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quinta-feira, 20 de março de 2014

Onda pró-golpe é ato de "nostálgicos", diz Comissão da Verdade

Coordenador da Comissão, Pedro Dallari, teme que Forças Armadas soneguem informações e duvida de destruição de documentos

Terra
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Diante da proliferação de grupos de direita que defendem a ditadura militar (1964 - 1985) e que agora disseminam uma nova onda de ações em prol de uma intervenção no País, o coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, apontou, em entrevista ao exclusiva ao Terra, que a democracia brasileira está mais madura e não vê risco que essa movimentação se fortaleça.  “Fora alguns nostálgiscos, não vejo no Brasil nenhuma força expressiva ou nenhum tipo de grupo social mais relevante que defenda a ruptura da ordem democrática”, afirma Dallari. Entre os "nostálgicos", o advogado que atualmente lidera o colegiado, indica como exemplo o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ). Para ele, o movimento não tem força dentro dos partidos ou de lideranças mais consistentes para preocupar.

A preocupação Dallari estão concentradas na liberação de documentos por parte das Forças Armadas. São os centros de informações da Aeronáutica, Marinha e Exército que guardam as memórias da repressão política praticada durante os 21 anos de ditatura militar no Brasil, uma documentação crucial para trazer à tona a verdade sobre a política de extermínio de adversários do regime. Os “arquivos secretos da ditatura”, no entanto, ainda são classificados como secretos ou ultrassecretos e seu acesso não é permitido a grupos civis.

Esse sistema fechado se mostra como um aparente empecilho para os trabalhos da Comissão, que tem a missão de apurar as violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988. Dallari duvida que que parte significativa dos dados tenham sido destruídas, conforme declações das Forças Armadas.

Um acordo de cooperação com o Ministério da Defesa daria aos comissionados acesso a documentos dos arquivos dos centros de informação da Aeronáutica (Cisa), do Exército (CIEx) e da Marinha (Cenimar). Entretanto, não existe acesso direto e a Comissão precisa da intermediação dos militares para conseguir acesso a determinados documentos.

Mesmo com os empecilhos, Dallari diz acreditar que o prazo (já estendido) de dois anos e meio são suficientes para a execução dos trabalhos. “A Comissão não começou do zero”, afirma, acrescentando que “ela também não esgotará todo o tema.” O relatório final da Comissão deverá vir a público no dia 10 de dezembro deste ano, quando se comemora o Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Terra - O relatório final da comissão deveria ficar pronto em dois anos, mas o prazo foi estendido para o fim deste ano. Ainda houve algumas divergências entre os comissionados com substituições. O tempo para investigar a “verdade” de quatro décadas é suficiente?
Dallari - A Comissão não começou do zero. Ela se valeu de um vasto trabalho de investigação que já vinha sendo feito e que continua a ser feito por universidades, organizações sociais, pelo próprio poder público... E ela também não esgotará todo o tema.  Agora, ela representará – e o relatório dela refletirá isso – um avanço muito significativo.  Primeiro, se avançará muito na descoberta de informações, então a comissão contribuirá para robustecer o quadro informativo. E um outro aspecto importante é que o relatório não só refletirá um avanço nas investigações, mas sistematizará, a meu ver, todo um conjunto de informações disponíveis sobre as graves violações de direitos humanos no período investigado. Mesmo aquelas que não foram produzidas pela comissão.

Terra - A lei que criou a CNV incumbiu o grupo de investigar violações de direitos entre 1946 e 1988. Há muito material investigado fora do período da ditadura militar ou esse período de 1964 a 1985 tende mesmo a ser o foco das investigações?
Dallari - É evidente que a natureza ditatorial do regime de 64 acabou criando essas condições para a expansão desse quadro de violação. Então, vamos investigar o período todo, porque nós estamos submetidos à lei. A lei pede que a gente investigue de 1946 a 1988 e nós os estamos fazendo. Mas é claro que identifica, não por opção nossa, mas pela evidência dos fatos que esse quadro de violações se agudizou, se acentuou, se intensificou e foi muito mais expressivo no período correspondente ao regime ditatorial.

Terra - Informações importantes sobre violações de direitos humanos estão retidas nos arquivos dos centros de informações das Forças Armadas. Não ter acesso integral a esse material pode comprometer o relatório final da Comissão?
Dallari - Nós temos tido acesso aos documentos existentes. Ou seja, na medida em que a Comissão solicite documentos, as forças armadas têm nos dado. E designaram representantes oficiais para fazerem essa ligação com a Comissão Nacional da Verdade. O problema que se coloca é que as Forças Armadas alegam que um grande número de documentos foi destruído. Muitos documentos teriam sido destruídos e, portanto, eles não dispõem desses documentos. Aí reside o problema. Não é que as forças armadas soneguem informações. O problema está no que eles dizem que não têm mais, porque foi destruído.

