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quarta-feira, 30 de setembro de 2015

E-mails indicam que Odebrecht pediu ajuda de Dilma

Correspondência enviada por Marcelo Odebrecht a auxiliares de Dilma sugerem que o empreiteiro queria lobby para contratos na República Dominicana

O executivo Marcelo Odebrecht, preso na Operação Lava Jato, durante depoimento à CPI da Petrobras em Curitiba, nesta terça-feira (01)
Executivo Marcelo Odebrecht está preso desde 19 de junho deste ano, por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobras(Vagner Rosário/VEJA.com)
Além de deixar claro o empenho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para favorecer a Odebrecht em contratos no exterior, os e-mails interceptados pela Polícia Federal na Operação Lava Jato incluem mensagens entre Marcelo Odebrecht e Giles Azevedo, chefe de gabinete na gestão Dilma Rousseff, e Anderson Dornelles, assessor especial da Presidência. Nas trocas de correspondência, o empresário queria que Dilma fizesse lobby do grupo na República Dominicana.
Dilma teve um encontro com o presidente dominicano eleito Danilo Medina, em 9 de julho de 2012. Na véspera da visita de Medina ao Brasil, em 5 de julho daquele ano, Odebrecht - preso na Lava Jato - escreveu para o chefe de gabinete da Presidência e para Anderson Dornelles: "Caros Giles e Anderson, peço o favor de entregar à presidente Dilma a nota em anexo referente ao encontro dela com o presidente da República Dominicana, que segundo fui informado, será esta segunda, 9 de julho, pela manhã. Fico à disposição para qualquer informação adicional. Obrigado e forte abraço. Marcelo."

A "nota" continha um resumo da atuação e dos empreendimentos da Odebrecht no país de Danilo Medina. O empreiteiro intitulou o documento de "ajuda memória da Odebrecht para a visita do presidente da República Dominicana". Ele destaca que o grupo "tem 6.112 integrantes locais, sendo 568 jovens engenheiros dominicanos". Como exemplo de "nossa atuação e inserção social junto às comunidades, além da própria atuação empresarial sustentável", a Odebrecht cita programa de alfabetização de adultos, reforma e ampliação de escolas públicas, construção de unidade de beneficiamento de café, saúde bucal, entre outras iniciativas.
"Face a relevância de nossa atuação no país [República Dominicana] seria importante que a presidente Dilma possa em seu encontro próximo com o Presidente Dominicano recém eleito Danilo Medina reforçar: a confiança que tem na Organização Odebrecht em cumprir os compromissos assumidos; a disposição de, através do BNDES, continuar apoiando as exportações de bens e serviços do Brasil, dando continuidade aos projetos de infraestrutura prioritários para o país." Ele assinala que o BNDES financia a exportação de bens e serviços para a República Dominicana desde 2002.
As trocas de e-mails demonstram que Odebrecht estava empenhado para que seu pedido chegasse, de fato, a Dilma. Às 13h21 do dia 6 de julho, a secretária da presidência da Odebrecht, Darci Luz, enviou e-mail para Alexandrino Alencar, executivo ligado à companhia, informando que "Marcelo enviou ontem à noite o documento para o Giles, para entregar à Presidente e está pedindo para o sr. confirmar com ele se recebeu e se conseguiu entregar a ela". Na mesma mensagem, Darci Luz diz que ligou para a secretária de Giles "mas ele estava fora e como foi para o e-mail pessoal ela não soube me informar".
Leia a nota da Odebrecht sobre o caso: "A Odebrecht esclarece que os trechos de mensagens eletrônicas divulgados apenas registram uma atuação institucional legítima e natural da empresa e sua participação nos debates de projetos estratégicos para o país - nos quais atua, em especial como investidora. A empresa lamenta, no entanto, a divulgação e interpretações equivocadas sobre mensagens sem qualquer relação com o processo em curso."
(Com Estadão Conteúdo)

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O diplomata Francisco

Durante visita histórica a Cuba e aos Estados Unidos, papa arrasta multidões, fala de temas indigestos, incomoda os cristãos conservadores e tenta reconquistar os católicos americanos

Débora Crivellaro (debora@istoe.com.br)
A palavra pontífice tem origem no latim e significa “aquele que faz pontes”. Nunca um título caiu tão bem para um papa quanto para o argentino Francisco, 78 anos. Em sua mais aguardada viagem nestes movimentados dezoito meses de pontificado, o líder máximo da Igreja Católica selou a reconciliação de Cuba e Estados Unidos, costurada durante meses por ele próprio, numa visita histórica a esses dois países. Desde que pisou em Havana, no sábado 19, Jorge Mario Bergoglio tem colecionado momentos carregados de simbologia, como a ida ao Congresso americano na quinta-feira 24, e lançado discussões por vezes incômodas para alguns de seus milhões de interlocutores. Falou sobre liberdade em Cuba. E sobre o direito dos imigrantes, a abolição da pena de morte, a degradação do meio ambiente, contra o comércio de armas, as guerras e o aborto nos Estados Unidos. Mas sempre sob um manto conciliador. “O mundo precisa de reconciliação, principalmente num momento de 3ª. Guerra Mundial em etapas como a que estamos vivendo”, disse. Mas engana-se quem lê essa visita papal como uma missão política – apesar de Francisco ter se tornado sim um dos maiores líderes do cenário mundial. Os gestos do latino-americano devem ser interpretados nas entrelinhas. “A viagem dele é pastoral, mas a fé não vem separada da realidade”, afirma o teólogo Antonio Manzatto. “Estando nos Estados Unidos, um lugar de tamanha importância para os mais pobres, ele tem de falar de refugiados, de sustentabilidade...Não vai falar de anjos ou a cor do véu de Nossa Senhora.”
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HISTÓRIA
Quinta-feira 24 de agosto, pela primeira um papa discursa no Congresso
americano: 50 minutos de fala e 30 interrupções para aplausos
Diante de uma Nova York, a capital mundial do individualismo, aquecida e entregue ao carisma e à simplicidade de Jorge Mario Bergoglio, fica evidente que o argentino está mudando a narrativa do papado. Desde o começo de seu pontificado, houve uma tendência de rotular o antigo cardeal de Buenos Aires como um reformador, alguém que vinha para fazer vibrar a paralisada Igreja Católica. Certamente há alguma verdade nisso, afirma o vaticanista americano John Allen Jr. “A história do papado mudou de ‘tudo o que você não gosta na Igreja é porque causa do papa’ para ‘tudo o que você não gosta na igreja é apesar do papa’, afirma o colunista do “Boston Globe”. Apesar da simpatia que conquistou até entre os não católicos, Francisco não está navegando em mares calmos nesta visita, conforme explica o professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Antonio Carlos Alves dos Santos. Se encontrou uma Cuba apaziguada pela visita de seus antecessores, João Paulo II e Bento XVI – agora até o Natal é comemorado na ilha --, a situação é diferente nos EUA. Cerca de 21% da população americana se diz católica, enquanto 9% abandonaram recentemente a religião. A perda de fieis tem sido notória. Em todo o País, igrejas são fechadas ou fundidas por falta de público ou de padres.
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Fora o escoamento do rebanho, o papa vive uma relação curiosa com os poderosos católicos americanos, um dos países onde a chaga do abuso sexual cometido por religiosos é mais grave. Os onze cardeais da América foram as peça-chave para sua eleição. E a igreja americana é a segunda maior financiadora do Vaticano, atrás apenas da alemã. Em contrapartida, Francisco tem sofrido duros golpes da ala conservadora, que está representada também no Partido Republicano, por suas falas contra a acumulação de riqueza, a favor do combate ao aquecimento global e pelos imigrantes. O deputado republicano pelo Arizona, Paul Gosar, por exemplo, tem feito um boicote explícito ao pontífice. Outros o chamam de “papa vermelho”, “peronista argentino” e o acusam de ser uma penitência. Com sua postura sensata e gestos empáticos, Francisco tem tentado acalmar os ânimos, falando contra o aborto e a favor da família, tema caro a esse grupo conservador.
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Se tem pisado em brasas por causa da direita católica, a relação com o presidente Barack Obama vai muito bem. Os dois comungam de muitas posições em comum e sabem da importância global do outro. Afinal, um papa não pode se dar ao luxo de  ignorar Washington se pretende que algo seja feito. E nenhum presidente pode dar as costas para um líder religioso à frente de um rebanho de 1,2 bilhões de seguidores – incluindo aí 70 milhões de americanos, um quarto dos EUA. O país liderado por Barack Obama gosta de encarar o Vaticano como um aliado, um Estado com raízes ocidentais comprometido com os mesmos valores de liberdade e direitos humanos. Muitas vezes isso é verdade. Mas papas e presidentes também já colidiram, como durante os anos 1990, quando João Paulo II travou duras batalhas com Bill Clinton, nas duas conferências da Organização das Nações Unidas, uma no Cairo, em 1994, sobre controle da população, e outra em Pequim, em 1995, sobre as mulheres.
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Francisco sempre busca as semelhanças em seus discursos. Conclamou a vocação para a liberdade do povo americano, colocando-o diante do espelho de sua própria história em pleno Congresso, ao enaltercer líderes como Abraham Lincoln e Martin Luther King.Mas também critica duramente o capitalismo, que chama de “globalização da indiferença”. A opção preferencial pelos pobres anima todos os seus gestos. Numa mensagem suave nas formas, deixou um recado claro aos congressistas, 31% deles católicos, na quinta-feira 24: “Façam com os outros o que querem que façam com vocês.” O latino-americano, que durante vinte anos visitou as favelas da periferia de Buenos Aires, diz que vê a Igreja como um hospital de campanha depois da batalha. “O que mais precisamos ter hoje em dia é a capacidade de sanar feridas e aquecer os corações dos fieis. Eles precisam da proximidade do contato.” O fazedor de pontes Francisco tem feito isso como poucos.
Fotos: JIM WATSON/AFP, Andrew Harnik/ap; ALEJANDRO ERNESTO, ALEX CASTRO - AFP

sábado, 26 de setembro de 2015

Ex-deputado revela que o petrolão nasceu com aval de Lula e foi mantido por Dilma

Pedro Corrêa, ex-presidente do PP, negocia há dois meses com o Ministério Público seu acordo de delação premiada. Se a colaboração for efetivada, ela pode mostrar que o maior esquema de corrupção da história nasceu mesmo no Planalto

