Ministério Público de São Paulo culpa oficialmente a União pela morte de Virgílio Gomes da Silva, o primeiro desaparecido político nos anos de chumbo. É uma resposta aos saudosos da ditadura militar e àqueles que elogiam torturadores
Militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), comandada por Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira, o operário Virgílio, cujo nome na clandestinidade era Jonas, talvez sonhasse em ver o Brasil comunista, o que significaria uma ditadura tão ruim, sangrenta e cruel quanto a ditadura de extrema direita que vivemos. Nenhuma ditadura presta, ambas reprimem com violência. Virgílio foi preso em São Paulo em setembro de 1969, nove meses após a decretação do nebuloso AI-5, do qual também há gente em Brasília com vontade de vê-lo novamente vigorar. O potiguar Virgílio, então com 36 anos de idade, apesar de sua baixa estatura (um metro e sessenta e seis centímetros) praticava boxe e revidou quando levou os primeiros golpes de seus torturadores. Era um único homem a ser subjugado por muitos outros homens. Virgílio, que migrara para São Paulo com 16 anos de idade fugindo da fome da região em que nascera, acabou massacrado atrás de uma porta na sede da chamada Operação Bandeirantes (Oban), embrião do DOI-Codi, o grande porão da repressão militar. Motivo de sua prisão e morte: como responsável pelo grupo tático armado da ALN, ele teve papel relevante no sequestro do então embaixador americano Charles Burke Elbrick. Foi enterrado clandestinamente em um dos maiores cemitérios públicos de São Paulo, localizado no bairro de Vila Formosa. “Temos o atestado de óbito, mas o corpo jamais foi encontrado”, diz um de seus filhos, o engenheiro Gregório Gomes da Silva. “Meu pai era um homem íntegro e honesto, para sobreviver participou até de baile de resistência carnavalesca. Tinha de dançar sobre um tablado sem parar, os três dias do Carnaval, para ganhar o dinheiro do prêmio”.
“Meu pai foi um homem íntegro e honrado, mas seu corpo foi enterrado como indigente” Gregório Gomes da Silva, filho de Virgílio
Bolsonaro joga contra
Diante de tantos obstáculos colocados na esfera federal, o atestado de óbito de Virgílio é uma grande vitória de seus familiares contra a mais dura noite política que caiu sobre o País com a edição do AI-5: além de torturar e matar oponentes do regime, o ato institucional fechou o Congresso, extinguiu direitos políticos e garantias individuais, tornou sem efeito a figura jurídica do habas corpus e censurou a imprensa. Não se sabe onde está a ossada de Virgílio. Mas agora sabemos que a sua morte, ocorrida há 51 anos, se deu sob tortura — isso passou a ser público e a União é oficialmente culpada.
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