A compra de 36 caças Rafale, fabricados pela francesa Dassault Aviation, para substituir os modelos obsoletos da Força Aérea Brasileira (FAB), está decidida e sacramentada desde julho de 2009. Lula, quem decide, manifestou a escolha por três vezes. Nos últimos 6 meses, acompanhou-se um jogo de cartas marcadas. Veio junto a tentativa oficial, primitiva e enfadonha, de manter aparências do que nunca foi uma licitação pública.
A questão mais interessante agora não é qual será o avião de combate do projeto F-X2, mas por que Lula escolheu o Rafale?
O governo deixa entender tratar-se de escolha política do executivo. É verdade. Justifica a opção como parte de celebrada parceria estratégica com a França cuja estampa mais colorida é manifesto anti-americanismo e na qual, envolve a compra de helicópteros, submarinos convencionais e o casco do primeiro deles de fabricação nacional à propulsão nuclear. Em horizonte mais distante, cogita-se também a construção de um porta-aviões com caças Rafale equipados de trens de pouso reforçados e por que não, perguntam eles, a substituição dos 120 caças restantes da FAB, uma vez que o avião de combate francês se presta ao serviço. O Rafale foi projetado para o desempenho de multiplas funções.
Em contrapartida ao maior gasto da história militar do país e o mais longo, 10 bilhões de euros a serem pagos durante 7 mandatos presidenciais, a França seria forte aliada às ambições brasileiras nos foros internacionais, em questões financeiras, comerciais, de segurança e ambientais. A cereja em cima do bolo proposto na bandeja francesa é o apoio à velha reivindicação brasileira de uma cadeira verde amarela e cativa no Conselho de Segurança da ONU - custa apenas retórica e mais zero euro.
A moeda de troca francesa lembra o queijo camembert - duro por fora e mole no interior - é de difícil aferição, mas sobretudo, tem valor incerto. A transação dos Rafale seria como se decidissem comprar um apartamento à beira-mar do vizinho onde o preço do imóvel é mero detalhe e a motivação da aquisição estaria baseada na promessa de que, sempre que houvesse uma disputa na reunião de condomínio, o vendedor faria campanha para o voto no lado do comprador.
Portanto, não é por acaso que o governo Lula reforça a argumentação em favor dos franceses evidenciando a transferência de tecnologias críticas, aspecto da concorrência, no qual os felizardos eleitos por antecipação seriam os melhores candidatos. Infla-se o peito quando referem à entrega do código fonte, o cérebro do caça francês, mas há silêncio absoluto sobre o motor do avião. O Brasil não receberá nem o desenho de parafuso, porca ou ruela que integra o sistema de propulsão do Rafale, o M88 fabricado pela francesa Snecma. Sabe-se que existem mais países que possuem a bomba atômica do que aqueles que fabricam motores de aeronaves de combate.
Causa bastante estranheza o resultado de uma licitação ser anunciado antes da hora. É sem dúvida muito pouco convencional encomendar parecer técnico a quem realmente entende - e que será o usuário final - para depois considerar o estudo mero aspecto cosmético. Pior: exigir alterações no relatório para não causar constrangimentos. Se a opinião da FAB não tem influência, por que ela foi consultada? Se uma avaliação não hierarquiza os concorrentes em uma licitação, para que ela serve? Chamaram a FAB para participar do processo à condição de que os brigadeiros sonegassem a sua opinião a quem vai pagar a conta, o contribuinte brasileiro. Perguntem se a França compraria do Brasil sequer um cartucho de carabina para caçar esquilos em gramado de base aérea sem o aval de seus militares?
Adicione a prática frequente — e regulamentada pela legislação! — de pagamentos de comissões pelo governo francês para facilitar a venda de seus armamentos. O Rafale está exposto na prateleira há mais de uma década; salvo a França, onde é fabricado, não foi comprado por ninguém. O Brasil inicia ano eleitoral, época em que os partidos políticos procuram melhorar a tesouraria. Pode até ser uma dessas raríssimas exceções da história onde procedimentos pouco ortodoxos e a falta de transparência esconde um processo lícito, mas ninguém pode ser cobrado desta vez de tomar emprestado termo do vocabulário do presidente Lula. A licitação dos caças para FAB não é só um “fechem o bico, quem manda sou eu”, em mais uma atitude fora do lugar do presidente, ela tem ares de maracutaia.
PS - A quem se interessar pelo assunto, sugiro ler o post “A conta por favor“
Por Antonio Ribeiro
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