Por: Robson Bonin
O ex-deputado Pedro Corrêa na CPI da Petrobras
Parcerias  - O ex-deputado Pedro Corrêa pode ser o primeiro político envolvido na Lava-Jato a fechar um acordo de delação premiada com a Justiça(Vagner Rosario/VEJA)
Expoente de uma família rica e tradicional do Nordeste, o médico Pedro Corrêa se destacou, durante quase quatro décadas, como um dos parlamentares mais influentes em negociações de bastidores. Como presidente do PP, garantiu a adesão do partido ao governo Lula e - como reza a cartilha do fisiologismo - recebeu em troca o direito de nomear apadrinhados para cargos estratégicos da máquina pública. Essa relação de cumplicidade entre o ex-deputado e o ex-presidente é notória. Ela rendeu a Corrêa uma condenação à prisão no processo do mensalão, o primeiro esquema de compra de apoio parlamentar engendrado pela gestão petista. Mesmo após a temporada na cadeia, Corrêa se manteve firme no propósito de não revelar o que viu e ouviu quando tinha acesso privilegiado ao gabinete mais poderoso do Palácio do Planalto. Discreto, ele fez questão de ser leal a quem lhe garantiu acesso a toda sorte de benesse. Havia um acordo tácito entre o ex-deputado e o ex-presidente. Um acordo que está prestes a ruir, graças à descoberta do petrolão e ao avanço das investigações sobre o maior esquema de corrupção da história do Brasil.
Como outros mensaleiros, Corrêa foi preso pela Operação Lava-Jato. Encarcerado desde abril, ele negocia há dois meses com o Ministério Público um acordo de colaboração que, se confirmado, fará dele o primeiro político a aderir à delação premiada. Com a autoridade de quem presidiu um dos maiores partidos da base governista, Corrêa já disse aos procuradores da Lava-Jato que Lula e a presidente Dilma Rousseff não apenas sabiam da existência do petrolão como agiram pessoalmente para mantê-lo em funcionamento. O topo da cadeia de comando, portanto, estaria um degrau acima da Casa Civil, considerada até agora, nas declarações dos procuradores, o cume da organização criminosa. Nas conversas preliminares, Corrêa contou, por exemplo, que o petrolão nasceu numa reunião realizada no Planalto, com a participação dele, de Lula, de integrantes da cúpula do PP e dos petistas José Dirceu e José Eduardo Dutra - que à época eram, respectivamente, ministro da Casa Civil e presidente da Petrobras. Em pauta, a nomeação de um certo Paulo Roberto Costa para a diretoria de Abastecimento da Petrobras.
Pedro Corrêa, José Janene e o deputado Pedro Henry, então líder do PP, defendiam a nomeação. Dutra, pressionado pelo PT, que também queria o cargo, resistia, sob a alegação de que não era tradição na Petrobras substituir um diretor com tão pouco tempo de casa. Lula, segundo Corrêa, interveio em nome do indicado, mais tarde tratado pelo petista como o amigo "Paulinho". "Dutra, tradição por tradição, nem você poderia ser presidente da Petrobras, nem eu deveria ser presidente da República. É para nomear o Paulo Roberto. Tá decidido", disse o presidente, de acordo com o relato do ex-deputado. Em seguida, Lula ameaçou demitir toda a diretoria da Petrobras, Dutra inclusive, caso a ordem não fosse cumprida. Ao narrar esse episódio, Corrêa ressaltou que o ex-presidente tinha plena consciência de que o objetivo dos aliados era instalar operadores na estatal para arrecadar dinheiro e fazer caixa de campanha. Ou seja: peça-chave nessa engrenagem, Paulinho não era uma invenção da cúpula do PP, mas uma criação coletiva tirada do papel graças ao empenho do presidente da República. A criação coletiva, que desfalcou pelo menos 19 bilhões de reais dos cofres da Petrobras, continuou a brilhar no mandato de Dilma Rousseff - e com a anuência dela, de acordo com o ex-presidente do PP.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Ceará dos ventos: adrenalina no céu e no mar

O segundo semestre é o período ideal para a prática dos esportes ligados ao vento. Seja o kitesurf, o windsurf ou o voo livre, o que importa é aproveitar o momento e sentir a brisa cearense
por Diego Borges - Especial para o Tur
A temporada dos ventos já está aí. É no segundo semestre que desembarca no Ceará a maior parte dos visitantes, do Brasil e de fora, que buscam ares propícios para a prática de esportes ligados ao vento. Nosso vasto litoral e o sertão são ideais para as práticas do kitesurf, do windsurf, da vela e do voo livre, apenas para citar algumas modalidades.
Destinos como Cumbuco, Jericoacoara, Taíba, Paracuru, Flecheiras, Icaraí de Amontada, Preá, Aquiraz, Beberibe, além das serras da Ibiapaba, Baturité e Arantanha são garantia de boas rajadas aos que procuram adrenalina o ano inteiro, ainda mais no atual período. Mas diante de tantas opções para celebrar a natureza e o esporte, no céu e no mar, onde se deve ir? A resposta exata talvez você não encontre aqui, entretanto, daremos alguma luz. O Tur conversou com feras de quatro modalidades ligadas ao vento, que escolheram um dos seus lugares preferidos para a prática esportiva e contaram um pouco dos motivos que os levaram a eleger tais locais, além de darem dicas imperdíveis para quem quiser se aventurar.
Destinos
O atleta de kitesurf Ygon Maia, por exemplo, é apaixonado pela Praia do Futuro desde que passou a morar no Ceará, há dez anos. Para ele, o local é propício para a prática do kitewave, modalidade em que se utiliza o kite com uma prancha de surf convencional. Ele costuma fazer o chamado downwind (descer com o vento), partindo do Caça e Pesca e percorrendo toda a Praia.
Ainda no litoral, o campeão sul-americano de windsurf Levi Lenz mostra porque Jericoacoara é considerada a "Meca" do windsurf. Vale até para os iniciantes, já que o local também conta com escolinhas para a prática.
Na Região Metropolitana de Fortaleza, a Serra da Pacatuba é destino certo para os amantes e principiantes do voo livre. Praticante do parapente há dez anos, João Guy Almeida enaltece o visual para quem resolve voar: é possível observar parte do litoral e as serras da Pacatuba, Guaiuba e Maranguape.
O voo livre também é destaque em Quixadá. E o pioneiro da modalidade no Sertão Sentral, Antônio Almeida, é enfático: não existe lugar melhor no mundo para voar.
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quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Cunha apresenta rito para processos de impeachment

Presidente da Câmara deverá rejeitar a lista de pedidos de impeachment até chegar ao documento assinado por Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr.

Por: Laryssa Borges, de Brasília
Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, em Brasília. 25/8/2015
Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, em Brasília. 25/8/2015(Ueslei Marcelino/Reuters)
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), apresentou nesta quarta-feira a líderes partidários a fórmula para a tramitação de pedidos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Mais do que um conjunto de regras processuais, com detalhamento de prazos para recursos e quórum de votação, o texto faz parte de uma articulação com partidos de oposição para que os pedidos de impedimento da petista assumam caráter coletivo e evitem que sejam vinculados apenas ao peemedebista, desafeto do Palácio do Planalto.
Pela lei, cabe ao presidente da Câmara definir previamente se são cabíveis ou não os pedidos de impeachment. Mas, nos bastidores, a articulação é para que a decisão final das solicitações de afastamento seja transferida ao Plenário, onde os partidários do impeachment dizem ter votos suficientes para iniciar o processo.
O roteiro idealizado por Eduardo Cunha é que ele analise monocraticamente até três solicitações de impeachment por semana até chegar, no final de outubro ou início de novembro, ao pedido considerado mais forte e encampado pela oposição, que leva a assinatura do ex-petista Hélio Bicudo e do jurista Miguel Reale Júnior. Cunha não admite publicamente, mas o cronograma de avaliação dos pedidos conta com a possibilidade de a situação política do governo Dilma Rousseff se agravar ainda mais, principalmente com as decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as chamadas pedaladas fiscais e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre irregularidades na campanha à reeleição.
Eduardo Cunha não se manifestou sobre a possibilidade de a presidente Dilma ser responsabilizada atualmente por atos ilegais eventualmente cometidos no primeiro mandato. Ele deixou a questão em aberto porque considerou que esse tipo de questionamento "não se reduz a uma questão de procedimento ou interpretação de norma regimental". Cunha tampouco antecipou entendimento sobre os procedimentos a serem adotados numa eventual renúncia de Dilma. "Quanto à eventual renúncia do presidente da República, a Presidência enfrentará esse ponto apenas se necessário, uma vez que sua elucidação em nada interfere na organização, clareza e previsibilidade do procedimento referente à análise da admissibilidade de denúncia por crime de responsabilidade", disse.
De acordo com o julgamento feito pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no caso Collor, em 1998, cabe à Câmara analisar a admissibilidade da denúncia, declarando a procedência ou improcedência da acusação, enquanto o Senado atuaria como tribunal de julgamento.
Para o rito de impeachment, a ideia é que apenas deputados, e não autores dos processos de impedimento ou cidadãos sem mandato, possam apresentar recurso contra o eventual indeferimento de qualquer uma das denúncias. Cunha começará analisando os casos mais antigos e juridicamente frágeis.
O passo seguinte é a instalação de uma comissão especial para dar um parecer ao Plenário. Depois da análise pela comissão, o pedido de impeachment é submetido à votação nominal e para que a acusação seja admitida e o processo de impedimento da presidente seja aberto, são necessários, em Plenário, 342 votos dos 513 deputados.
Segundo Eduardo Cunha, o Regimento Interno da Câmara determina prazo de dez sessões para a manifestação do denunciado e outras cinco sessões para a Comissão Especial proferir um parecer. A Comissão Especial, composta por 66 titulares, atuará depois do recebimento da denúncia, tendo apenas duas sessões para a apresentação do parecer com o aval ou não ao pedido de impeachment. Se o prazo for prorrogado e ainda assim não houver parecer da comissão, a Presidência da Câmara pode levar o tema diretamente a Plenário. Ainda que a pauta esteja trancada com projetos com preferência na votação, a análise da admissibilidade da denúncia pode ser analisada antes de todos os demais temas.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Itália autoriza a extradição do mensaleiro Pizzolato

Última instância da Justiça italiana rejeitou argumentos da defesa, que contestava as condições dos presídios brasileiros; ex-diretor do Banco do Brasil cumprirá pena de 12 anos e sete meses de prisão

Henrique Pizzolato, ex-diretor de Marketing Banco do Brasil, condenado no processo do mensalão, deixa a prisão de Modena, na Itália, na terça-feira (28)
Henrique Pizzolato, ex-diretor de Marketing Banco do Brasil, condenado no processo do mensalão(Mastrangelo Reino/Estadão Conteúdo)
A Justiça italiana autorizou na manhã desta terça-feira a extradição do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, condenado a doze anos e sete meses de prisão no julgamento do mensalão. Ele cumprirá pena pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção e peculato.
Pizzolato deixou o país em novembro de 2013 numa fuga hollywoodiana: com o passaporte do irmão morto em 1978, ele deixou o Brasil com destino à Argentina, de onde embarcou para a Espanha. Mas foi encontrado em fevereiro de 2014 pela Interpol, na famosa praia de Maranello, na Itália. Desde então, está preso por falsidade ideológica.
O brasileiro ficou até outubro na penitenciária de Modena, quando o Tribunal de Bolonha negou sua extradição ao Brasil, mas em fevereiro deste ano a Corte de Cassação da Itália concedeu sua extradição. A decisão foi ratificada pelo Ministério da Justiça e pelo Tribunal do Lazio, primeira instância da justiça administrativa. Hoje, o Conselho de Estado da Itália autorizou o envio do brasileiro ao país natal.
Os juízes rejeitaram o recurso apresentado pela defesa e afirmaram que foram apresentadas condições suficientes das prisões brasileiras em preservar os direitos humanos. Segundo a corte, as garantias foram apresentadas "tanto pelo governo quanto pelas máximas autoridades judiciárias brasileiras". A defesa de Pizzolato insistia que os centros de detenção no Brasil violavam os direitos humanos.
(Com Agência Ansa)
Rota de fuga de Pizzolato
(VEJA.com/VEJA)

