Incapacidade do Estado em garantir a segurança de alunos da rede pública do Rio de Janeiro ameaça o futuro de milhares de jovens e provoca alerta até do Fundo das Nações Unidas para a Infância


3 anos para escapar dos tiros (Crédito:Marcelo Tabach)
O que aconteceu até agora na capital fluminense é suficiente para comprometer todo o ano letivo: quase 130 mil alunos de estabelecimentos municipais ficaram sem aulas pelo menos um dia e 381 colégios tiveram que fechar as portas (leia quadro) devido à troca de tiros entre facções rivais de traficantes, entre bandidos e policiais ou devido ao toque de recolher determinado pela milícia. Somente em oito dias do primeiro semestre todas as unidades funcionaram normalmente.

Assim como nas escolas, os pais incluem, entre os deveres de casa, estratégias para que os filhos consigam fugir dos tiros. “Quando você ouvir um barulho muito alto, corra para o abraço”, diz Kelly Santos da Silva, 27 anos para o filho Gael, de 3 anos.
É a maneira lúdica que ela encontrou para estimular o garotinho a procurar alguém que possa ajudá-lo. “Um dia, voltávamos da escola quando começou uma guerra. Me joguei no chão com ele enquanto as cápsulas de balas caíam ao nosso redor”, recorda ela, que é moradora do Complexo da Maré.
Alguém pode aprender em um lugar assim? A filósofa e escritora Tania Zagury responde: “Um ser humano só tem condição de se interessar por aprendizado se suas necessidades básicas estão satisfeitas”. A sobrevivência, claro, é a primeira delas. “Apenas um milagre faria um aluno ficar interessado em aula enquanto há uma troca de tiros do lado de fora da escola”.
TOQUE DE RECOLHER
No início de agosto começa o segundo semestre escolar em todo o País. Quase todo. Pelo menos algumas escolas de Santa Cruz, na zona oeste do Rio de Janeiro, não sabem se poderão reabrir. Por ordem de milicianos, as portas devem ser fechadas às 20h30, o que impede a realização de aulas noturnas e prejudica cerca de mil alunos. “A gente fica sem saber o que fazer até o momento em que eles mandam avisar se pode ou não dar aula”, disse um diretor de escola que não quis se identificar.
Na luta para minimizar os efeitos nefastos da violência, os professores desempenham papel importante. Roberto de Oliveira Ferreira, que leciona Música no Ciep Roberto Morena, na comunidade de Três Pontes, em Paciência, tem uma senha combinada com seus pequenos alunos: “Vamos para o corredor. Vai ter aula diferente.” Ao ouvir a frase, a criançada senta no chão e começa a cantar ao som do violão do professor, até os tiros pararem de zunir. “Tentamos minimizar o trauma e acalmá-los, além de proteger.”
“Se tem tiro, meu filho não vai à escola. Prefiro ele sem aula do que morto por bala perdida” Alice da Silva, mãe de Luís Felipe, 8 anos
Um levantamento da Secretaria Municipal de Educação mostra que a evasão escolar é alarmente em áreas de risco. No ano passado, 821 alunos de 20 escolas situadas em locais de conflitos abandonaram os estudos. Segundo estudo da ONG Todos Pela Educação com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) cerca de 2,5 milhões de crianças com idade entre 4 e 17 anos estão fora das salas de aula no Brasil. A violência carioca só faz piorar o quadro. “Quando tem tiro, meu filho não vai. Prefiro ele sem aula do que morto por bala perdida”, diz, categórica, Alice da Silva, mãe de Luís Felipe, 8 anos, estudante da Escola Barão Homem de Mello, no Morro dos Macacos, onde eles moram. Se o garoto não vai para a aula, a mãe, que é manicure, também não tem como trabalhar — um ônus extra da violência em comunidades pobres.


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