Terra - Os senhores acreditam nessa versão?
Dallari - Eu confesso que eu tenho muita dúvida se esses documentos foram efetivamente destruídos. As Forças Armadas brasileiras têm uma longa história, têm um padrão de organização excelente, é uma referência. Eu viajo muito pela América Latina e constato como as Forças Armadas brasileiras são uma referência do ponto de vista de organização, de método... Portanto, eu não acredito que esses documentos tenham sido destruídos. Não me parece compatível com o padrão de organização das Forças Armadas. Aí sim, reside um problema do relacionamento da Comissão Nacional da Verdade com as Forças Armadas.

Terra - Os arquivos então continuam fechados e os senhores se utilizam de mediação...
Dallari - Nós documentamos, pedimos. Há um bom relacionamento. Eu sou muito cuidadoso nisso para não haver confusão. Não há um problema de relacionamento. A gente telefona e eles atendem. Mandamos ofício e funciona. O problema é a posição que eles assumem de que uma grande parte desse quadro foi destruída. Esse é o problema. E não é um problema de relacionamento, mas de posição institucional das Forças Armadas.

Terra - Depois de instalada, a Comissão Nacional da Verdade já expressou essa preocupação ao ministro da Defesa, Celso Amorim, ou outras autoridades competentes?
Dallari - Em uma entrevista coletiva em Brasília, nós pedimos às Forças Armadas que instaurassem comissões de sindicância para investigação da história jurídico-administrativa de sete dos principais centros de tortura. Temos demandado, sim, nos posicionando em relação a isso de maneira transparente.

Terra - O senhor acredita que novas informações sobre o período ditatorial, bem como o fato de o tema voltar a debate pode fortalecer a democracia brasileira? De que maneira?
Dallari - Eu acredito fortemente nisso. Eu acho que a Comissão e o relatório têm muita importância por duas razões. De um lado, porque ajudará na realização do direito que toda sociedade tem à memória e à verdade. Isso, por si só, já que um grande ganho para a democracia. A sociedade que conhece sua memória se protege mais de violações à democracia. Agora eu acho que outro aspecto importante será mostrar que esse quadro de quadro grave de violações de direitos humanos não foi suficientemente denunciado gera efeitos até hoje.

Terra - Quais, por exemplo?
Dallari - Eu chamo atenção, por exemplo, para a falta de maior consistência do Estado brasileiro no enfrentamento do tema da tortura, que ainda é um elemento presente na prática policial, por exemplo. Sequestros, torturas como métodos de ação da segurança pública ainda ocorrem no Brasil. O caso (do pedreiro) Amarildo (Souza, detido pela Polícia do Rio e desaparecido desde então) reproduz o que foi o padrão da época da ditadura, que é a detenção de uma pessoa, o seu desaparecimento e a ocultação do cadáver. Eu tenho para mim que a Comissão, ao expor de maneira mais sistemática a informação estará contribuindo para que se supere os resquícios que ainda existem na sociedade brasileira dessas práticas.

Terra - Tendo em vista que os senhores se debruçam bastante sobre o período ditatorial e também sobre o intervalo democrático entre regimes autoritários (de 1946 a 1964), é possível dizer que a democracia atual é mais sólida e estável?
Dallari - Sem dúvidas. O quadro democrático instaurado em 1985, confirmado com a Constituição de 1988, representa um amadurecimento em relação ao período democrático anterior, de 46 a 64, assim como aquele representou um amadurecimento em relação aos períodos democráticos que o antecederam. O País amadureceu. O País hoje tem um quadro institucional mais sólido.

Terra - Como o senhor vê o surgimento atual de grupos de direita que fazem manifestações em prol de valores tradicionais? Surpreende o senhor, se levado em consideração que o País viveu sob uma ditadura de direita por mais de vinte anos?
Dallari - Fora alguns nostálgicos, não vejo no Brasil nenhuma força expressiva ou nenhum tipo de grupo social mais relevante que defenda a ruptura da ordem democrática. Eu vejo uma ou outra fala isolada. É o deputado Bolsonaro na Câmara dos Deputados, mas eu não vejo nenhum partido político expressivo, não vejo nenhuma liderança social política de envergadura defendendo a ruptura da ordem democrática. Nesse ponto, eu acho que o quadro do Brasil é muito tranquilo, muito consolidado. O que há são manifestações de defesa do aperfeiçoamento da ordem democrática, mas isso é saudável.

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