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

PF prende um dos donos da Engevix na 19ª fase da Lava Jato

Agentes cumprem onze mandados em três estados. Ação mira propinas que teriam sido pagas envolvendo a diretoria internacional da Petrobras

Por: Laryssa Borges, de Brasília
A sede da polícia federal em Curitiba (Pr)
A sede da polícia federal em Curitiba (Pr)(Vagner Rosário/Divulgação)
A Polícia Federal deflagrou na manhã desta segunda-feira a 19ª fase da Operação Lava Jato. Ao todo 35 policiais cumprem onze mandatos judiciais: sete de busca e apreensão, um de prisão preventiva, um de prisão termporária, e dois de condução coercitiva nas cidades de Florianópolis, São Paulo e Rio de Janeiro. O alvo desta nova fase - denominada Nessun Dorma ('ninguém dorme') - são propinas que teriam sido pagas envolvendo a diretoria internacional da Petrobras. Entre os presos está um dos donos da construtora Engevix José Antunes Sobrinho, o Turco.
Na semana passada o juiz Sergio Moro já havia transformado o executivo em réu após indícios de que ele atuou no esquema de pagamento de propina ao grupo do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. O nome de Sobrinho também apareceu na fase da Lava Jato que chegou ao setor elétrico e descobriu o pagamento de propinas ao vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da estatal Eletronuclear. Apenas no propinoduto envolvendo o setor elétrico, o executivo da Engevix é suspeito de ter desembolsado até 140 milhões de reais em dinheiro sujo entre 2011 e 2013, por meio da empresa Aratec, de Pinheiro da Silva.
Segundo a PF, uma das empresas sediadas no Brasil e alvo da operação teria recebido cerca de 20 milhões de reais em propina entre 2007 e 2013 de empreiteiras já investigadas na operação para fraudar contratos com a Petrobras e favorecer os corruptores. A nova fase também pode ampliar o desgaste político da base aliada ao governo porque coloca na mira dos investigadores pessoas ligadas ao PMDB que podem ter levado dinheiro sujo para o exterior e que intermediavam propina movimentada na diretoria da internacional da Petrobras, comandada por Jorge Zelada, executivo que já responde a processo na Lava Jato.

sábado, 19 de setembro de 2015

Renúncia ou impeachment?

Pacote fiscal de Dilma prevendo a tunga ao bolso do cidadão desagrada a esquerda, enfurece o empresariado e reforça no Congresso a batalha pelo afastamento da presidente

Sérgio Pardellas e Débora Bergamasco
Na última semana, a presidente Dilma Rousseff apresentou ao País um conjunto de propostas fiscais indecentes, em que combinou aumento de impostos com medidas para eliminar despesas recheadas de esperteza política. Mas não foi necessário destrinchar o improvisado plano para perceber logo de cara quem a presidente havia escolhido para pagar a conta da irresponsabilidade fiscal que ela e a fracassada gestão petista legaram ao Brasil: você, o contribuinte. Com a recriação da famigerada CPMF, o governo planejou arrecadar R$ 32 bilhões – quase metade do pacote fiscal – a partir da cobrança de 0,2%  sobre cada transação bancária do brasileiro. Numa espécie de barganha com o dinheiro alheio, Dilma teve a ousadia de propor ainda o aumento da alíquota do imposto para 0,38%, em negociação com os governadores. Ao tungar o bolso do cidadão e, ao mesmo tempo, suspender o repasse de verbas para programas sociais, sem qualquer vestígio de corte mais profundo na própria carne, a petista conseguiu a proeza de desagradar ainda mais a população, indignar a base social do PT e enfurecer o empresariado. Resultado: sem credibilidade e altamente impopular, a presidente viu o Congresso reagir com contundência ao novo imposto e praticamente inviabilizar o amontoado de sugestões para tentar tirar o País da interminável crise político-econômica.
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E AGORA?
Pacote fiscal agravou a situação política da presidente Dilma
Os últimos pilares de sustentação de seu mandato foram ao chão. Hoje, quase todos os atores políticos anseiam pela sua saída do cargo, incluindo o PT lulista, para quem a única chance de êxito eleitoral em 2018 passaria pela conversão de Lula à oposição de um governo pós-Dilma. Com o cerco se fechando e a cada dia com menos condições de governabilidade, Dilma poderia relembrar o seu discurso de posse da primeira eleição em 2010. Nele, mencionou um trecho da obra de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas. “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.   Muito provavelmente,  Dilma escolheu essa passagem para tentar transmitir a imagem de uma presidente marcada por uma trajetória de bravura. De quem lutou contra a ditadura, sofreu com a tortura nos porões e aceitou a missão de suceder Lula, o mentor de sua candidatura.
Agora, mais do que nunca, a vida exige coragem da presidente Dilma. Coragem para admitir que não reúne mais condições de conduzir o País. Coragem para reconhecer sua incapacidade de levar o Brasil para um caminho que o afaste do caos econômico completo e irremediável capaz de comprometer o futuro de gerações de brasileiros. Na atual circunstância política, não há muita margem de manobra. Se a renúncia não estiver em seu horizonte, já não restam mais dúvidas de que o Congresso porá em marcha um processo que pode culminar com o seu afastamento e a consequente perda de direitos políticos. A batalha do impeachment já começou. Na noite de terça-feira 15, o deputado Mendonça Filho (DEM-PE) apresentou no plenário da Câmara uma questão de ordem, cobrando do presidente da Casa, Eduardo Cunha, esclarecimentos de natureza legal, regimental e constitucional para a análise dos pedidos para apear Dilma do cargo. Consumou-se a largada para seu impedimento. Aguarda-se agora uma manifestação de Cunha sobre o rito do processo. Mas os próximos passos já estão na praça. Pelo acerto de bastidor, Cunha deve rejeitar os pedidos de impeachment para não figurar como seu principal mentor. Em seguida, a oposição recorrerá da decisão. Se reunir maioria simples, o relógio começa a correr contra a chefe do Executivo. Na quinta-feira 17, um dia depois do registro num cartório de São Paulo, os juristas Hélio Bicudo, fundador do PT, e Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça de FHC, protocolaram na Câmara o pedido que será utilizado pelo movimento Pró-impeachment para dar prosseguimento à liturgia do afastamento de Dilma. No documento subscrito por Bicudo e Reale são mencionadas as “pedaladas fiscais”, a Operação Lava Jato e a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, para atestar que Dilma cometeu crime de responsabilidade.
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FOI DADA A LARGADA
Os juristas Hélio Bicudo (abaixo), fundador do PT, e Miguel
Reale Jr. (acima) entregaram a Eduardo Cunha, presidente
da Câmara, o pedido de impeachment de Dilma
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Os encaminhamentos na Câmara do pedido pela saída da presidente foram suficientes para detonar no Parlamento a guerra pelo impeachment. Já na noite de terça-feira 15, a apresentação da questão de ordem por Mendonça Filho gerou acalorado bate-boca, com direito a gritos, dedos em riste e vaias. Enquanto os petistas no Congresso ainda botam a cara para defender o mandato atual, parte do chamado PT lulista elabora um cálculo mais sofisticado. Para eles, poderia ser até mais vantajoso a deposição de Dilma, uma vez que jogaria Lula na oposição de um próximo governo condenado desde já a promover um ajuste ainda mais rigoroso a fim de disciplinar as contas públicas. Dessa forma, acreditam, o Partido dos Trabalhadores poderia se reerguer politicamente ancorado no discurso contrário à política vigente.
Mergulhada numa crise terminal e vendo o barco afundar sem ninguém para jogar a boia de salvação, a presidente sentiu a água cobrir-lhe o pescoço. Num ato de desespero, voltou a colocar o próprio afastamento na agenda ao afirmar que o governo vai fazer “tudo para impedir que processos não democráticos cresçam e se fortaleçam”. “Usar a crise como mecanismo para chegar ao poder é uma versão moderna do golpe”, afirmou ela, sem levar em conta, convenientemente, as suspeitas que pesam sobre sua campanha. Sem considerar também o gravíssimo fato de que o tesoureiro do PT, responsável por arrecadar recursos para a reeleição, encontra-se condenado e atrás das grades. A pronta resposta foi dada por Hélio Bicudo no momento em que registrou o pedido de impeachment. “Esse negócio de falar que é golpismo, é golpismo de quem fala. Estamos agindo de acordo com a Constituição” disse.  O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também reagiu. “Quem sofre a crise não quer dar golpe, quer se livrar da crise. Na medida em que o governo faz parte da crise, começam a perguntar se o governo vai durar. Mas não é golpe”, fez coro. O presidente do PSDB, senador Aécio Neves, manteve a toada. “Golpe ou atalho para chegar ao poder é utilizar dinheiro do crime ou da irresponsabilidade fiscal para ganhar votos.”
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A expectativa dos oposicionistas é de que até o fim de outubro a Câmara consiga iniciar formalmente o processo do afastamento de Dilma. Pelos cálculos de integrantes do DEM, hoje o grupo contra a atual gestão soma cerca de 280 votos – sendo 200 fechados com a oposição e 80 de legendas governistas que topam votar pelo afastamento, desde que suas “traições” não sejam em vão. Se aprovado o recurso à rejeição já combinada com Eduardo Cunha, esta votação terá condições de servir como um teste. Uma demonstração de força que pode ser capaz de influenciar parlamentares indecisos. De acordo com o regimento interno, aprovado pela maioria simples da Casa, o pedido de afastamento é encaminhado a uma Comissão Especial, cuja formação respeitará a proporcionalidade dos partidos. Em seguida, o relator dessa comissão emitirá um parecer dizendo se o pedido de impeachment deverá ou não ser submetido à votação na Câmara. O parecer, então, será colocado na Ordem do Dia. Para ser admitido, precisa de maioria qualificada do plenário, ou seja, adesão de dois terços dos deputados (342 votos). Se a Câmara concluir que o pedido de afastamento é válido, o tema vai para o Senado, onde se inicia efetivamente o julgamento do mérito. Em suma: se a presidente deve ou não perder o seu mandato. Enquanto isso, Dilma fica suspensa de suas funções presidenciais por até 180 dias.
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ESQUENTOU
Sessão da Câmara na terça-feira 15 foi marcada por discussões acaloradas
a respeito do impeachment da presidente e protestos contra a volta da CPMF
Apesar de o impeachment começar pela Câmara, o grupo que articula as estratégias e estabelece o calendário para a derrubada da petista não inclui somente deputados. Participam das reuniões reservadas os senadores tucanos Aécio Neves (MG), José Serra (SP), Aloysio Nunes (SP), Cássio Cunha Lima (PB) e os colegas do DEM José Agripino Maia (RN) e Ronaldo Caiado (GO). O grupo mantém encontros constantes com o principal partido da base governista, o PMDB. Integrou o mais recente convescote um convidado com lastro: o ex-ministro Moreira Franco. No PMDB, ele é considerado uma espécie de representante do vice Michel Temer. Uma preocupação que aflige e até divide o grupo oposicionista é como estará o terreno político e econômico quando um novo presidente assumir o País. Há uma parcela que defende a saída de Dilma o mais rápido possível. Esses parlamentares não querem dar chance para que ela atinja o fundo do poço, bata no chão e depois comece a dar sinais de recuperação. Relembram em conversas reservadas o erro cometido pela oposição ao adotar a estratégia de “deixar sangrar” praticada em 2005, quando o então presidente Lula passou por seu momento de maior desgaste no escândalo do mensalão. Ao contrário do que se imaginava, o petista conseguiu contornar a crise, recuperou apoio e popularidade, e foi reeleito. Por outro lado, há uma corrente defendendo que a deflagração do processo de impeachment deveria se arrastar até o fim do ano. Apostam que até lá a imagem de Dilma irá se deteriorar ainda mais, ao sofrer as consequências desastrosas do pacote de ajuste fiscal proposto pelo governo. Esta ala defende a manutenção da presidente no cargo para arcar com os resultados negativos dos remédios amargos ministrados por ela e sua equipe. Caso contrário, acreditam, a bomba pode explodir na mão do sucessor. A ideia é criar um ambiente mínimo de governabilidade para que o substituto possa mostrar que a saída de Dilma foi benéfica. A “solução Temer” conta com o apoio público do DEM. “Se Temer preparar uma agenda que se oponha ao que se pratica hoje, independentemente de termos ministérios ou não, não tem porque não sermos aliados desse governo”, disse à ISTOÉ o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).
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"Golpe ou atalho para chegar ao poder é utilizar dinheiro do crime para ganhar votos"
Aécio Neves, senador tucano
Para tentar conter o impeachment, a estratégia presidencial passa pelo STF. Advogados do PT monitoram com lupa cada movimento para poder questionar cada detalhe do processo no Supremo Tribunal Federal. A intenção do Planalto é retardar ao máximo o início do processo para transmitir ao País a mensagem de que esta será uma travessia lenta e dolorosa, em contraposição aos que defendem que este será o caminho mais rápido para o Brasil sair da agonia. Joga contra o Planalto e Dilma uma insatisfação popular cada vez mais crescente. Os movimentos pró-impeachment organizam para as próximas semanas protestos na Praça da Sé, em São Paulo, palco das manifestações das Diretas. O clamor das ruas pressiona outro foro onde, em paralelo às articulações no Congresso, o destino de Dilma pode ser selado: o TCU. No julgamento das pedaladas, todos apostam na rejeição das contas de 2014. A defesa apresentada há duas semanas não foi capaz de convencer os ministros da corte. Se a votação fosse realizada esta semana, a derrota seria acachapante: 9x0 contra Dilma. A comunidade internacional já lança luz sobre a fragilidade da presidente. Em editorial publicado na segunda-feira 14 sob o título “A terrível queda do Brasil da graça econômica”, o britânico Financial Times disse que “se o Brasil fosse um paciente de hospital, médicos da sala de emergência poderiam diagnosticá-lo como em um declínio terminal”. O texto lembra que a falta de apoio político faz com que “seja praticamente impossível para Dilma responder adequadamente à crise econômica”. O jornal afirmou ainda que a economia brasileira está “uma bagunça” diante de recessão esperada para 2015 e 2016, do déficit das contas públicas, do novo Orçamento com expectativa de saldo primário negativo e a consequente elevação da dívida. Os motivos listados pelo periódico inglês tornam o ambiente político inflamável à espera do riscar do fósforo. Realmente é preciso coragem.
Colaborou Fabio Brandt

