores.

A Junta, segundo as fontes, ainda não decidiu sobre a flexibilização da meta de primário que, na prática, permitiria o rombo primário. "Quanto ao déficit (primário), não foi decidido ainda", afirmou uma das fontes, envolvida no assunto e que pediu anonimato.
Na semana passada, o governo havia decidido adiar para março a divulgação do corte no Orçamento deste ano, que viria junto com uma série de medidas no campo fiscal, como a flexibilização da meta. Também existe a ideia dentro do governo de compensar a flexibilização da meta impondo limites de gastos em momentos de boa arrecadação, que agora tem sido abatida pela forte recessão pela qual passa o país.
Mas, diante dos sinais de que a política fiscal pode ser novamente relaxada, os mercados financeiros vêm reagindo mal. Assim, para dar um sinal de austeridade, o governo pode antecipar o anúncio do corte.
(Com Reuters)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

"Acho importante que o Lula preste esclarecimentos à sociedade"

Autor da liminar que suspendeu depoimento do ex-presidente em São Paulo, o juiz Valter Shuenquener, integrante do Conselho Nacional do Ministério Público, diz que tanto Lula e sua esposa, Marisa Letícia, precisam se explicar

Débora Bergamasco
O juiz Valter Shuenquener, integrante do Conselho Nacional do Ministério Público, que concedeu liminar garantindo a suspensão do tão aguardado depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de sua esposa, Marisa Letícia, declarou à ISTOÉ achar importante que Lula preste esclarecimentos espontaneamente à sociedade “em razão dos fatos apontados”. Ele disse que, com sua decisão, quis evitar que este depoimento e outras provas do processo possam ir “por água abaixo” caso existam erros processuais. Lula e Dona Marisa seriam ouvidos como investigados na manhã desta quarta-feira (17) para explicar a situação do tríplex no Guarujá, incorporado e reformado pela empreiteira OAS. O casal nega ser dono do imóvel, apesar de Dona Marisa ter acompanhado reformas significativas na casa, segundo relatos do engenheiro da obra e zeladores do prédio. Na próxima terça-feira o plenário do CNMP vai julgar se mantém ou derruba a decisão monocrática do juiz sobre a liminar.
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 O juiz Valter Shuenquener, integrante do Conselho Nacional do Ministério Público,

