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quinta-feira, 17 de abril de 2014

Herança da hiperinflação, indexação ainda afeta grande parte dos preços

Segundo economistas, 30% dos preços do IPCA são indexados.
Indexação faz com que preços subam por 'inércia' e dificulta controle.

Alexandro Martello Do G1, em Brasília
Indexação; entenda (Foto: Editoria de Arte/G1)
Quase 20 anos após o Plano Real, em 1994, uma das “pragas” da hiperinflação, a indexação, ainda infesta boa parte da economia brasileira, e dificulta o controle dos preços no país.
Segundo economistas ouvidos pelo G1, os preços indexados no Brasil têm peso de cerca de 30% no índice oficial de inflação, e sofrem a influência da alta de preços passada – ou seja, são reajustados porque subiram no período anterior, “carregando” a inflação para a frente.
Funciona assim: a alta de alguns preços faz a inflação subir. Essa inflação, em seguida, é usada para calcular o reajuste dos produtos e serviços que têm preço indexado. Como consequência, esses preços sobem – e, ao subirem, geram uma "nova inflação", e isso vira um ciclo que se repete.
Quem foi assalariado na década de 1980, período em que a indexação teve seu “auge” no Brasil, se lembra bem dela: os salários, que também eram indexados, eram corrigidos pela inflação do mês anterior, e subiam sempre. O poder de compra, no entanto, só caía, com os preços subindo – pelo menos – na mesma medida.
Do aluguel às tarifas de ônibus, do salário mínimo à mensalidade escolar, o brasileiro ainda convive com a indexação em boa parte da economia. Do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a chamada “inflação oficial”, itens que representam até um terço de seu peso podem ser influenciados pelo “carregamento” dos preços do passado.
De onde vem?
Patrícia Pereira, Gestora de Renda Fixa da Mongeral Aegon Investimentos, relaciona a hiperinflação de pouco mais de 20 anos atrás como o principal motivo para a indexação na economia brasileira. Herança daquela época, os preços são indexados para que empresas, governos e pessoas se protejam da inflação – e acabam gerando mais da mesma.
Além da indexação à inflação, também há a indexação de preços com outros ativos, como o dólar. Considerando também a moeda norte-americana, a indexação teria um peso maior ainda na economia brasileira.
Em termos gerais, há três “grupos” de preços, segundo explica o professor Alcides Leite, da Trevisan Escola de Negócios: os preços influenciados pela variação do dólar (produtos comercializáveis), os preços livres (dependem da oferta, da demanda e da concorrência) e os preços administrados (cujos reajustes dependem da inflação passada e da autorização do governo).
"Podemos dizer que os preços livres respondem por algo em torno de 40% do peso [do IPCA], preços administrados em torno de 30% e comercializáveis (dólar) em torno de 30%. Desta forma vemos que a economia brasileira é ainda bastante indexada. Pelo menos 60% dos preços variam com o dólar e com a inflação passada", avaliou Alcides Leite.
A contribuição na inflação
Segundo o Banco Central, a chamada "inércia inflacionária" – em boa parte causada pelos processos de indexação da economia brasileira – respondeu por 0,79 ponto percentual do IPCA de 5,91% registrado em 2013 (13,4% de todo o índice).
Em seu relatório de inflação, divulgado no final de março, o BC avaliou que a elevada variação dos índices de preços ao consumidor, em doze meses, contribui para que a inflação ainda mostrasse resistência.
Responsabilidade do governo
De acordo com Claudio Shikida, coordenador do Nepom (Núcleo de Estudos de Política Monetária) do Ibmec, parte da indexação existente na economia brasileira é de responsabilidade do próprio governo. "Podemos falar de uma responsabilidade direta do governo, no caso dos preços administrados (que representavam, segundo o BC, aproximadamente 23% do IPCA em março de 2013), mas também há a responsabilidade quando [o governo] promove intervenções no funcionamento dos mercados, causando aumentos de preços", declarou.
Ainda segundo Shikida, é o caso das tarifas de energia elétrica. "Não é preciso ser economista para saber que ela será reajustada no futuro. (...) O aumento da demanda de energia elétrica mostrou-se incompatível com a oferta e, agora a inflação que virá pode até ser maior do que a que ocorreria se o governo não tivesse promovido a diminuição artificial (dos preços)", afirmou ele.
O que fazer para desindexar a economia?
De acordo com Patrícia Pereira, da Mongeral Aegon Investimentos, o primeiro passo para desindexar a economia "envolveria um comprometimento maior com a inflação, trazendo-a para o centro da meta, de 4,5%. Além disso, o empenho para uma redução gradual da meta de inflação passaria credibilidade ao projeto".
Em relação à indexação dos preços administrados, acrescentou a economista, os contratos de concessões de serviços públicos deveriam ser corrigidos de acordo com os custos e rentabilidade de cada setor, eliminando o "automatismo" da reposição dos índices de preços.
"Merece destaque, ainda, a regra de indexação do salário mínimo, criada em 2011 e com vigência até 2015 [inflação mais variação do PIB]. A medida garante aumentos reais que acabam por indexar e pressionar ainda mais a inflação, mas o custo político de acabar com tal medida é considerável", avaliou ela.
Claudio Shikida, do Ibmec, avalia que "não existe mágica" para desindexar a economia. "Você tem que diminuir a inflação para que as expectativas se ajustem. Então, deve-se estimular a competição para que os preços não ganhem inércia, o governo deve ser consistente em suas ações e discursos no que diz respeito à independência do Banco Central em buscar a meta da inflação com uma política fiscal que use métodos contábeis que não gerem dúvidas e deve-se evitar o uso de medidas populistas, por mais que a tentação seja grande (como no caso da redução de tarifas de energia elétrica)".

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