Investigação aponta elo entre Alberto Youssef e a JN Rent a Car, que embolsou R$ 77,5 mi em contratos com a estatal. Testemunha diz que a locadora era usada para lavar dinheiro
Claudio Dantas Sequeira (claudiodantas@istoe.com.br)
Em 2005, os Correios foram o pivô do maior
escândalo de corrupção da era petista no poder, o mensalão. Agora, nove
anos depois, a estatal reaparece enredada em outro caso de potencial
explosivo. A Polícia Federal, dedicada nos últimos dias a apurar o
envolvimento de funcionários públicos no esquema desbaratado pela
Operação Lava Jato, encontrou fortes indícios de que o doleiro Alberto
Youssef operou, além da Petrobras e do Ministério da Saúde, também nos
Correios. O elo entre o doleiro e a estatal é a JN Rent a Car, cujo nome
fantasia é Renacar. Esta empresa de aluguel de carros, sediada em
Londrina (PR) e pouco conhecida no mercado, embolsou, em oito anos, mais
de R$ 77,5 milhões em contratos com os Correios. No inquérito da PF, a
JN aparece fazendo transações financeiras com a MO Consultoria, do
doleiro Youssef. De 2005 até 2013, a locadora de veículos multiplicou
seus ganhos nos Correios em até 20 vezes, com a ampliação e renovação
automática de contratos que receberam nada menos que dez aditivos. O
proprietário da JN Rent a Car é uma figura conhecida do meio político e
policial: trata-se de Assad Jannani, irmão e um dos testas de ferro do
ex-deputado José Janene (PP), réu do mensalão que morreu em 2010 de
enfarte e que era um dos parlamentares mais próximos de Youssef.
OUTRA VEZ OS CORREIOS
Pivô do mensalão, a estatal reaparece em novo escândalo. Segundo a PF,
o doleiro Alberto Youssef usou prestadora de serviços da estatal
“Eles usavam a JN Rent a Car para lavar
dinheiro”, afirmou em depoimento exclusivo à ISTOÉ a testemunha-chave da
Operação Lava Jato, o empresário Hermes Magnus. Foi através de Magnus
que a PF soube, no fim de 2008, que o doleiro Alberto Youssef, velho
conhecido dos policiais, tinha voltado a operar. Para ISTOÉ, Magnus,
ex-sócio de José Janene, detalhou como funcionava o esquema:
“Lembra os euros apreendidos com o Enivaldo
Quadrado, doleiro que virou réu do mensalão? Era para comprar os
veículos dos contratos de locação com os Correios”, disse o empresário.
“Lembro do Janene comemorando o negócio e depois lamentando a apreensão
do dinheiro. Eles estão nos Correios. Na verdade, nunca saíram de lá.”
Magnus se aproximou de Janene quando buscou um investidor para sua
empresa, a Dunel Indústria e Comércio. Ele diz ter se surpreendido
quando viu sua empresa usada como lavanderia de dinheiro no esquema de
Youssef. “Para comprar os equipamentos, eles usaram diversas empresas de
fachada, a maioria em Brasília. No início, queriam colocar tudo em nome
da JN Rent a Car”, conta Magnus.
O sucesso da JN Rent a Car nos Correios foi
meteórico. De um faturamento de R$ 1,4 milhão, em 2005, a locadora
passou a ganhar mais de R$ 20 milhões em 2009. Ela prestou serviços para
a estatal em dez Estados da Federação: São Paulo (região metropolitana e
interior), Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Santa
Catarina, Maranhão, Bahia, Ceará, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Só o
contrato de São Paulo de 2006 foi aditivado dez vezes. Para fornecer 80
kombis aos Correios, a JN Rent a Car recebeu pouco mais de R$ 15
milhões. Um investimento e tanto para quem investiu apenas um terço
desse valor – e com dinheiro provavelmente obtido do esquema de lavagem,
limpo de impostos e de origem ilegal. Segundo os Correios, cada Kombi
custou R$ 1,4 mil por mês.
No inquérito da Polícia Federal fica
evidente a ligação da JN com o esquema de lavagem. A quebra de sigilo
bancário do doleiro preso mostra a compensação de um cheque de R$
204.157 emitido pela MO Consultoria, de Alberto Youssef, para a JN, em 9
de janeiro de 2009. Naquele dia não houve outras operações relevantes,
embora na primeira semana do ano a movimentação bancária da MO tenha
superado os R$ 2,5 milhões. Relatório da inteligência financeira do
Coaf, número 4.030, enfatiza o relacionamento da MO Consultoria com a
empresa JN Rent a Car Ltda. e uma outra firma, chamada Angel Serviços
Terceirizados, ambas investigadas nos autos por “indícios de utilização
de pessoas interpostas” para as operações de lavagem de dinheiro. A PF
afirma que a empresa de Youssef estava em nome do laranja Waldomiro Tuna
de Oliveira, que também aparece no comando de outras empresas de
fachada. E se refere à JN como uma “empresa que foi de propriedade de
José Janene”. Para os agentes que investigam o caso, só a quebra do
sigilo bancário da locadora pode mostrar o verdadeiro destino dos R$
77,5 milhões que escorreram dos cofres dos Correios nos últimos oito
anos.