ISTOÉ -
Sua decisão que levou a uma suspensão do depoimento do ex-presidente Lula foi uma inversão total de expectativas para a sociedade. O que acha disso?
Valter Shuenquener - Havia uma expectativa muito grande por parte da sociedade de quem é a favor e de quem é contra de que ele seria ouvido. O que a gente não pode permitir é que as regras do jogo sejam violadas em razão dessa expectativa.
ISTOÉ - Mas não é importante numa situação como esta que o Lula preste esclarecimentos?
Shuenquener - Acho importante em razão dos fatos que foram apontados. Acho importante que o Lula preste esclarecimentos à sociedade. Mas, no caso aqui, o que aconteceu é que não seria espontâneo. Essa é uma decisão que deve ser feita pelo ex-presidente e sua esposa. Para que seja algo compulsório, obrigatório, precisa ser feito de acordo com o devido processo legal.
ISTOÉ - O sr se reuniu previamente com o deputado Paulo Teixeira (PT-SP)?
Shuenquener - Não, nem o conheço. Nunca falei com ele. Ele me pediu uma audiência para ontem mesmo, mas eu não pude e minha assessoria marcou para a tarde de hoje (quarta). Se ele tivesse vindo ao gabinete, eu o teria recebido como recebo qualquer um que vem para despachar.
ISTOÉ – O senhor já está sendo muito criticado...
Shuenquener - Sim, mas gostaria de dizer que eu sempre me preocupei com a questão da independência do Ministério Público, acho que tem um papel no contexto atual de combate à corrupção, que essa decisão não tem o objetivo de blindar ninguém contra uma investigação. Pelo contrário. A ideia é de que a investigação possa acontecer, mas acontecer de uma forma que não gere nulidade.
ISTOÉ – Mas pode parecer que o senhor está querendo blindar...
Shuenquener - Sim, não tenho dúvidas, porque até eu se estivesse vendo essa reportagem eu diria “pô, mas o cara na noite da véspera... pô esse cara é do PT”, eu pensaria isso.
ISTOÉ – E o senhor é do PT?
Shuenquener - Não sou, nunca fui. Olha só como é que eu me arrumei hoje sem querer (mostra camisa, gravata e terno azuis, cor associada ao PSDB) risos. Nunca tive nenhuma inclinação partidária.
ISTOÉ – Por que o senhor tomou esta decisão de conceder a liminar?
Shuenquener - Tomei esta decisão porque, se amanhã ou depois o Conselho Nacional do Ministério Público entender que o reclamado promotor que está investigando este caso não é o promotor competente, vai fazer com que toda a investigação possa ir por água abaixo, gerando uma frustração de uma expectativa de resultado. Para evitar esse trabalho perdido é que eu achei por bem suspender a atuação neste caso até que o Conselho decida sobre esta matéria. E o Conselho decidirá com a maior brevidade possível. Mas essa liminar pode ser revogada por mim ou pode ser que o plenário do Conselho não a confirme. Eu, junto com o deferimento da liminar, determinei a intimação do reclamado e do Procurador Geral de Justiça para que eles se manifestassem sobre os fatos, com o prazo de 15 dias. E, depois, já posso fazer um voto para a sessão de março, provavelmente no dia 15. Pretendo pedir urgência nesse processo, porque não acho conveniente ficar com um assunto desse tão importante e por isso que se tenha uma decisão definitiva do Conselho.
ISTOÉ – Então sua decisão não avaliou o mérito, correto?
Shuenquener - Temos uma diferença entre tutela antecipada e a medida cautelar. Eu não antecipei uma avaliação se o promotor tem ou não razão. Busquei apenas evitar que houvesse alguma lesão a um bem jurídico, que levasse à nulidade do processo. Não foi uma tutela antecipada. Até vi umas notícias dizendo que a decisão retirou o promotor do caso. Não foi isso. É como se: pare tudo até que se decida sobre a observância da questão do promotor natural. É importante saber se essa investigação está sendo conduzida por um promotor que recebeu aquela notícia em razão de uma livre distribuição sorteada e não direcionada. Como na Justiça, como se um juiz escolhesse o que quer julgar.
ISTOÉ – Quem decidirá se o dr. Cássio Conserino é ou não o promotor natural?
Shuenquener - Uma das alegações do requerente foi a de que já existe um processo em tramitação na 5ª Vara Criminal sobre os mesmos fatos. E este processo está sendo investigado pela 1ª promotoria criminal. O dr Conserino é da 2ª Promotoria Criminal. Então o requerente diz que ele não teria competência porque teria que mandar para a 1ª promotoria. Deveria funcionar assim: a representação deveria ser aleatoriamente distribuída por sorteio e quem recebesse essa notícia é que deve verificar se há conexão ou não com outro processo com fato que já está sendo investigado, então não é o CNMP que decide, não pretendo aqui fazer essa avaliação.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Moro diz ao TSE que propina abasteceu campanhas e sugere oitiva de delatores

Juiz afirma que Lava Jato comprovou lavagem de dinheiro por meio de doações oficiais e indica nome de réus para depoimento em ação contra Dilma e Temer

