Segundo Saab, adaptações fizeram Gripen ficar quase US$ 1 bi mais caro.
FAB adquiriu 36 caças com tela panorâmica que suecos 'não confiam'.
Tahiane Stochero
Do G1, na Suécia - A repórter viajou a convite da Saab
"Secreto". Esta é a palavra que mais se ouve dos executivos da
indústria sueca Saab quando o assunto são os detalhes do contrato
assinado pela Força Aérea Brasileira (FAB) para a compra de 36 caças
Gripen NG (New Generation), por US$ 5,4 bilhões (R$ 13,9 bilhões). Mesmo
assim, muitos detalhes sobre o jato que só serão entregues a partir de
2019 começam a ser revelados.
Segundo o CEO e presidente da Saab, Hakan Buskne, "basicamente [o preço
subiu] devido aos pedidos do cliente. Nós oferecemos algo e eles
fizeram novos pedidos, como o Wide Area Display [WAD, um display
panorâmico]", disse ele a jornalistas brasileiros na capital sueca na
última semana. O display não existe em nenhuma das versões do jato que a
companhia desenvolve desde 1980. (
veja detalhes no vídeo acima).
As mudanças são a justificativa para a elevação em US$ 900 milhões do
valor da compra, em relação à proposta final apresentada em 2009 durante
a concorrência da qual participaram também o F-16, da norte-americana
Boeing, e o Rafale, da francesa Dassault.
No display estarão reunidos todos os dados captados pelos sensores em
uma única tela grande e central na cabine, permitindo que o piloto tome a
decisão de forma mais rápida ao obter diretamente todas as informações.
O modelo atual do Gripen possui três visores, que fornecem informações
diferenciadas.
Para ter uma ideia do que o display panorâmico representa, apenas um
avião de combate no mundo, o norte-americano F-35 Lightning II, possui
uma tela como a exigida pelo Brasil, e que será desenvolvida pela
empresa AEL, do Rio Grande do Sul.
Segundo Bjorn Johansson, engenheiro-chefe do novo caça, outros diferenciais da versão brasileira do Gripen serão:
- um novo sistema de comunicação com encriptação e rádios duplos
- especificações na pressão interna do cockpit, buscando permitir à
aeronave operar em altitudes elevadas por muito tempo sem causar mal
estar ao piloto pela descompressão.
- rede avançada de guerra eletrônica: ações e sensores que podem
identificar, interceptar ou destruir mensagens de interferência
- sensores de infravermelho de busca e salvamento
- sistema resistente a interferências, além da ligação por datalink
(transmite informações de dados e voz) que fará a comunicação entre
caças e também com torres de controle em terra e outros tipos de aviões
militares brasileiros.
- a capacidade de integrar armas produzidas nacionalmente
- o Helmet Mounted (HMD), um óculos acoplado ao capacete que serve
também como monitor e a partir do qual o piloto pode atacar e reconhecer
alvos
- e uma saída para minimizar a "assinatura radar" do avião, que impeça a identificação pelos inimigos.
Projeto do cockpit exclusivo do Gripen a pedido do Brasil, com um display panorâmico (Foto: Saab)
"Introduzir o display panorâmico pedido pela FAB irá requerer mudanças
na fuselagem e adaptações no sistema aviônico do avião e na interface
entre o homem e a máquina. Nós não achamos que isso será difícil de
resolver, mas irá solicitar mais trabalho do que se tívessemos o mesmo
modelo de display nas versões do Gripen suecas e brasileiras", afirma o
engenheiro da Saab em entrevista exclusiva ao
G1.
A decisão de incluir o display panorâmico no novo avião ocorreu com o
objetivo de promover o desenvolvimento da indústria nacional de defesa,
"favorecendo a manutenção do ciclo de vida" do avião, informou a FAB,
acrescentando que a Saab não relutou em aceitar a mudança com medo de
atrasar o projeto. Segundo a Força Aérea Brasileira, o aumento do valor
do contrato também se deve, além dos novos requisitos, à atualização de
valores da proposta após cinco anos de tramitação.
Simulador do Gripen na Suécia (Foto: Saab/divulgação)
O trabalho geral de produção dos caças no Brasil será coordenado pela
Embraer, e a montagem dos aviões, realizada na fábrica da empresa em
Gavião Peixoto (SP). A Saab comprou 15% da empresa de engenharia Akaer,
que receberá parte da transferência da tecnologia exigida pela FAB e
investiu outros US$ 150 milhões em uma fábrica em parceria com o Grupo
Inbra, em São Bernardo do Campo, onde serão produzidas pequenas peças
metálicas e aeroestruturas.
Em uma conferência em Londres nesta semana, o brigadeiro José Augusto
Crepaldi Affonso, presidente da Comissão Coordenadora do Programa
Aeronave de Combate (Copac), afirmou que a FAB estuda adquirir um total de 108 caças para substituir a frota atual de aviões de combate.
A Suécia é o maior operador do Gripen no mundo, possuindo atualmente
100 unidades do modelo C (um posto) e D (dois postos, para treinamento),
que serão trocadas por 60 aeronaves do modelo E, nenhum com o display
panorâmico, afirma Bydén. Pilotos suecos ouvidos pelo G1 dizem que não
confiam em um display único para voar e que, por isso, a decisão é
manter o projeto antigo.