A quebra de sigilo bancário do doleiro preso mostra a compensação
de um cheque de R$ 204 mil emitido pela MO Consultoria,
de Alberto Youssef, para a JN Rent A Car
de um cheque de R$ 204 mil emitido pela MO Consultoria,
de Alberto Youssef, para a JN Rent A Car
Em dezembro de 2012, a JN acabou penalizada
pelos Correios por descumprir “cláusulas contratuais”. A questão era
mais que uma firula: as 80 kombis da JN que prestavam serviços à estatal
haviam sumido. Por causa de uma dívida não paga da locadora com a
Volkswagen, oficiais de justiça tinham desembarcado em agências de
Ribeirão Preto e começado a apreender os veículos. Os Correios ficaram
sem conseguir entregar encomendas e cumprir com suas agendas de
atividades.
Na entrevista à ISTOÉ, o empresário Hermes
Magnus fornece outros elos do esquema criminoso. Ele diz ter decidido
pular fora da sociedade na Dunel Indústria e Comércio quando Youssef e
Janene o obrigaram a assinar uma papelada para abrir offshores da
empresa. A Dunel começaria a ser usada pela CSA Projetct Finance (braço
financeiro de Youssef) para lavar dinheiro. Primeiro, nas Ilhas Virgens
Britânicas, depois nas Bahamas e assim por diante. Segundo Magnus, o
esquema obedece a uma lógica complexa que envolve a criação de offshores
em até cinco níveis, uma dentro da outra, e diferentes paraísos
fiscais. No plano nacional, a teia de empresas chega a até dez níveis de
sociedades. “Quando o Youssef estava chegando do Exterior com os
documentos para eu assinar, fugi e contei tudo para a PF”, revelou
Magnus. Com base nas declarações do empresário, o juiz Sérgio Moro
montou uma força-tarefa com a Polícia Federal e o Ministério Público em
Londrina para detê-lo. “Para eles, prender o Youssef era uma questão de
honra, pois ele enganou a todos em 2003 quando tinha acertado uma
delação premiada e prometido não operar mais”, afirmou Magnus à ISTOÉ.
Em 2012, a JN Rent A Car foi penalizada pelos Correios
por descumprir cláusulas contratuais. As 80 kombis da
JN que prestavam serviços à estatal haviam sumido
por descumprir cláusulas contratuais. As 80 kombis da
JN que prestavam serviços à estatal haviam sumido
Segundo o empresário, a JN, que ganhara a
licitação milionária nos Correios, estava enredada nessa teia de
corrupção. Em 2009, a PF obteve uma pista para prender Enivaldo Quadrado
(doleiro réu no mensalão) no Aeroporto Internacional de Cumbica, em
Guarulhos (SP). Sócio da corretora Bônus-Banval e condenado pelo Supremo
Tribunal Federal na Ação Penal 470, Quadrado fora pego na ocasião com
361 mil euros, equivalentes a R$ 1,2 milhão, em maços de notas presos ao
corpo, nas meias e até na cueca. Magnus conta que era para ele estar no
lugar de Enivaldo Quadrado. “Mas eu não aceitei ser ‘mula’ (pessoa que
carrega o dinheiro e entrega no destino combinado) do esquema”, alega.
“Eu estava na Europa semanas antes. Deram para mim um celular Voip e
queriam um favor. Eu desconfiei e nem liguei o telefone. Duas semanas
depois, entendi o porquê”, desabafa. Magnum suspeita que parte dos euros
do corretor seria usada para a compra dos veículos da JN Rent a Car.
Euros apreendidos com o doleiro Enivaldo Quadrado seriam
usados para a compra dos veículos da JN Rent A Car
usados para a compra dos veículos da JN Rent A Car
Os investigadores avaliam que o esquema se
beneficiou especialmente das gestões do PMDB no comando da estatal, com a
anuência do PT, repetindo o enredo que deflagrou as denúncias do
mensalão. Nos últimos dias, a PF e o Ministério Público Federal colheram
novos e robustos indícios de que Youssef era o braço financeiro de
Janene e que este não era apenas mais um deputado mensaleiro, e sim um
dos principais operadores políticos do esquema, que já funcionava antes
de o governo do PT chegar à Presidência e que continuou operando depois
do escândalo do mensalão. “Janene e Youssef eram unha e carne, como uma
pessoa só. Entraram seus herdeiros”, confirmou Magnum à ISTOÉ. Quando
ele morreu, só moveram as peças do tabuleiro.
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