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Mendes: 'PT instalou financiamento público com dinheiro do petrolão'

Em voto favorável ao financiamento privado de campanhas, ministro do Supremo afirma que o petrolão 'foi um método criminoso de governança que visava à perpetuação de um partido no poder'

Por: Laryssa Borges, de Brasília
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal
O ministro Gilmar Mendes durante sessão do do Supremo Tribunal Federal(Carlos Humberto/SCO/STF/Divulgação)
'O partido que mais leva vantagem na captação de recursos das empresas privadas agora, como Madre Teresa de Calcutá, defende o encerramento do financiamento privado. É uma conversão que certamente merece algum tipo de canonização. Será que nos tomam por idiotas?'
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), proferiu nesta quarta-feira um duríssimo voto contra a possibilidade de a Justiça impedir as doações de empresas a partidos políticos e candidatos. Em cinco horas de fala, Mendes criticou o propinoduto montado na Petrobras para perpetuação do Partido dos Trabalhadores e seus aliados no poder.
Foi o segundo voto contrário na Corte no julgamento sobre o financiamento de campanhas eleitorais e partidos por empresas privadas. O ministro Teori Zavascki adotou posição similar. Os ministros Luiz Fux, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Luis Roberto Barroso, Dias Toffoli e Joaquim Barbosa - já aposentado - se manifestaram contrários à possibilidade de pessoas jurídicas repassarem recursos a candidatos e partidos. O ministro Edson Fachin, por ter sucedido Barbosa, não participa do julgamento.
O STF analisa uma ação direta de inconstitucionalidade apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que contesta trechos da Lei Eleitoral (9.504/1997) e da Lei dos Partidos Políticos (9.096/1995) e que pede que a Corte, além de declarar como inconstitucional a doação de pessoas jurídicas, delimite um teto individual e per capita para que os cidadãos possam fazer doações eleitorais e para os gastos de campanha pelos candidatos. Pelas regras atuais, empresas podem doar até 2% do seu faturamento bruto do ano anterior à eleição. No caso de pessoas físicas, a limitação é 10% do rendimento do ano anterior ao pleito.
A Câmara dos Deputados concluiu recentemente uma votação que autoriza doações de empresas a partidos políticos limitadas a 20 milhões de reais, mas como o tema ainda não foi sancionado pela presidente Dilma Rousseff, hoje ainda valem as regras atuais e o julgamento do STF ganha contornos mais relevantes.
Em seu voto, Gilmar Mendes disse que barrar a possibilidade de empresas repassarem recursos a candidatos institucionalizaria o caixa dois em campanhas. Mais: uma outra alternativa, a de um teto único para doações de pessoas físicas, abriria, segundo ele, caminho para políticos utilizarem nomes de eleitores que não querem doar para lavar dinheiro de doações fictícias. "Barrar [doações de empresas] seria oficializar a clandestinidade de doações de pessoas jurídicas por meio de caixa dois. Seria praticamente a institucionalização do caixa dois. Se fixar um limite, certamente teríamos beneficiários do Bolsa Família fazendo doação", disse ao cogitar a hipótese da instituição de um "doador laranja".
Em seu voto, o ministro atacou a OAB por supostamente estar defendendo interesses petistas no Supremo e disse que os atuais escândalos de corrupção não podem ser atribuídos à possibilidade de doações empresariais a campanhas, e sim a atitudes individuais de agentes públicos que optaram por cometer crimes. "O que tem, de uma certa forma, maculado o processo democrático brasileiro são os abusos perpetrados pelos candidatos, que podem usam a máquina administrativa em seu favor, cometendo ilícitos que podem ser evitados com o aperfeiçoamento da legislação", disse ele.
Criticado por setores do governo e partidos aliados por ter interrompido o julgamento sobre o tema em abril do ano passado, Mendes disse que se "regozijava" de ter pedido vista porque agora, com os desdobramentos da Operação Lava Jato, sabe-se dos métodos que agremiações governistas usam para engordar os caixas. "As revelações feitas pela mídia dessa Operação Lava Jato dão a dimensão da corrupção do aparato brasileiro. Na verdade, está a indicar um modo de governança em relação a não só uma empresa, mas da maior empresa do Brasil, a Petrobras", afirmou.
"A investigação revela que o patrimônio público estaria sendo saqueado pelas forças políticas. Os recursos serviriam para manter a boa vida dos mandatários, mas não só isso. O esquema é um verdadeiro método de governo: de um lado recursos do Estado fluiriam para as forças políticas, financiando campanhas e, como ninguém é de ferro, o luxo dos atores envolvido, casas, iates, reforma de apartamento de namoradas, amantes, mães e tudo mais. Foi um método criminoso de governança que visava à perpetuação de um partido no poder", completou ele.
Em seu voto, o ministro também apresentou a tese de que o fim do financiamento privado de campanha tiraria a paridade de armas entre candidatos governistas e de oposição e "aniquilaria" os oposicionistas. E disse que, ao contrário do que defenderam os seis ministros que já votaram contra o financiamento privado de campanha, não se poderia invocar neste julgamento princípios gerais previstos na Constituição, como a tese de que as doações de empresas colocariam em xeque a soberania popular ou o direito de cada eleitor à cidadania. Isso porque, disse ele, "no Brasil o constituinte decidiu não disciplinar a matéria [de financiamento de campanha] em âmbito constitucional", e sim deu liberdade ao Congresso para discutir o tema. Por isso, não haveria violações à Constituição nas doações empresariais de campanha. "A Constituição apenas vedou aos partidos o recebimento de recursos financeiros de entidades ou governos estrangeiros. A Constituição deixou para a legislação ordinária a regulação para o financiamento de eleições", declarou.
Mensalão - Gilmar Mendes voltou a comparar o escândalo da Petrobras ao esquema do mensalão, até então o mais significativo propinoduto da história recente, e ironizou: "o mensalão foi rebaixado no rating de soberania dos escândalos". "O partido político [PT] já se locupletou ao limite e aí quer proibir a doação a outros partidos. O partido do poder já independe de doações eleitorais".
Em forte tom de crítica, o ministro disse ainda que doações individuais de pessoas físicas, se passarem a ser as únicas possíveis, estimulariam uma indústria de alugueis de CPFs para fraudar repasses de eleitores a políticos. Gilmar Mendes ainda voltou a atacar o discurso do PT favorável ao financiamento público exclusivo para campanhas.
"A Petrobras não pode ser assaltada por um grupo de pessoas. A rigor, esse partido é vanguarda porque instalou o financiamento público antes de sue aprovação, com recursos diretamente de estatais para o partido. É um modelo vanguardista. O financiamento público já tinha sido instalado para financiar as atividades partidárias. Dinheiro da Petrobras é dinheiro público", disse. E continuou: "O partido que mais leva vantagem na captação de recursos das empresas privadas agora, como Madre Teresa de Calcutá, defende o encerramento do financiamento privado. Quase me emociona, quase vou às lagrimas. É uma conversão que certamente merece algum tipo de canonização. Será que nos tomam por idiotas? O partido consegue captar recursos na faixa de bilhões dos reais continuamente e passa a agora defende bravamente o julgamento da inconstitucionalidade da doação de empresas privadas?", disse.
"Agora entendo o discurso de que a Petrobras é nossa. A Petrobras é nossa no sentido de que nós nos apropriamos da Petrobras. Não é que é nossa do povo brasileiro. E entendo agora porque determinados segmentos partidários fazem defesa tão ferrenha de estatais. É para sua manipulação. É para transforma-la em propriedade própria", atacou o ministro. Gilmar Mendes foi o único votar na sessão plenária de hoje.
Bate-boca - No final da sessão, o secretário-geral da OAB, Cláudio Pereira de Souza, ocupou a tribuna para contestar a afirmação de Gilmar de que a entidade esteja alinhada ao PT ao defender o fim do financiamento privado de campanhas. Souza começou a expor dados de uma pesquisa Datafolha segundo a qual 74% da população seria contra o financiamento privado quando foi interrompido pelo próprio Gilmar Mendes.
O presidente do STF, Ricardo Lewandowski, interrompeu: "Vossa Excelência falou por quase cinco horas. Vamos garantir a palavra ao advogado", disse a Gilmar Mendes. "Eu sou ministro desta Corte. Advogado é advogado", retrucou o magistrado. "Quem preside esta sessão sou eu", replicou Lewandowski, dando a palavra ao representante da OAB. Irritado, Gilmar Mendes deixou a sessão plenária na sequência.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Dirceu e Vaccari viram réus da Lava Jato por corrupção

