Libertação do maior campo de extermínio nazista completa sete décadas.
Em alguns anos não restarão sobreviventes; veja seus relatos.
Sobrevivente chora em visita a edifício de detenção de Auschwitz, nesta terça (27) (Foto: Alik Keplicz/AP)
Cerca de 300 sobreviventes de Auschwitz regressam nesta terça-feira
(27) ao lugar onde viveram um dos piores horrores da história humana
para advertir contra a repetição de um crime semelhante, 70 anos depois
da libertação do campo nazista pelo exército soviético, em 27 de janeiro
de 1945.
O sobrevivente de Auschwitaz Laszlo Bernath,
de 87 anos, posa para a agência Reuters
em Budapeste (Foto: Laszlo Balogh/Reuters)
“É o último aniversário de número redondo celebrado na presença de um
importante grupo de sobreviventes", explica Piotr Cywinski, diretor do
museu do campo de Auschwitz, instalado em 1940 pela Alemanha nazista no
sul da Polônia.de 87 anos, posa para a agência Reuters
em Budapeste (Foto: Laszlo Balogh/Reuters)
Auschwitz-Birkenau foi o lugar da morte de cerca 1,1 milhão de pessoas, entre elas 1 milhão de judeus de vários países europeus. Transformado em museu e memorial, recebeu no ano passado 1,5 milhão de visitantes.
Trata-se do maior e mais mortífero campo de extermínio e de concentração nazista e o único preservado tal como foi abandonado pelos alemães que fugiram do Exército Vermelho. Outros campos de concentração nazistas na Polônia, como Sobibor, Treblinka ou Belzec, foram destruídos completamente pelos alemães para eliminar as provas.
Laszlo segura a foto de sua família, que foi toda exterminada no maior
campo de concentração nazista (Foto: Laszlo Balogh/Reuters)
LembrançasPassaram-se 70 anos, mas os derradeiros sobreviventes de Auschwitz lembram como se fosse hoje dos gritos horríveis dos eletrocutados, da angústia permanente de morrer e dos rostos das mulheres e crianças a caminho das câmaras de gás.
“Ninguém pode imaginar o grito de uma pessoa eletrocutada” quando, desesperada, se joga contra o alambrado para por fim à sua vida, conta a polonesa Zofia Posmysz, de 91 anos, com o rosto marcado pela emoção e pela dor, apesar dos muitos anos que se passaram desde sua chegada a Auschwitz, em 1942.
As recordações atormentam essa bela e pequena mulher que suportou três anos em Auschwitz e em Ravensbrück: “Vi cadáveres pendurados nas cercas de arames. À noite, as mulheres jovens saíam dos barracões e iam se jogar contra as cercas elétricas. Era horrível, era realmente horrível!”, relembra a ex-interna nº 7566.
“Havia oito ou dez cabeleireiros profissionais de Varsóvia e Höss ordenou que um aprendiz como eu cortasse o cabelo dele”, relatou à AFP. “Minhas mãos tremiam. Mas uma ordem é uma ordem. Tive que fazer meu trabalho”, diz. “O corte era muito fácil, ao estilo alemão. Tinha que raspar a nuca com a lâmina e passar a máquina dos lados. Tinha bons instrumentos, meus colegas afiaram bem a navalha”, relata.
Não passou pela sua cabeça matar Höss com essa lâmina? “Muitas vezes me perguntam. Eu era consciente das consequências, não estava louco, se eu lhe cortasse o pescoço, metade dos prisioneiros do campo seriam imediatamente executados”, contou.
Quando foram deportados, Zofia e Jozef tinham ambos 19 anos. Sobreviveram porque eram jovens, aprenderam rapidamente a viver no campo e foram encarregados de um “bom trabalho”.