"Estamos acostumados com três visores. Se eu perder um, tenho os demais
de backup. Eu não confiaria em um só", diz o coronel Lundquist, que
realizou missões com o Gripen no Mali e na Líbia.
"É um costume, vemos com mais naturalidade comandar o avião em três
displays. Historicamente, pilotamos o Gripen assim e os pilotos, em
geral, são resistentes a mudanças", acredita o chefe dos pilotos de
teste do Gripen, Richard Ljunberg.
Jonas Jakobsson, outro piloto de teste da Saab, tem a mesma visão.
"Acredito que seja questão de tradição. A Força Aérea sueca voa em
Gripen com três displays desde 1997", acrescenta.
Gripen decola em teste na fábrica da Saab em Linkoping, na Suécia (Foto: Saab/divulgação)
No Gripen atual e na versão do Gipen E da Suécia, o piloto tem na tela
principal, ao meio, o mapa da região que sobrevoa, explica Ljunberg.
Nela estão dados do GPS, altitude e também a localização de aeronaves
amigas e inimigas. No monitor à esquerda, estão as informações dos
sistemas de combate, eletrônicos e de auto-defesa. No da direita, são
visíveis os dados recebidos pelos radares e sensores, como localização
de aviões inimigos e aviões, dentre outros. Se o piloto perde um dos
visores, ele pode pedir ao software que apresente os dados nos demais,
afirma.
O engenheiro da Saab Bjorn Johansson, que já atuou como piloto de teste
do Gripen, afirma, contudo, que os brasileiros não precisam ter medo de
perder as informações. Segundo ele, o próprio painel WAD terá uma
divisão interna que, caso metade dele se apague, a outra será mantida.
"Eu acredito que, quando o wide display estiver pronto, os suecos também
vão querer para seus caças. É como um brinquedo novo", brinca.
Linha de montagem do Gripen na fábrica da Saab em Linkoping (Foto: Saab/divulgação)
A escolha da gaúcha AEL para a produção do WAD ocorreu após uma
concorrência da qual participou também uma companhia norte-americana,
diz o diretor da Saab no Brasil, Bengt Jáner. "A Saab recomendou a
escolha da AEL, por trazer junto outras capacidades desejadas, mas a
escolha final foi da FAB”, afirma.
Contrato
O contrato da FAB com a Saab prevê a compra de 28 Gripens do modelo E
(com um assento) e 8 Gripen F (com dois assentos), que ainda são
projetos e serão construídos de forma conjunta entre os dois países. A
versão biposto será desenvolvida em parceria com a Embraer, pois o
contrato exige transferência de tecnologia para que o Brasil possa
aprender a fazer um avião. O primeiro avião só deve chegar ao Brasil em
2019, e o último, em 2024.
A Saab também atualizou o custo da hora de voo do Gripen do Brasil,
antes estimado em US$ 4,7 mil e agora corrigido para "cerca de US$ 5
mil", segundo Bengt Jáner, diretor da Saab no Brasil. Na Suécia, a hora
de voo da versão C, sem armamento, para a aula dos pilotos, é de cerca
de 3,5 mil euros (US$ 4,4 mil), segundo o coronel Michael Lundquist,
comandante da escola sueca de formação dos pilotos de caça.
Já no operacional, o valor da hora de voo de um Gripen hoje chega a 50
mil coroas suecas (US$ 6.745), afirma o comandante da Força Aérea sueca,
o major-general Micael Bydén. Cada unidade do Gripen, conforme o
vice-presidente de Parcerias Industriais da Saab Aeronáutica, Jan
Germundsson, custa cerca de US$ 100 milhões.
CEO da Saab, Hakan Buskne (Foto: Tahiane
Stochero/G1)
Desde 1970, voavam nos céus brasileiros os caças franceses Mirage, cujo
projeto é da década de 60 e podia atingir até 2.2 vezes a velocidade do
som. As últimas unidades foram aposentadas em dezembro de 2013 e substituídas por F-5, que foram modernizados pela Embraer, mas possuem menor capacidade de reação que o antigo Mirage.
O novo Gripen terá ainda uma capacidade de armazenar combustível 50%
superior à versão atual do jato com a mudança da posição do trem de
pouso principal, o que permitirá alcançar distâncias de até 1.300 km,
além de sistemas de alerta de aproximação de mísseis e um radar com
antena de varredura eletrônica ativa (com procura automática em todos os
ângulos).
Outro fator que interferiu na escolha do sueco em comparação com os
demais concorrentes no processo FX-2, segundo a Aeronáutica, foi a
facilidade de manutenção.
O contrato logístico assinado com a Saab terá duração de 5 anos, a
partir do início da entrega da primeira aeronave operacional, e prevê
suporte em todos os sistemas. O Brasil, de acordo com a FAB, também
comprou "todas as peças necessárias para operação por 5 anos", além de
dois simuladores completos, que serão instalados na base de Anápolis
(Goiás), que formará um esquadrão para receber o avião.