O bilionário francês François Pinault compra
mansão nos Estados Unidos e deve seguir o exemplo de outras celebridades
que deixaram o país para fugir da alta dos impostos. A debandada dos
ricos pode se tornar um problema para o presidente francês
Roberta Namour, de Paris
Dono de uma fortuna estimada em 11
bilhões de euros, o empresário francês François Pinault, fundador da
holding de luxo Kering, comprou recentemente uma mansão em Los Angeles,
nos Estados Unidos, por US$ 16,5 milhões. A notícia fez soar o alarme no
gabinete do presidente François Hollande, no Palácio do Eliseu.
Hollande está preocupado. Seu governo socialista tenta, a todo custo,
conter a evasão das grandes fortunas do país desde que instituiu uma
carga tributária de até 75% sobre rendimentos superiores a um milhão de
euros por ano. Sexto homem mais rico do país, Pinault parece estar mesmo
de malas prontas. A mudança, porém, é mantida sob sigilo. A discrição
se explica: Pinault quer evitar a avacalhação a que foi submetido
Bernard Arnault, presidente do grupo LVMH (que, entre outras marcas,
controla a Louis Vuitton), quando este tornou público seu desejo de
naturalização belga. Com uma fortuna estimada em 24,3 bilhões de euros,
Arnault teve direito a uma foto estampada na capa do jornal “Libération”
com a seguinte manchete: “Casse-toi riche con!”. Em bom português, quer
dizer o seguinte: “Caia fora, rico cretino”. Pressionado, Arnault
renunciou à ideia de se tornar cidadão belga, mas mudou a sede de
algumas de suas empresas para Bruxelas.
Batizados de “exilados fiscais”, muitos milionários franceses se
bandearam para outras nações para preservar seus patrimônios. Um deles é
o astro do rock Johnny Hallyday, atualmente exilado na Suíça. Hallyday
diz que o sistema social oneroso é o responsável pelo desequilíbrio das
contas no governo – e não os ganhos dos endinheirados. Dependendo do
tempo de contribuição, o seguro-desemprego pode chegar a até dois anos
no País. Além de um sistema público de educação e de saúde de qualidade,
o governo mantém subsídios para o aluguel e o chamado Rendimento
Solidário Ativo (RSA), uma bolsa para “proporcionar aos cidadãos
recursos suficientes para uma vida conforme a dignidade humana”, segundo
descrição do próprio governo. “Não desejo que as pessoas sejam pobres”,
escreveu Hallyday em sua recente autobiografia. “Isso é uma
infelicidade, eles precisam de ajuda. Mas não dando esmolas. Eu não
estou de acordo com sociedades de assistidos e não gosto que me julguem
de insensível sob o pretexto de que tenho uma sensibilidade de direita.”
Um recente balanço divulgado pelo presidente da comissão de Finanças
do Senado, Philippe Marini, revela que 35 mil franceses se mudaram para o
Exterior no período de um ano, o que corresponde a um aumento de 62%
sobre 2010. Oficialmente, não há dados sobre o peso dos exilados fiscais
nesse fluxo migratório, mas especialistas acreditam que o principal
motivo para a fuga em massa é mesmo a pesada carga tributária. Além do
imposto de 75% para ganhos acima de um milhão de euros, a sanha fiscal
de Hollande morde 45% de doações e heranças superiores a 500 mil euros.
Sua mais recente estratégia foi aumentar os impostos sobre a poupança e
os seguros de vida. Por trás do excesso de taxas ,existe um país com a
corda no pescoço e uma meta de reduzir o atual déficit público de 4,1%
do Produto Interno Bruto para 3,6% em 2014.