Por: Daniel Pereira e Felipe Frazão, de Brasília
Sérgio Moro durante evento realizado pela revista The Economist no Hotel Grand Hyatt em São Paulo
Sérgio Moro encaminhou ao TSE lista de delatores que poderão ser ouvidos para confirmar propina em doações eleitorais (Vanessa Carvalho/Folhapress)
O juiz federal Sergio Moro afirmou à Justiça Eleitoral que a Operação Lava Jato comprovou o repasse de propina a campanhas eleitorais em troca de contratos da Petrobras. Moro encaminhou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) documentos de dez ações penais da Lava Jato em primeira instância para subsidiar um dos quatro processos que podem resultar na cassação da presidente Dilma Rousseff e de seu vice, Michel Temer.
"Destaco que na sentença prolatada na ação penal 5012331-04.2015.404.7000 reputou-se comprovado o direcionamento de propinas acertadas no esquema criminoso da Petrobras para doações eleitorais registradas", escreveu Moro, em ofício ao Tribunal Superior Eleitoral, encaminhado em outubro do ano passado. No processo citado por Moro, a Justiça Federal entendeu que o diretório nacional do PT recebeu propina de 4,26 milhões de reais, entre 2008 e 2012. O dinheiro ilícito era destinado à Diretoria de Serviços da Petrobras, então comandada por Renato Duque, e repassado ao partido por empresas de Augusto Ribeiro de Mendonça Neto com aval do ex-tesoureiro petista João Vaccari Neto, preso e condenado pela lavagem de dinheiro por meio dessas doações.
Ele também indicou caminhos para que a corte eleitoral verifique a acusação dos autores da ação, o PSDB e a Coligação Muda Brasil, do senador tucano Aécio Neves (MG), candidato a presidente derrotado no segundo turno das eleições em 2014. Em uma das ações de investigação judicial eleitoral (AIJE), Dilma e Temer são acusados de abuso de poder político e econômico com "gastos acima do limite" e "recebimento de doações oficias de empreiteiras contratadas pela Petrobras como parte de distribuição de propinas".
Sérgio Moro sugeriu à Corregedoria-Geral Eleitoral que sejam ouvidos os delatores da Lava Jato que confirmaram em âmbito criminal que repasses de propina foram mascarados como doações eleitorais oficiais e também entregue como caixa dois. "Saliento que os criminosos colaboradores Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa, Pedro José Barusco Filho, Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, Milton Pascowitch e Ricardo Ribeiro Pessoa declararam que parte dos recursos acertados no esquema criminoso da Petrobras era destinada a doações eleitorais registradas e não-registradas. Como os depoimentos abrangem diversos assuntos, seria talvez oportuno que fossem ouvidos diretamente pelo Tribunal Superior Eleitoral a fim de verificar se têm informações pertinentes", escreveu Moro.
Conforme revelou VEJA, o doleiro Youssef relatou em acordo de colaboração premiada que Dilma e o ex-presidente Lula tinham conhecimento do esquema criminoso na Petrobras. O empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, declarou ter sido pressionado a fazer doações de 7,5 milhões de reais à campanha de reeleição da presidente, em 2014, pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, então tesoureiro da petista. O ministro nega.
Ofício do juiz Sérgio Moro ao Tribunal Superior Eleitoral
Ofício do juiz Sérgio Moro ao Tribunal Superior Eleitoral(Reprodução/VEJA)
O juiz responsável pela Operação Lava Jato em Curitiba também encaminhou documentos, entre denúncias e sentenças, referentes a dez ações penais que tramitam na 13ª Vara Federa. Moro disse ao TSE que, segundo uma das denúncias do Ministério Público Federal, "recursos de propinas no esquema criminoso da Petrobras teriam sido utilizados para doações eleitorais não-registradas". "Além das ações penais, há diversas investigações em curso que eventual e incidentalmente poderão confirmar outros repasses de propinas a campanhas eleitorais. Caso algo da espécie seja constatado, encaminharei as informações pertinentes e esta Egrégia Corte Eleitoral", afirmou o juiz.
No TSE, Dilma e Temer são alvos de uma representação, duas ações de investigação judicial eleitoral e uma ação de impugnação de mandato eletivo (AIME). Nesta última, que corre em segredo de Justiça, Temer apresentou na última quarta-feira uma defesa em que rebate a acusação do PSDB e rechaça o recebimento de dinheiro de propina em caixa dois ou doação registrada. O peemedebista fala em "inconformismo" do PSDB com o resultado das eleições e afirma que o partido também recebeu dinheiro das empreiteiras investigadas na Lava Jato. A presidente deve encaminhar defesa até a semana que vem, na mesma linha do vice.