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quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Meu filho sumiu.e agora?Governo cria cadastro de crianças desaparecidas. Mas os pais precisam fazer a sua parte

Há quatro anos, Estela Duarte, 47 anos, foi arrebatada pela notícia do desaparecimento da filha, Vitória. Desesperada, a mãe da menina de 13 anos dirigiu- se imediatamente à delegacia para prestar queixa. De onde esperava apoio, não houve esperanças. “Aguarde 48 horas”, informou o policial, descumprindo a lei que determina o registro imediato no caso do sumiço de um menor. “Não se preocupe, ela volta”, disse um dos agentes. Desamparada, a comerciante, que mora na cidade de Palhoça, na zona metropolitana de Florianópolis, em Santa Catarina, recorreu aos vizinhos e à imprensa para divulgar fotos da filha e mergulhou numa investigação particular. Após quatro dias, descobriu que Vitória tinha sido vista com um rapaz de 21 anos, frequentador de uma lan house da cidade. “Em busca de pistas, rastreei os sites que ele acessava”, conta.
Estela descobriu que o rapaz integrava uma quadrilha formada por um casal e sete jovens que viajava pelas cidades brasileiras como se fosse uma família. O objetivo era atrair menores com a promessa de uma vida de festas e aventuras e introduzi-los na prostituição e no tráfico de drogas. Munida dos indícios da ação criminosa, a comerciante finalmente convenceu a polícia a investigar o caso. No quinto dia de desaparecimento da menina, eles descobriram que ela havia embarcado num ônibus com uma desconhecida para Porto Alegre. Vitória foi resgatada no desembarque. Na mala, havia um pacote com meio quilo de maconha. Ainda drogada, dormiu durante cinco dias seguidos. Nos anos seguintes, mergulhou no silêncio. “Minha filha não fala no assunto”, conta Estela. “Só sei que ela foi obrigada a dormir num prostíbulo.”Dados da Secretaria Especial dos Direitos Humanos revelam que 50 mil crianças e adolescentes desaparecem a cada ano no Brasil. Em quase 80% dos casos, são jovens acima dos 12 anos que fogem de casa por conta própria ou estimulados por terceiros. No caso de crianças abaixo dessa faixa etária, o sumiço ocorre durante atividades de rotina – no trajeto para a escola, na praia, no shopping ou em brincadeiras no parque.“São situações em que os pais estão ausentes ou distraídos”, afirma a delegada Ana Cláudia Machado, do Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas, de Curitiba, no Paraná, a primeira delegacia especializada no desaparecimento de menores com menos de 12 anos. Em 14 anos de operação, a delegacia registrou cerca de 1,4 mil ocorrências de crianças desaparecidas. Apenas dez casos não foram solucionados. Segundo Ana Cláudia, ao contrário da década de 90, quando a maioria dos desaparecimentos ocorria por tráfico para adoção ilegal, nos últimos anos, outros crimes motivam os raptos. “São casos de abuso sexual seguido de morte”, afirma.
A lei que exige o registro imediato nos casos de desaparecimento dos menores nem sempre é respeitada. “O problema é que, a cada hora que passa, a área de busca fica maior”, afirma Eliana Pedrosa, secretária do Desenvolvimento Social do governo federal, responsável pelo site http://www.desaparecidos/. mj.gov.br, o maior cadastro no País. “Não há tempo a perder”, diz. “O entendimento da maioria dos policiais é de não registrar a queixa antes de 48 horas”, afirma a deputada Bel Mesquita (PMDB-PA), autora do projeto de criação do Cadastro Nacional de Crianças Desaparecidas. “E as mães não sabem que têm o direito de registrar a queixa antes das 48 horas.” Além da falta de informação, a solução dos casos no Brasil é limitada porque nem todas as delegacias cruzam os dados entre os municípios, a divulgação das fotos é restrita a iniciativas isoladas e o trabalho de investigação é pouco especializado. Nos Estados Unidos, onde uma criança desaparece a cada 40 segundos, as operações de busca são integradas e há ampla propagação por meio de ferramentas tecnológicas. Uma das iniciativas é o “Amber Alert”, um alerta diário de desaparecimentos, divulgado pela tevê, rádio, e-mail e via SMS. O FBI ainda oferece aos policiais um treinamento específico. No Brasil, apenas os Estados de Minas Gerais e Paraná contam com delegacias especializadas.“Muitos delegados jogam a responsabilidade para a família”, avalia a deputada Andréia Zito (PSDB-RJ), autora da CPI do Desaparecimento de Crianças e Adolescentes, iniciada em outubro na Câmara dos Deputados. “Reduzem as causas da fuga aos maus-tratos ou ao abuso sexual dentro de casa e ignoram a influência de terceiros”, diz. Os inúmeros relatos de aliciamento de menores pela internet e de fuga sugestionada por pedófilos comprovam que os casos de desaparecimento são mais que um drama familiar, são um problema social. O governo federal colocou a questão na ordem do dia. Até o fim do ano, Lula deverá sancionar o projeto de lei do Cadastro Nacional de Crianças Desaparecidas, que reúne os registros de menores desaparecidos em todas as cidades brasileiras.
“O que era voluntário passou a ser obrigatório”, afirma a deputada Bel Mesquita, em referência à divulgação facultativa dos casos de desaparecimento pelas Secretarias de Segurança Pública dos Estados. O cadastro ainda deverá disponibilizar o programa de envelhecimento, que ajusta as fotos das crianças às possíveis mudanças na fisionomia ao longo dos anos, e o cruzamento de dados pelo DNA dos familiares, para facilitar as buscas.As investigações oficiais são fundamentais, mas o papel dos familiares não termina com o registro da queixa.“A família deve acreditar na divulgação das imagens e manter as esperanças”, afirma a delegada Ana Cláudia. Um exemplo emblemático da eficácia da divulgação dos dados é o caso de Osvaldo Borges Júnior, 23 anos, o Pedrinho, raptado em 1986 logo após o seu nascimento. O garoto, desaparecido durante 17 anos, foi localizado depois que uma amiga encontrou nos sites de crianças desaparecidas a foto de Jayro Tapajós Braule Pinto, seu pai biológico. “O que me chamou a atenção foi a orelha meio dobrada, parecida com a do pai”, disse a estudante. A esperança foi fundamental para que a família não desistisse da luta. “Esperaria por ele até o fim dos meus dias”, disse Maria Auxiliadora Braule Pinto, a mãe biológica do garoto, que realizou o seu maior sonho e conseguiu o impossível para a maioria das pessoas, mas não para as que são mães: continuou acreditando.

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