A fuga dos franceses virou piada entre os belgas. Recentemente, o
prefeito do município de Estaimpuis, Daniel Senesael, divulgou um vídeo
vestido de Asterix para dar as boas-vindas a seu amigo Obelix,
personagem vivido por Gérard Depardieu nos cinemas. Depois de ganhar um
passaporte russo do presidente Vladimir Putin para fugir do fisco
francês, o ator decidiu apenas atravessar a fronteira. A província de
Néchin, a oeste da Bélgica, não tem o glamour de Saint-Tropez, na Côte
d’Azur, nem o charme de Chamonix, nos Alpes, e muito menos o luxo de
Paris. No entanto, nos últimos anos se tornou o sonho de consumo de
milionários franceses como Depardieu. A apenas um quilômetro da francesa
Roubaix, a cidade é um verdadeiro paraíso fiscal no campo. Em agosto
passado, Depardieu se tornou vizinho do clã Mulliez, que possui uma
dezena de casas na região. A família é dona de marcas como Auchan,
Decathlon e Leroy Merlin, com uma fortuna estimada em 19 bilhões de
euros. Ao contrário do espalhafatoso Depardieu, os Mulliez não costumam
ser vistos com frequência na região, mas, para fins fiscais, vivem
oficialmente em Néchin.
Os franceses já correspondem a 28% da população total de Néchin. Toda
a semana, o especialista belga em direito fiscal, Manoël Dekeyser,
recebe dezenas de ligações de franceses em busca de orientação sobre a
mudança de endereço. “Existe uma guilhotina fiscal na França que corta
cabeças”, diz o advogado. “Na França, ganhar bem e ter um patrimônio
significativo passou a ser contra a lei.” Na Bélgica, os impostos sobre
rendimentos giram em torno de 25%. Doações e heranças também têm baixa
tributação, de apenas 3%. “Na Bélgica, a atmosfera é muito mais
favorável para os empresários”, afirma Dekeyser. “Admiramos as pessoas
que ganham bem a vida, enquanto na França eles são invejados.”
CRÍTICA
Para o presidente François Hollande, os exilados
fiscais não querem uma França mais justa
A perspectiva de mudar de ares deixou de ser um privilégio apenas
para os bilionários. Autora de uma extensa pesquisa que resultou no
livro “Exilados fiscais tabus, fantasmas e verdades”, a advogada Manon
Laporte diz que os franceses com patrimônio a partir de dois milhões de
euros – algo como R$ 6 milhões – já pensam na possibilidade de deixar o
país. Hollande estaria, portanto, não apenas atacando quem tem realmente
muito dinheiro, mas atingindo também representantes de classe média que
levaram anos, por exemplo, para comprar a casa própria. De acordo com o
levantamento de Manon, na lista dos exilados fiscais há estudantes
orientados pelos pais a direcionar suas carreiras para fora do país,
executivos de grandes empresas, profissionais liberais e atletas que não
suportam a alta carga tributária. A ideia de deixar a pátria por
questões financeiras, mesmo em um país de forte tradição nacionalista
como a França, conta com o respaldo de quase um em cada dois franceses,
de acordo com uma pesquisa realizada pela consultoria BFMTV.
O governo Hollande parece mesmo disposto a comprar a briga. Em
entrevista recente, o presidente declarou que os exilados fiscais não
estão comprometidos com um país mais justo. Apesar da gritaria dos
ricos, Hollande garante que não voltará atrás. Nos próximos dias, ele
terá que enfrentar uma nova encrenca. Os grandes times de futebol da
França anunciaram que pretendem entrar em greve contra a alta dos
impostos do governo. Clube mais abastado do país, o Paris Saint-Germain,
do sueco Ibrahimovic e do brasileiro Lucas, será obrigado a pagar 146
milhões de euros adicionais ao Tesouro francês graças à nova legislação.
Segundo os dirigentes do futebol, se a mordida de 75% sobre os altos
rendimentos não for revista, haverá uma debandada de craques do país.
Resta saber se os torcedores vão aceitar isso.
ALVO
O bilionário Bernard Arnaut foi chamado de cretino
quando disse que se tornaria belga
Fotos: REUTERS; GC Images; Getty Images; AFP PHOTO