Juiz federal Sérgio Moro abre ação penal contra ex-ministro da Casa Civil (Governo Lula), ex-tesoureiro do PT e outros 13 alvos da Operação Pixuleco, também pelos crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa

Estadão Conteúdo
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O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (Governo Lula) agora é réu da Operação Lava Jato. Nesta terça-feira, 15, o juiz federal Sérgio Moro recebeu denúncia da Procuradoria da República, que acusa Dirceu, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e outros 13 alvos da Operação Pixuleco, desdobramento da Lava Jato, por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Dirceu e Vaccari, quadros históricos do PT, estão presos em Curitiba, base da Lava Jato. A Procuradoria afirma que o ex-ministro recebeu, por meio de sua empresa de consultoria, a JD Assessoria, propina de empreiteiras contratadas pela Petrobrás.
Ao todo eram 17 denunciados pela Procuradoria. O juiz Sérgio Moro, no entanto, rejeitou a acusação, ‘por falta de justa causa’, contra uma filha de Dirceu, Camila Ramos de Oliveira e Silva, e a arquiteta Daniela Leopoldo e Silva Facchini, que reformou a casa do ex-ministro em Vinhedo (SP), por R$ 1,8 milhão.

José Dirceu teria recebido, no esquema Petrobrás, pelo menos R$ 11.884.205,50. O ex-tesoureiro do partido João Vaccari é acusado de ter arrecadado vantagens ilícitas para sua legenda. A decisão do juiz Moro alcança, inclusive, o ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque, apontado como elo do PT no esquema de corrupção na estatal. “Parte das propinas acertadas pela Engevix Engenharia com a Diretoria de Serviços e Engenharia da Petrobrás era destinada ao Partido dos Trabalhadores, sendo ela recolhida pelo acusado João Vaccari Neto, por solicitação do diretor Renato de Souza Duque que recebia sustentação política para permanecer no cargo daquela agremiação.”

Ainda segundo a denúncia parte das propinas acertadas pela Engevix Engenharia com a Diretoria de Serviços e Engenharia da Petrobrás era destinada a Dirceu e ao empresário e lobista Fernando Antônio Guimarães Hourneaux de Moura, ligado ao PT, ‘por serem responsáveis pela indicação e manutenção de Renato Duque’ no comando da unidade estratégica. Segundo o Ministério Público Federal, as propinas foram repassadas aos dirigentes da Petrobrás, ao partido e aos acusados entre 2005 a 2014.

“Das propinas, metade ficava para os agentes da Petrobrás e a outra metade ficava para o Partido dos Trabalhadores, sendo ainda parcela desta destinada a agentes políticos específicos, entre eles José Dirceu e Fernando Moura”, diz a decisão do juiz da Lava Jato.

Roberto Marques, o Bob, é apontado como braço-direito do ex-ministro. Luiz Eduardo de Oliveira e Silva é irmão e ex-sócio de José Dirceu na JD Assessoria e Consultoria – empresa pela qual o petista teria recebido propinas do esquema de corrupção e propinas instalado na Petrobrás entre 2004 e 2014.

Também estão entre os denunciados o lobista Fernando Moura, ligado ao PT, seu irmão Olavo Moura, o delator Milton Pascowitch – pivô da deflagração da Pixuleco que levou o ex-ministro à prisão, seu irmão José Adolfo Pascowitch, o ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque, o ex-gerente de Engenharia da estatal Pedro Barusco e o lobista Julio Camargo.

Estão na lista ainda os executivos Cristiano Kok, José Antunes Sobrinho e Gerson Almada, todos da Engevix, e Julio César Santos, ex-sócio de Dirceu, em cujo nome está a casa onde mora a mãe do ex-ministro, em Passa Quatro (MG).

domingo, 13 de setembro de 2015

A sombra do rebaixamento

Para agência de risco, o Brasil agora é um potencial caloteiro. Com a redução da nota de crédito, os investimentos vão cair, as empresas pagarão mais caro para fazer empréstimos e o desemprego tende a aumentar

Ludmilla Amaral (ludmilla@istoe.com.br)
Para entender o significado do rebaixamento da nota de crédito do Brasil pela agência de classificação de risco Standard & Poor´s, basta responder a seguinte pergunta: você emprestaria o seu dinheiro para um mau pagador? A não ser que se trate de um perdulário irremediável, provavelmente dirá não. Ao colocar as finanças brasileiras na segunda divisão – a nota caiu de “BBB-” para “BB+” –, a S&P fez mais do que tirar o grau de investimento conquistado a duras penas em abril de 2008. Numa tacada só, a agência americana desmoralizou a política econômica da presidente Dilma Rousseff, colocou pressão adicional em um governo aturdido e escancarou para o mundo inteiro o buraco em que o País se meteu. A expressão mais adequada para definir as nações que se enquadram no nível “BB+” é “potencial caloteiro.” Daí se compreende o tamanho da encrenca que os brasileiros terão pela frente. Designado pelo Palácio do Planalto para falar oficialmente sobre o assunto, o ministro Nelson Barbosa (Planejamento) era na quarta-feira 9 o retrato do desespero. Nervoso e atrapalhado, Barbosa não conseguiu encontrar nada melhor para dizer a não ser que o Brasil passará por uma fase de “travessia.” E se do outro lado estiver o abismo?
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"É preciso fazer escolhas. Sem coragem para decidir, tudo ficará mais caro"
Joaquim Levy, ministro da Fazenda
As consequências do rebaixamento serão desastrosas. De imediato, o Brasil terá dificuldades para atrair recursos estrangeiros. O selo de bom pagador é uma exigência dos principais fundos de investimento para aplicar em títulos de governos. Com o risco de calote cravado na imagem do Brasil, esses investidores desaparecerão. “Os grandes fundos serão obrigados a retirar suas aplicações”, diz Celso Grisi, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo. “Como o nível de poupança do Brasil é muito baixo, o crescimento do País depende de capital externo. É esse dinheiro que vai sumir.” O setor mais afetado deverá ser o de infraestrutura, que depende das grandes somas desembolsadas por capitalistas internacionais. Na quinta-feira 10, a S&P deu uma nova demonstração dos estragos que virão. A agência excluiu a Petrobras da lista de empresas com grau de investimento.
Com menos dinheiro circulando, o crédito se torna mais escasso e, por isso, mais caro também. Assim, as empresas terão dificuldade para se capitalizar – dificuldade dupla se a nota da empresa for ruim, como é agora o caso da Petrobras –, reduzindo seus projetos e planos de expansão. Na medida em que os investimentos minguam, o desemprego cresce, a renda média encolhe e o consumo cai. A onda perversa deságua no PIB, que, no caso brasileiro, já está em ritmo negativo. É impossível dimensionar, em termos percentuais, o impacto da perda do grau de investimento na performance da economia, mas é certo dizer que o rebaixamento da S&P contribuirá para alimentar a recessão. Para Clemens Nunes, coordenador da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas, o corte da nota brasileira eleva a pressão sobre o dólar, que tende a aumentar, e poderá trazer prejuízos para o mercado acionário.
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O principal argumento usado pela S&P para o rebaixamento da nota de crédito foi o projeto de orçamento apresentado há duas semanas pelo governo que prevê um déficit R$ 30,5 bilhões nas contas públicas em 2016. Esse equívoco deve ser atribuído principalmente à presidente Dilma, principal defensora da proposta. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, era contra. Voz solitária no governo, Levy defendia o corte radical de custos para equilibrar as contas, mas a presidente não mostrou disposição para isso. Depois do anúncio do rebaixamento da nota, Levy disse que “é preciso fazer escolhas” e que, sem coragem para decidir, “tudo ficará mais caro.” Ele tem razão.
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

sábado, 12 de setembro de 2015

O amargo preço das mentiras de Dilma

Rebaixamento do País intensifica pressão pelo afastamento da presidente da República. Diante da catástrofe econômica e da falta de perspectiva, o que a maioria dos brasileiros se pergunta hoje é: o que Dilma ainda faz no poder?