“Aprendi a sobreviver nesse lugar. A não ser o primeiro da fila, a não estar nos cantos quando tinha que andar em grupo. A estar no meio para ficar longe do cão do guarda, que podia pegar a gente. Fazia de tudo para não me expor aos castigos”, conta Zofia Posmysz.
Kazimierz Albin, de 92 anos, sobreviveu porque conseguiu escapar em 27 de fevereiro de 1942 com outros seis internos. “Era uma noite estrelada. Fazia uns 8 ou 10 graus negativos”, relata o prisioneiro n° 118.
"Tínhamos que atravessar o rio nus, em meio a placas de gelo', conta. Quando foi libertado, Kazimierz Albin se uniu à Resistência. As fugas eram pouco habituais. Com 1.300.000 deportados para Auschwitz, apenas 802 - entre eles, 45 mulheres - fugiram, segundo dados do museu do campo.
Libertação
Os campos de concentração e de extermínio nazistas foram libertados à medida que os exércitos aliados avançavam rumo a Berlim. A libertação começou em 24 de julho de 1944 com a do campo de Majdanek (periferia de Lublin, Polônia) pelo Exército Vermelho e concluiu em 8 de maio com a capitulação sem condições da Alemanha.
É preciso diferenciar a libertação dos campos propriamente ditos das evacuações, um processo complexo e que foi escalonado ao longo do último ano da guerra. A libertação, pelo Exército Vermelho, de Auschwitz-Birkenau foi precedida pela dissolução paulatina do complexo a partir do verão de 1944 e pela retirada de mais de 60 mil prisioneiros.
Entrada
principal de Auschwitz nos dias atuais, ainda com a famosa placa com os
dizeres 'O trabalho liberta' (Foto: Pawel Ulatowski/Reuters)
A evacuação de Auschwitz começou a ser preparada no final de 1944,
pouco depois de as forças soviéticas liberarem o primeiro campo de
concentração grande da Polônia: o de Majdanek, perto de Província de
Lublin, onde se estima que 200 mil pessoas podem ter sido assassinadas.Em janeiro de 1945 as autoridades nazistas deram a ordem de transferir a maioria dos prisioneiros de Auschwitz, e em 17 de janeiro partiram as primeiras colunas formadas unicamente por pessoas saudáveis capazes de resistir aos penosos deslocamentos, em alguns casos a pé, que hoje são conhecidos como 'marchas da morte'. Sob o frio, com neve e sem alimentos nem abrigo essas colunas chegaram a percorrer até 250 quilômetros.
Em Auschwitz ficaram apenas sete mil prisioneiros famintos e extremamente exaustos, que dias depois da partida de seus companheiros deram as boas-vindas às tropas soviéticas.
Quando esses soldados entraram no campo encontraram muitos dos pertences das vítimas, centenas de milhares de roupas, cerca de 800 mil vestidos e mais de seis toneladas de cabelo humano.
O
sobrevivente Sam Beller mostra o seu número de prisioneiro tatuado no
braço enquanto visita Auschwitz nesta segunda-feira (26) (Foto: JANEK
SKARZYNSKI / AFP)
LíderesOs presidentes francês François Hollande, o alemão Joachim Gauck, o ucraniano Petro Poroshenko, o chefe da administração presidencial russa Serguei Ivanov e o secretário americano do Tesouro Jack Lew assistirão à cerimônia principal da terça-feira à tarde em frente ao memorial de Birkenau, lugar de extermínio de um milhão de judeus europeus.
Também se espera o rei belga Felipe, acompanhado de sua esposa Matilde, e os soberanos da Holanda, Guilherme Alexandre e Máxima, assim como vários outros presidentes e primeiros-ministros. Uma centena de ex-prisioneiros chegaram de Israel junto a um ministro. O cardeal arcebispo de Cracóvia, Stanislaw Dziwisz, representará a Santa Sede. Moscou justificou a ausência do presidente Vladimir Putin por não ter sido oficialmente convidado.
*Com informações de AFP, Reuters e EFE.
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