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quarta-feira, 25 de abril de 2018

Dilema na fronteira

Em meio a uma crise humanitária, governadora de Roraima cobra ação do governo federal e insiste no STF em fechar as portas para refugiados venezuelanos. O que pode ser feito para solucionar esse drama

Crédito: Andre Coelho
DESESPERO Fila de venezuelanos para receber doações de alimentos na Praça Simon Bolivar (Crédito: Andre Coelho)
Se não tinha grande experiência com crises migratórias, o Brasil se depara com uma triste e difícil, que não tem prazo para acabar. Os dias vão passando e a situação em Roraima fica mais complicada. Nunca um estado tão pequeno recebeu tantos refugiados. O Acre, depois do terremoto de 2010 no Haiti, recebeu um grande fluxo de haitianos, cerca de 38 mil. Em Roraima, com 520 mil habitantes, o número avança para 50 mil e o movimento de pessoas que atravessam a divisa das cidades de Santa Elena de Uaíren, na Venezuela, e Pacaraima, no Brasil, continua crescendo. Para piorar, os governos estadual e federal, que deveriam trabalhar em harmonia, não se entendem e abriu-se um conflito político. A governadora Suely Campos (PP) acusa uma demora nas ações de emergência sob responsabilidade do governo federal, como a distribuição dos refugiados em outros estados (apenas 266 foram remanejados para São Paulo e Mato Grosso até agora), e no repasse de recursos para Roraima.
Venezuelanos acampados no Ginásio Tancredo Neves (Crédito:Andre Coelho)
Andre Coelho
Na semana passada, a governadora, que pede o fechamento temporário da fronteira por meio de uma ação civil contra a União no Supremo Tribunal Federal (STF), desafiando acordos internacionais assinados pelo Brasil e a própria Lei de Imigração, reforçou sua intenção em um encontro com a ministra Rosa Weber, relatora do caso, e disse que, se nada for feito, o estado corre o risco de virar um campo de concentração. “Quisemos mostrar pessoalmente para a ministra o impacto que esse fluxo migratório está causando na segurança, na saúde e na educação do estado”, disse Suely à ISTOÉ. Rosa Weber deu um prazo de 30 dias para que haja uma conciliação entre as partes. O Ministério da Defesa e a Organização das Nações Unidas (ONU) afirmam que a situação em Roraima é preocupante, mas está sendo controlada e que medidas humanitárias de apoio aos refugiados continuarão sendo tomadas. O presidente Michel Temer, que destinou R$ 190 milhões neste ano para as operações de uma força tarefa no estado, declarou que o fechamento da fronteira é “incogitável” e recusa qualquer negociação, temendo ser acusado de violação de direitos humanos e desrespeito aos tratados internacionais.
OCUPAÇÃO  Exército monta operação para reforçar o controle na divisa na BR 174, no caminho de Boa Vista (Crédito:Andre Coelho)
Serviços públicos
“Na medida do possível a situação está sob controle, mas tudo dependerá do que acontecer na Venezuela daqui para frente”, diz Luiz Fernando Godinho, porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). “O Brasil está aprendendo com essa crise e começa a haver uma resposta ampla às demandas das pessoas, que envolve documentação, encaminhamento para alojamento e alimentação.” Segundo Godinho, há mais de 25 mil casos de refúgio registrados e mais de dez mil vistos temporários emitidos. Entram em Roraima cerca de 700 pessoas por dia e a capital Boa Vista está em estado de calamidade, com milhares de pessoas morando nas ruas e serviços públicos no limite do esgotamento. Nas últimas semanas surgiu um novo ingrediente para acentuar a crise: a chuva, que complica a vida dos imigrantes, principalmente dos desalojados. Milhares estão acampados em ruas e praças. Cerca de 2,2 mil, segundo o porta-voz da operação de acolhida, coronel Rodrigo Gonçalves, estão instalados em alojamentos montados pelo governo do estado e pelo Exército e recebem três refeições por dia. Existem cinco desses abrigos e outros cinco estão programados para entrar em operação nos próximos dias.“Estamos ampliando e melhorando os espaços existentes e organizando a recepção dos refugiados em Pacaraima”, afirma Gonçalves.
“Esse conflito evidencia a falta de uma política migratória estruturada”, afirma o presidente da Comissão dos Refugiados da OAB no Estado de São Paulo, Manuel Nabais. “Fechar a fronteira diante de uma crise dessas proporções seria uma medida desumana, mas o governo federal precisa socorrer Roraima de alguma forma.” Os argumentos do governo local para pedir o fechamento da fronteira mostram que a situação no estado é realmente crítica. Segundo dados da Polícia Civil, o número de homicídios no estado saltou de 24, entre fevereiro e março de 2017, para 44, no mesmo período deste ano. Os levantamentos do governo local mostram que os atendimentos nas unidades estaduais de saúde aumentaram 3.000% em 2017 e os gastos anuais com estrangeiros na área atingiram R$ 70 milhões, por conta de 50.826 atendimentos.
O sarampo, que estava erradicado no Brasil, voltou com força epidêmica em Roraima nos últimos meses, quando foram registrados mais de 200 casos — três crianças morreram por causa da doença. Seja como for, a imensa maioria dos refugiados prefere enfrentar as dificuldades da imigração que voltar para a Venezuela, onde se vive uma absoluta carestia. E não há qualquer expectativa de que o movimento na fronteira diminua a curto prazo. A única saída é a união de esforços.

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