Débora Bergamasco e Sérgio Pardellas
Ao retirar do Brasil o selo de bom pagador na quarta-feira 9, a Standard & Poor’s, principal agência de classificação de risco, escancarou o que já era um sentimento nos meios políticos, jurídico e empresarial: a crise político-econômica tem nome e sobrenome. Atende por Dilma Rousseff. O rebaixamento para grau especulativo, o que significa maior risco de calote, foi atribuído pela S&P à incapacidade da gestão Dilma de equilibrar as contas públicas, às constantes revisões das metas de superávit fiscal e às divergências profundas de integrantes do governo em torno do tema. No final da última semana, a pergunta que se impunha no País era como Dilma ainda poderia seguir na cadeira de presidente da República. Entre os próprios petistas, a avaliação é de que a falência completa da gestão, agravada com a perda do grau de investimento, implodiu as derradeiras pontes construídas - a muito custo - pelo governo com setores do empresariado no início de agosto. E arrebentou o último fiapo que ainda unia o governo às classes C e D – agora desesperadas com a certeza do aumento do desemprego e da recessão.
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HORROR SEM FIM
Mentiras de Dilma e má gestão agravam a crise. Nos meios político
e empresarial, já há quem defenda a "solução Michel Temer"
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Produziu-se um consenso de que o País possui fôlego curto para suportar a crise atual. E a saída do atoleiro passa pelo afastamento da presidente – seja por renúncia ou impeachment, processo que voltou a ganhar força nos últimos dias. Poucas vezes, empresários verbalizaram essa posição com tanta eloquência. Até ministros próximos de Dilma vislumbram um cenário provável de impeachment até o final do ano. “Já há um distanciamento da classe política. Agora, a pressão dos empresários vai ser insuportável. Acho que Dilma vai ter de ir embora, vai ter que renunciar. É o capítulo final”, prevê o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, que até semana passada adotava um discurso mais moderado.
A preocupação é geral e genuína e já não se pode mais atribuir a postura crítica ao governo ao já surrado discurso do Fla-Flu político. Os temores sobre o futuro do País são reais. Hoje, o Brasil encontra-se à beira de um precipício e sem perspectivas de reversão de rumo. (leia mais sobre as conseqüências do downgrade às págs 36 e 37). Em abril de 2008, em um evento em Teresina, Piauí, o então presidente Lula, o mesmo que agora diz sem corar a face que o rebaixamento do País não significa nada, comemorou efusivamente, quando a mesma S&P concedeu o grau de investimento ao Brasil. “Se fossemos traduzir para uma linguagem que todos os brasileiros entendam, pode-se dizer que o Brasil foi declarado um País sério, que tem políticas sérias, que cuida de suas finanças com seriedade”, afirmou Lula em 2008. Sete anos depois, Lula adota uma nova retórica política. Diz o que precisa ser dito, não o que realmente pensa. Se o governo fosse outro e ele se encontrasse na trincheira da oposição, Lula diria que hoje o País - e sua governante - perderam totalmente a credibilidade.
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Dilma rompeu definitivamente com os compromissos assumidos durante a
campanha eleitoral, ao prever aumento de imposto e corte no social
A julgar pelas pesquisas de popularidade, poucos discordam que o quadro de terra arrasada foi produzido pela própria presidente Dilma. O rosário de mentiras desfiadas durante a campanha eleitoral fizeram com que a população a caracterizasse no 7 de setembro como um boneco inflável – nos moldes do confeccionado para fustigar Lula, com trajes de presidiário – em uma declarada alusão ao personagem Pinóquio, pelo nariz comprido. Não à toa. Não bastassem as sucessivas contradições com o País das maravilhas exibido no horário eleitoral, na última semana Dilma conseguiu romper definitivamente com os mais caros compromissos assumidos na campanha. Para tentar sair da crise e salvar a própria pele, agora ela ministra o mais amargo dos remédios: o corte de programas sociais e o aumento de impostos. Em jantar com jornalistas, em maio de 2014, a presidente rechaçou qualquer possibilidade de lançar mão da elevação de tributos como solução para disciplinar as contas públicas. “Não vai ter aumento de imposto. Não tem nada em perspectiva”, afirmou. No evento, a então candidata à reeleição, que também descartou a intenção de passar a tesoura nos programas sociais, foi além. Vaticinou que a saúde econômica do Brasil assemelhava-se a de um jovem, com coração forte e pulmão de atleta. “O Brasil é um país sólido, com estabilidade econômica, uma indústria sofisticada, altamente atraente para o capital internacional. O Brasil vai bombar”. Como todos já sabem, hoje a bomba é outra e precisa ser desarmada com urgência sob pena de o País ser condenado a conviver com a recessão por quase uma década, o que exigiria sacrifícios mais pesados do que aqueles que já estão sendo feitos atualmente pela população. Agora, sem planejamento e demonstrando desespero, o governo se perde nas duas agendas que sempre renegou: o aumento de imposto e o corte de gastos – inclusive no social.
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Sobre os integrantes da equipe presidencial que discutem aumento de tributos existe uma forte pressão para que a Cide, o imposto sobre a comercialização da gasolina e do óleo diesel, volte a ser cobrada do consumidor. O principal obstáculo para esta solução é o impacto exercido sobre a medição da alta dos preços, podendo gerar um aumento de 0,8% na inflação. Outra possibilidade para gerar receita seria a criação de uma nova taxa sobre as operações de crédito, que não entrasse na conta da inflação, mas que tivesse uma abrangência nacional e de arrecadação imediata. Algo como a CPMF, mas batizado com um outro nome mais palatável à população, como se isso fosse possível na atual conjuntura.
Uma iniciativa como esta só poderia ser pior se combinada com cortes nos programas sociais. É o que o Planalto já está fazendo, a despeito de contrariar outra promessa de campanha. Na última semana, Dilma abortou o lançamento da terceira etapa do Minha Casa, Minha Vida. O governo classifica a decisão como “adiamento”, para que se possa primeiro honrar as dívidas contraídas para executar estágios anteriores do programa. Mas, na prática, trata-se de uma puxada no freio de mão. Os empenhos dos valores do Minha Casa Minha Vida 1 e 2, conforme apurou ISTOÉ, já caíram pela metade: de R$ 10,3 bilhões para R$ 5 bilhões.
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NO REINO DOS PIXULECOS
No Sete de Setembro, manifestantes exibiram uma Dilma inflável,
com nariz avantajado, em alusão ao personagem Pinóquio, de Gepeto, um
notório mentiroso. Ao lado, o já famoso boneco de Lula, com trajes de presidiário
As decisões administrativas equivocadas, que aprofundam a crise econômica, somadas à fragilidade política da presidente, conferiram velocidade, força e materialidade a um novo pedido de impeachment preparado por setores da oposição e até da situação. O grupo pró-impeachment composto por integrantes do PSDB, DEM, PPS, SD, PSC, PTB, PSD e PMDB oficializou na quinta-feira 10 o lançamento de um site com petição pública para recolher assinaturas e incentivar no Congresso a abertura de um processo de afastamento de Dilma. O movimento já contabiliza 280 votos, o suficiente para aprovar a admissibilidade para o início de um processo em plenário. A página na internet traz a íntegra do pedido de impeachment apresentado pelo jurista Hélio Bicudo, fundador do PT. “Acho Dilma incapaz de ser presidente. Ela não tem nenhuma capacidade mental para dirigir o País. Não falta acontecer mais nada para que ela sofra o impeachment. Os crimes já se consumaram. Existem crimes praticados contra a administração pública”, disse Bicudo à ISTOÉ. Na quarta-feira 9, o presidente do PSDB, senador Aécio Neves, decretou o fim do governo. “Infelizmente, a perda do grau de investimento do Brasil e a perspectiva de revisão negativa nos próximos doze meses mostram que o governo da presidente Dilma acabou”. O coro pela saída de Dilma é engrossado no meio empresarial. “Com o impeachment, a agonia seria curta”, prega Flávio Rocha, dono da Riachuelo. Rocha sintetiza o discurso de pesos pesados do PIB para os quais Dilma se perdeu nas próprias mentiras e arrastou o País para o caos econômico.
A crise da semana, que culminou com a perda do selo de bom pagador do Brasil, começou com uma sucessão de trapalhadas presidenciais. Primeiro foi a ideia natimorta de ressuscitar a CPMF. O imposto do cheque foi discutido no Palácio do Planalto, provocando um racha no núcleo duro do governo, com direito a gritaria e dedo em riste. De um lado, o time que defendia a volta de um imposto rejeitado até no governo Lula, quando ele ostentava um alto índice de aprovação. Do outro, o grupo que antevia a catástrofe anunciada que representaria essa proposta. Assim que a notícia foi vazada para a imprensa, a fim de testar a reação do público, Dilma assistiu a respostas tão violentas quanto inesperadas e, três dias depois, recuou da decisão. E assim, a chance de recriar a CPMF voltou para a gaveta, de onde, ainda acreditam interlocutores do governo, pode ser sacada a qualquer momento.
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O segundo refugo do governo foi sobre o envio da peça orçamentária de 2016 ao Congresso Nacional com a previsão de déficit de R$ 30,5 bilhões. Assim como o imposto, essa discussão também acirrou os ânimos no Planalto. A tese capaz de convencer a presidente a ser a primeira governante na história a enviar uma previsão de Orçamento com mais gastos do que arrecadação foi a de que esta seria uma maneira de dar um susto nos parlamentares. Pela lógica do governo, diante da transparência dada à gravidade do problema nas contas governamentais, os parlamentares seriam praticamente forçados a se reunir com a equipe econômica para viabilizar os cortes e a criação de novos impostos. Com isso, acreditou, ela conseguiria minar as resistências para aprovação das propostas na Câmara e no Senado. Ainda dividiria com o Legislativo o desgaste diante da população na hora de ministrar o remédio amargo. O movimento vendido à presidente como sendo de grande esperteza foi imediatamente rechaçado pelos congressistas. Coube ao vice-presidente Michel Temer a tarefa de matar a proposta no nascedouro. Durante jantar com membros de seu partido, o PMDB, disse que qualquer projeto de aumento de receitas deveria partir do Executivo (leia mais à pág. 40).
Tamanha foi a irritação de Joaquim Levy com o episódio da previsão de déficit no orçamento que ele desabafou com um parlamentar: “Estou de mãos atadas”. Mesmo sendo voto vencido, alertou sobre o impacto que um sinal como esses poderia provocar no mercado e, principalmente, às agências de risco. Dito e feito. O rebaixamento do País elevou a tensão política e aumentou as desconfianças no meio empresarial. Para tentar jogar água na fervura, o governo convocou uma reunião de emergência na manhã de quinta-feira 10 com os ministros Joaquim Levy, Nelson Barbosa (Planejamento) e Aloizio Mercadante (Casa Civil). No encontro, Dilma mostrou um distanciamento total da realidade ao negar que o cenário econômico seja “catastrófico”. Pressionada, agora ela tenta encontrar uma maneira de alcançar o superávit de 0,7% do PIB – meta quase que imperativa diante do atual cenário econômico. As discussões sobre como levantar este dinheiro consomem o governo. Ainda não foi encontrada uma fórmula capaz de cobrir o buraco no Orçamento. O certo é que mais uma vez quem vai pagar a conta é a população. 

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Editorial: Um governo no limite

Pelo bem geral da nação, a presidente Dilma Rousseff deve ser afastada. É o que clama a sociedade

Carlos José Marques, diretor editorial
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Nos corredores do poder em Brasília, no Congresso, no meio empresarial, entre economistas, juristas e no establishment político – dos senadores aos deputados, aliados e opositores - e mesmo entre membros do governo, ministros e assessores, de forma crescente em toda a sociedade, não se fala em outra coisa: o afastamento da presidente Dilma. O mais breve possível. Pelo bem geral da Nação. O assunto é discutido abertamente e as manifestações nesse sentido espocam por todos os lados, como um anseio que beira a unanimidade. Nem Temer, nem Lula escondem mais a contrariedade com o rumo traçado e a criticam publicamente. Como suportar outros três anos nessa toada? Não dá mais. E, talvez, só Dilma não tenha percebido. Seu governo representa hoje a soma de todos os erros. Imobilizado, agoniza. A mandatária perde-se numa gestão temerária, confusa e hesitante, cercada por corrupção e mentiras, acuada pela inabilidade no Palácio do Planalto, acusada por pedaladas fiscais, estelionato eleitoral e doações ilegais de campanha. Tomada pela soberba e temperamento explosivo, peculiares a sua natureza, rejeita críticas. Não admite nem remorsos. Ao contrário. A capacidade de a presidente gerar estragos parece não ter fim e assim ela arrasta consigo o País inteiro para uma crise implacável e extenuante. Sob a sua batuta constrói-se um cenário de iniquidade econômica, social e política cujas proporções ainda são desconhecidas. Dilma teima em persistir nos equívocos, ignorando consequências. Inviabiliza saídas. Ao que tudo indica, perdeu qualquer condição de liderar no cargo a busca por soluções para os problemas nacionais que aparecem em cascata. É bem verdade que no seu mundo fantasioso nada disso existe. A crise é “transitória”, fruto de “dificuldades externas”. Há muito tempo Dilma desligou-se da realidade. Entrou em modo de negação. Na semana passada, diante do rebaixamento da nota de risco do Brasil – por culpa e obra de suas decisões – ela lançou mais uma pérola: “não temos um cenário de catástrofe”. A falta de credibilidade das declarações que emite não ajuda a tranquilizar ninguém. Dilma agora se desmente quase diariamente. A cada proposta que lança e contraria logo depois. Mandou às favas o último bastião de campanha: os programas sociais, que foram de vez para a faca dos cortes orçamentários. O “Minha Casa, Minha Vida”, as bolsas do “Ciência sem Fronteiras”, as verbas da saúde, o Pronatec, sem exceção, serão enxugados brutalmente. E o pacote de maldades não para por aí. A ideia de aumentar impostos para uma população exaurida pelo desemprego e por uma carga fiscal que não se reverte em direitos sociais decentes é, para dizer o mínimo, um desatino. Vinda como proposição de uma mandatária com índices quase zero de aprovação, beira a sandice. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, disse que o governo está “se autodestruindo” ao fazer “mal aos poucos”. O do Senado, Renan Calheiros, estabeleceu que o Estado é quem deve oferecer daqui para frente a sua cota de sacrifício. A tradição de governos petistas de preservar uma custosa máquina pública, repleta de cargos e recursos, para atender simpatizantes minou as contas do Tesouro. E, mais uma vez, o governo quer ir atrás dos contribuintes, revelando sua sanha arrecadatória, para fechar o buraco que ele mesmo criou. Injustiça em larga escala! Não há sinais claros de que ele vai frear a gastança com o toma-lá-dá-cá. Pede sacrifícios a quem já entregou tudo. E abandona à própria sorte eleitores que votaram no seu programa partidário. Por essas e outras, a agenda do impeachment está definitivamente reaberta. No Parlamento, um bloco suprapartidário quer iniciar o processo já em outubro. E poucos ali parecem se opor. O retrato do isolamento de Dilma ficou explícito durante a parada de Sete de Setembro, dias atrás, quando a presidente mandou erguer uma barreira com placas de metal, tal qual um “muro da vergonha”, separando palanque e populares que protestavam do lado de fora. Não ousou nem discursar, temendo vaias. Afinal, ninguém mais parece querer ouvi-la. 

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Governo admite devolver atribuições a militares

Após mal-estar, Ministério da Defesa anuncia que deve editar portaria para devolver aos comandantes militares o poder de movimentar pessoal nas Forças Armadas

O ministro Jaques Wagner
O ministro Jaques Wagner(Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Depois da controversa decisão da presidente Dilma Rousseff de retirar poderes dos comandantes das Forças Armadas, o ministro da Defesa, Jaques Wagner, disse nesta terça-feira que deve delegar a Exército, Marinha e Aeronáutica as funções de editar atos relativos ao pessoal militar. Tradicionalmente cabia aos comandantes militares esta tarefa, mas a presidente baixou na última semana um decreto que dava ao ministro da Defesa atribuições como a reforma de oficiais, a transferência de militares para a reserva remunerada e até a escolha de capelães militares.
O texto original não foi bem recebido no Congresso Nacional, que acusou o Executivo de usar o decreto para abrir caminho para a ingerência ideológica do governo na formação de militares, já que o decreto também revoga uma antiga legislação, o decreto 62.104, de 1968, que delegava competência aos comandantes de aprovar os regulamentos das Escolas e Centros de Formação e Aperfeiçoamento.
"O Ministério da Defesa deverá publicar portarias de delegação de competência aos comandantes militares para a publicação de atos no âmbito de cada força, Marinha, Exército e Aeronáutica", disse em nota o ministro Jaques Wagner. Segundo ele, o novo texto apenas atualizaria legislações anteriores à criação do Ministério da Defesa. "A publicação do decreto 8.515/15 obedece ao processo de consolidação institucional do Ministério da Defesa e não fere o papel constitucional das Forças Armadas", afirmou o ministro. Oficialmente, nem Wagner nem os comandantes militares foram consultados sobre a edição do decreto.
A Casa Civil informou que o envio do decreto à presidente Dilma atendeu a uma solicitação da secretaria-geral do Ministério da Defesa, comandada pela petista Eva Maria Chiavon. O comandante da Marinha, almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira, que estava ocupando o cargo de ministro interino da Defesa, e que viu seu nome publicado no Diário Oficial endossando o decreto, disse que não sabia da existência dele.

domingo, 6 de setembro de 2015

Fronteiras do horror

O grito silencioso do cadáver de Ayslan Kurdi em uma praia turca fez o mundo despertar para a tragédia humanitária dos refugiados que agora chegam à Europa. Para que isso não se repita é preciso agir e não se esquecer que somos todos imigrantes

Mariana Queiroz Barboza (mariana.barboza@istoe.com.br)
A cena é chocante. O menino, de apenas três anos, rosto enfiado na areia, inerte ao vai e vem das ondas. Está vestido como qualquer menino de três anos cuidado com o carinho de mãe zelosa. Camiseta vermelha, calça jeans que mal lhe cobre os tornozelos e singelos sapatos azuis. Está morto. Assim como mortos estão seu irmão e sua mãe (leia matéria à pág. 64). Talvez seja pelo sapato azul, pela pele clara ou só pelo olhar desolado do guarda que o observa, mas a imagem desse pequeno cadáver fez o mundo finalmente acordar para o drama de centenas de milhares de pessoas que têm se jogado de forma desesperada nas águas do Mediterrâneo neste verão europeu. Só nos últimos dois anos, meio milhão de pessoas se aventuraram em perigosas viagens para fugir da guerra, da fome, do horror que assola o Oriente Médio e o Norte da África. Mais de cinco mil deles tiveram o mesmo destino que Aylan Kurdi, o jovem sírio que se transformou no símbolo desta que é a maior crise migratória na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.
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Até a manhã da quarta-feira 2, quando o corpo de Kurdi foi dar na praia de Bodrum, na Turquia, os líderes europeus estavam mais preocupados em transferir a responsabilidade do problema do que encontrar solução para o destino de uma população em movimento que só faz crescer. Pareciam, todos eles, ter se esquecido do passado recente vivido pela própria Europa. Diante do drama de famílias inteiras enfrentando as águas do Mediterrâneo, europeus do Sul e do Norte, do Leste e do Oeste, não conseguiam lembrar-se que do mesmo solo que habitam saíram dezenas de milhões de pessoas em direção ao Novo Mundo há pouco mais de um século. Até a imagem icônica do pequeno cadáver de Aylan Kurdi gritar com a força do horror, a Europa e o mundo pareciam ter se esquecido de que todos somos imigrantes.
É uma crise que só cresce. De janeiro a agosto, mais de 350 mil novos migrantes chegaram à Europa, 25% a mais que todo o ano passado. Para a chanceler alemã, Angela Merkel, a crise não é temporária. “Nós estamos diante de um desafio nacional que será central não apenas por dias ou meses, mas por um longo período de tempo”, disse. Está marcada para 14 de setembro uma reunião das autoridades europeias para tentar organizar uma resposta à altura do desafio. Mas o embate ideológico será dos mais duros que o continente já viu. Enquanto nações como a Espanha aceitaram receber mais refugiados do que o previsto para 2015 e o primeiro-ministro britânico, David Cameron, que anteriormente havia dito que receber “mais e mais” pessoas não seria a resposta para a crise, mudou o discurso, outros líderes seguem relutantes. Na quinta-feira 3, o premiê húngaro, Viktor Orban, de centro-direita, disse que esse era um “problema alemão”.
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A falta de solidariedade expressa por pessoas como Orban espanta por vir justamente de um continente responsável por grandes migrações em massa no passado. Ao longo do século 19 e início do 20, mais de 60 milhões de europeus migraram para reconstruir a vida nas Américas, inclusive no Brasil. Segundo o governo americano, entre 1820 e 1910, só os Estados Unidos acolheram mais de 25 milhões de europeus, cerca de 3 milhões apenas do antigo Império Austro-Húngaro, dois dos países que hoje são mais linha-dura com os estrangeiros. O Brasil, por sua vez, recebeu quase 5 milhões de europeus nesse período. Eram momentos distintos, é verdade, mas não raro os imigrantes que deixavam a Europa fugiam também de perseguições, da fome e da guerra.
Diante da crise atual, o governo alemão, o mesmo que há poucas semanas pressionou Atenas impiedosamente por mais austeridade, mudou as regras para acolher os mais vulneráveis. Sob a Convenção de Dublin, os refugiados devem pedir asilo ao primeiro país europeu a que chegam – na maior parte das vezes, Itália, Hungria e Grécia (essa mergulhada em sua própria crise econômica e política). Mas, com as novas regras, os sírios agora podem pedir asilo diretamente para Berlim. Ainda assim, Merkel alertou que, se os refugiados não forem distribuídos de forma justa entre os países-membro do bloco europeu, de acordo com o tamanho de sua população e economia, a livre circulação de pessoas garantida sob o Acordo de Schengen estaria ameaçada.
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“A União Europeia não prestou atenção suficiente a todos esses sírios, em particular, que tiveram que deixar suas casas e foram acolhidos por Jordânia, Líbano e Turquia”, disse à ISTOÉ o historiador Demetrios Papademetriou, presidente do Instituto para Política Migratória na Europa, de Bruxelas. “O que aconteceu, no último ano, é que não só a situação na Síria piorou, como também as condições nos campos de refugiados se deterioraram.”
Mas se os governos hesitam em agir, os cidadãos europeus começam a se organizar voluntariamente. Um grupo de alemães, por exemplo, criou uma espécie de Airbnb, um site de locação de imóveis e cômodos, para dividir apartamentos com migrantes de diversos países e mais de 10 mil islandeses se reuniram no Facebook para oferecer suas casas a refugiados sírios. O bilionário egípcio Naguib Sawiris se ofereceu para comprar uma ilha na Grécia ou na Itália para receber, ainda que temporariamente, os refugiados sírios.
Essa é, afinal, uma crise humanitária. Há ao menos dois grupos tentando chegar à Europa. De um lado, são sírios, afegãos, iraquianos, curdos e africanos de diversas nacionalidades em busca de segurança. Do outro lado, estão os migrantes econômicos, que mudam de país na esperança de melhorar de vida, empreender, estudar ou conseguir um emprego melhor. Nos dois casos, é o desespero que os move.
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INIMIGOS
Os países europeus se esquecem de seu passado e tentam
de toda forma manter os imigrantes longe de suas fronteiras
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E diante do desespero, nada parece impedir que estas pessoas alcancem seu principal objetivo: uma vida digna. A Hungria, quando se viu no centro do movimento migratório, decidiu impedir a entrada de todos e construiu um muro de arame farpado ao sul do país, na fronteira com a Sérvia.
Para Joel Millman, porta-voz da Organização Internacional para a Migração, de Genebra, os muros só funcionam como subsídio para traficantes e contrabandistas. “Isso significa que vai custar mais caro para entrar naquele país, não que as pessoas vão deixar de atravessar a fronteira”, disse à ISTOÉ. “A crise acontece não só por causa da quantidade de pessoas, mas porque o sistema de proteção e segurança não funciona”, afirma Irina Molodikova, pesquisadora de migração na Universidade da Europa Central, de Budapeste.
A verdade incômoda é que a crise de agora é resultado direto da crescente instabilidade no Oriente Médio, causada em grande parte pelo próprio Ocidente. A desastrada invasão americana ao Iraque, com o apoio da Inglaterra e de uma série de países europeus, desestabilizou de maneira profunda a correlação de forças na região e abriu espaço para grupos islâmicos ultra-radicais. O Estado Islâmico, em última análise, é exatamente fruto desse novo cenário. Seguidores de uma linha do islamismo sunita defendida pela Arábia Saudita e por vários países do Golfo, o grupo surgiu no vácuo de poder e liderança que se abriu no Iraque. Hoje uma parte considerável dos migrantes que chega à Europa foge da barbárie sem fim dos radicais sunitas, exatamente como a família do pequeno Aylan Kurdi.
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E que não se enganem os europeus e o mundo. Mais e mais imagens trágicas como a do corpo desfalecido do pequeno menino sírio irão surgir nas praias do Mediterrâneo ou nas linhas férreas dos Bálcãs nos próximos meses. Sem sinal de arrefecimento nas crises no Oriente Médio e no Norte da África, mais e mais homens, mulheres e crianças desesperadas irão jogar-se ao mar para tentar sobreviver, ainda que como mendigos em uma estação de trem de um país europeu periférico, como a Hungria. Este é um problema global. E o mundo precisa se unir para resolvê-lo, como já o fez antes em grandes crises migratórias do passado. Afinal de contas, de uma forma ou de outra, somos todos imigrantes.
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Fotos: Nilufer Demir/AFP, ATTILA KISBENEDEK, ATTILA KISBENEDEK - AFP, GEORGI LICOVSKI/EPA; ISTVAN BIELIK/AFP, ACHILLEAS ZAVALLIS -AFP 

sábado, 5 de setembro de 2015

O governo parou...

Dilma vê sua imagem ruir com Orçamento com R$ 30 bilhões de déficit. Agora, a presidente promete fortalecer o ministro Joaquim Levy na tentativa de salvar as contas públicas. Será que consegue? Até o Michel Temer já demonstra dúvida

Sérgio Pardellas (sergiopardellas@istoe.com.br)
A imagem pública da presidente Dilma Rousseff foi toda construída em cima de sua alegada capacidade administrativa. Quando escolhida pelo ex-presidente Lula para ser sua sucessora, nos idos de 2009, ela era vendida como “a mãe do PAC” e a “gerentona” capaz de manter o País nos trilhos do desenvolvimento econômico. A reconhecida falta de experiência política, diziam os entusiastas de sua escolha, seria compensada pela desenvoltura com que Dilma tocaria a máquina pública, engrenagem de difícil manejo que ela conhecia por dentro como poucos. Desde os tempos em que chefiou a Casa Civil, num dos momentos mais turbulentos da era Lula – quando José Dirceu deixou o cargo acusado de ser o mentor do mensalão. Esta imagem de executiva competente que conseguiu no início da primeira gestão inebriar até setores refratários ao PT, como a classe média, desmoronou por completo na última semana, com o envio ao Congresso do Orçamento com um déficit de R$ 30 bilhões – algo inédito na nossa história. O reconhecimento do governo de que foi incapaz de controlar suas próprias contas e a tentativa de terceirizar a solução, delegando ao Congresso a tarefa de arrumar receitas para cobrir o rombo, escancarou de uma vez a inépcia da presidente da República. Mas este foi apenas o último e mais nítido sinal de sua incapacidade gerencial.
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De 2013 para cá a presidente agiu de maneira inconseqüente, como se montasse uma arapuca para si mesma. Mas quem caiu na armadilha foram os brasileiros. Para garantir sua reeleição gastou o que podia e o que não podia. Curiosamente, no primeiro programa eleitoral de 2014, Dilma foi apresentada aos eleitores como uma dona de casa. Na TV, cozinhava, arrumava os livros e caminhava pelo jardim. No governo, ela não seguiu um ensinamento básico de uma chefe da família: não se deve gastar mais do que recebe.
Caso Dilma admitisse o profundo desequilíbrio das contas públicas, não seria reeleita. Para mascarar o problema, vieram o represamento dos preços administrados e as chamadas pedaladas fiscais, hoje em julgamento no TCU. “O que ocorreu em 2014 é que o governo federal aumentou programas não obrigatórios que tinham forte impacto eleitoral. Ou seja, as pedaladas beneficiaram Dilma na eleição”, afirmou o procurador do TCU, Júlio Marcelo de Oliveira, na última semana.
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Na esfera política, para ampliar o arco de alianças durante a campanha, Dilma prosseguiu com o inchaço indiscriminado da máquina e avalizou a liberação de verbas para a base parlamentar. O apetite eleitoral somado à irresponsabilidade fiscal levou à falência do Estado (leia mais nas págs. 32 a 34). No Tesouro não faltam faturas pendentes. Uma delas soma R$ 227 bilhões — sete vezes mais que a meta de déficit para 2016. São os chamados “restos a pagar”, gerados quando os serviços prestados já foram reconhecidos pelo governo, mas o dinheiro não sai do caixa. Algo do tipo “devo não nego, pagarei quando puder”. “Os atrasos encarecem as contratações, pois os fornecedores embutem previamente a demora no preço e dão margem à corrupção, pois os gestores passam a decidir a qual credor irão pagar”, diz o economista Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas.
Depois da reeleição de Dilma, o impacto no cotidiano foi grande. A liberação dos preços administrados - como energia, água e combustível - aumentou o custo de vida. Apenas este ano, a conta de luz ficou quase 50% mais cara na média das principais regiões do País. O aumento de IOF encareceu o crédito ao consumidor, que já está sendo pressionado pela alta da taxa básica de juros. E o acesso a benefícios sociais, como seguro-desemprego e abono salarial, ficou mais restrito.
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MAIS FORTE
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ameaça deixar o governo, recebe solidariedade
do mercado e conquista plenos poderes para tocar o ajuste fiscal
Do ponto de vista administrativo, o País vive um caos. Os ministros, no aguardo de um corte que pode atingir 15 ministérios, vivem atordoados, sem saber se e até quando permanecerão no cargo. As principais capitais se transformaram num imenso canteiro de obras inacabadas. Segundo levantamento do Instituto Trata Brasil, 52% das obras do PAC apresentam problemas. No PAC 2, lançado no ano eleitoral, 41% das obras sequer começaram. Já os programas Água e Luz Para Todos só utilizaram 12% do seu orçamento previsto no ano, segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi). Outra prioridade do governo, o programa Educação Profissional e Tecnológica, utilizou apenas 27,5% do previsto. Na rubrica Cidade Melhor, que inclui obras de saneamento, de prevenção de risco em encostas, de mobilidade urbana e pavimentação, não foram executados nem 2% do total. As promessas de campanha, como se vê, não saíram do papel. Os números expõem um País paralisado.
Outros movimentos recentes desnudaram uma presidente mais parecida com uma biruta de aeroporto, instrumento que muda de direção ao sabor dos ventos. Malfadada a operação de ressuscitar a CPMF, no início da semana, ao encaminhar o projeto orçamentário com uma conta que não fechava, a presidente agiu a contragosto do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Não seria a primeira vez que ela sabotaria Levy. Na quinta-feira 3, após o ministro procurá-la reclamando de isolamento e falta de apoio no governo, provocando rumores sobre sua iminente saída do cargo, Dilma resolveu fortalecê-lo. Agora, a promessa é de que Levy terá plenos poderes para conduzir o ajuste fiscal e o reequilíbrio das contas públicas planejados no início do segundo mandato. Nesse novo arranjo, perdem força os ministros Nelson Barbosa, Planejamento, e Aloizio Mercadante, Casa Civil.
Se levada adiante, a decisão, embora acertada, foi movida mais por um instinto de sobrevivência da presidente do que por convicção política. Um dia antes de anunciar em reunião no Planalto a apoio total ao seu ministro da Fazenda, Dilma ouviu de interlocutores importantes que o País corria sério risco caso Levy fosse escanteado ou apeado do posto. Uma das pessoas com quem Dilma se aconselhou foi o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, opção número um para a Fazenda antes da nomeação de Levy. “O País quebra em questão de meses, se Levy deixar o cargo ou mesmo ficar enfraquecido”, teria dito Trabuco a presidente. A orientação de Dilma, agora, para todo o governo é no sentido de perseguir a meta de superávit de 0,7% do PIB no próximo ano. Estuda-se ainda no Planalto o envio de uma emenda ao Congresso para evitar o déficit primário de 0,5% do PIB. Na verdade, se honrar o prometido, Dilma põe em marcha o que lhe fora cobrado por Levy, hoje na prática o homem mais forte do governo, cabendo a ela prosseguir com única agenda exercida até então com relativo êxito: a de não cair.
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Mas pode ser por pouco tempo. Nem o vice Michel Temer, dizendo-se traído por Mercadante, se dispõe mais a ajudá-la na ponte com um Congresso cada vez mais distante da presidente. Na verdade, com antecipou ISTOÉ em sua última edição, o vice prepara o PMDB para o desembarque do governo em breve. Mas o peemedebista permanece afinado com Levy, ao lado do qual promete estar agora e, se for o caso, no pós-Dilma – possibilidade já tratada abertamente por Temer. Em conversas com empresários na quinta-feira 3, Temer abandonou a fleuma habitual ao dizer que será difícil a presidente Dilma resistir até o fim do mandato se mantiver a baixa popularidade atual. “Não dá para passar três anos e meio assim”, afirmou. As palavras do vice, na atual circunstância política, carregam um forte simbolismo. Parece um vaticínio do vice sobre a queda da titular. E realmente é. Para entender melhor o peso das declarações de Temer, no início de julho, Dilma disse em entrevista: “eu não vou cair. Isso aí é moleza”. Menos de dois meses depois, quem diz – e publicamente – que se continuar impopular como agora ela cai sim é o próprio vice-presidente e substituto imediato em caso de renúncia ou impeachment.
Ao anunciar que vai gastar mais do arrecada em 2016, governo assina o próprio atestado de incompetência, escancara a ruína das contas públicas e aumenta a desconfiança de empresários e trabalhadores
...e você paga a conta
Sabe quem vai arcar com os prejuízos gerados pela inépcia do governo? Os milhões de contribuintes que já estão asfixiados pela crise econômica
Colaborou Fabio Brandt
Fotos: Ueslei Marcelino/REUTERS Pedro França/Agência Senado; ANDRÉ COELHO/Ag. O Globo