Eles mudam de profissão, começam outra
faculdade, se divorciam, casam novamente... Conheça a nova geração de
cinquentões que, em ótima forma, é protagonista de uma das maiores
mudanças de comportamento do nosso tempo
Camila Brandalise (camila@istoe.com.br), Fabíola Perez* e Mariana Brugger*
O engenheiro Narcizo deixou o emprego em
outubro do ano passado para se aventurar em outras águas: é um feliz
calouro do curso de física da Universidade de Campinas. Já José Rubens
acorda diariamente às 4h20 para percorrer 70 quilômetros de bicicleta
com um grupo de amigos pelas vias paulistanas. Depois de uma jornada
extenuante de trabalho – há dois anos deu uma guinada na carreira –, ele
ainda encara um treino de musculação noturno. Depois de passar alguns
meses viajando sem compromisso pelo mundo, Andrea acaba de ser
contratada por uma empresa do setor de óleo e gás. Ana Maria e Elmo
namoram há apenas quatro meses, mas já nutrem um sonho em comum – querem
fazer ao menos uma viagem internacional por ano. Essas são histórias de
vitalidade, coragem e recomeços protagonizadas por pessoas no auge dos
seus 50 anos. Mais ativa do que nunca, a atual geração de cinquentões é
protagonista de uma das maiores mudanças de comportamento do nosso
tempo. “Estamos passando por uma revolução em relação ao envelhecimento
como nunca se viu antes. Não é só uma questão de viver mais tempo, mas
também com mais saúde e energia”, afirma Vern Bengtson, professor da
University of Southern California e especialista em sociologia do
envelhecimento. Com mais anos de vida pela frente, a ordem é não
diminuir o ritmo nem ter medo de mudar. “Os padrões de comportamento
sofreram alterações, por isso é mais comum pensar em novas carreiras,
novos casamentos, prática de esportes audaciosos e formas de se vestir
diferentes daquilo que se imaginava até então para os 50 anos”, afirma
Mônica Yassuda, psicóloga e professora de gerontologia da Universidade
de São Paulo.
PRAZER
Os cinquentões não ficam mais aprisionados a relacionamentos insatisfatórios.
Por isso o aumento do número de divórcios e recasamentos nessa faixa etária
Na década de 1960, a expectativa de vida no Brasil era, em média, de
50 anos. Meio século depois, essa estatística soa absurda. Primeiro
porque o dado mais recente, de 2012, saltou para 74,6 anos. Segundo
porque a realidade de quem tem 50 hoje é totalmente contrária ao que
previam as pesquisas. Caso do engenheiro agrônomo José Rubens Macedo, 56
anos, que trabalhou durante 11 anos com franquias do setor alimentício e
até hoje gerencia duas unidades de restaurantes japonês e árabe. Em
2012, porém, ele recebeu a proposta de um fundo de investimento para
abrir restaurantes em aeroportos brasileiros. “Não imaginei que uma
mudança como essa pudesse acontecer a essa altura”, diz. Para conseguir
levar adiante seus compromissos de trabalho, Macedo, que é divorciado e
pai de quatro filhos, segue à risca uma rigorosa rotina de exercícios,
que começa com 70 quilômetros diários de bicicleta, ainda de madrugada, e
termina com um treino de musculação noturno.
Nos últimos anos, é cada vez mais comum encontrar cinquentões com um
perfil semelhante ao de Macedo. Para a psicóloga Mônica Yassuda, pessoas
nessa faixa etária tendem a assumir novos desafios como uma forma de
provar a si mesmas e aos outros que são capazes de se reinventar. “É uma
maneira de driblar a velhice e reafirmar a continuidade da vida”, diz
Suzanne Braun Levine, autora do livro “A Reinvenção dos Cinquenta:
Lições de Vida para Mulheres na Segunda Adolescência”. Ela acredita que a
sociedade está assimilando essas mudanças de postura, principalmente em
relação às mulheres. “Nos tornamos mais independentes e confiantes.
Isso significa que quando entramos naquela idade considerada ‘velha’
dizemos: ‘De jeito nenhum! Ainda temos muito o que fazer’. O conceito de
envelhecimento está sendo redefinido.” Esse pensamento é o que move a
estilista Bibi Barcellos, 51 anos. “Acordo cedo para fazer exercícios e
trabalho até tarde. Me sinto com uma energia incrível. A última coisa em
que penso é me aposentar”, diz. “Brinco que minha geração não é de
cinquentonas, mas de cinquentérrimas.” Sem levantar bandeiras a favor da
quebra de estereótipos, essa turma acaba fazendo uma verdadeira
revolução do cotidiano – seja na maneira de agir, de encarar a vida ou
até no jeito de se vestir. “Estamos rompendo com tudo isso de uma
maneira meio invisível. Mas podemos notar várias mudanças em relação às
prescrições sociais que dizem respeito à idade. Há muitos homens e
mulheres cuja idade não é possível classificar. Não são velhas, mas não
são jovens, são ‘ageless’ (sem idade, em inglês)”, diz a pesquisadora
Mirian Goldenberg, autora do livro “A Bela Velhice” (Record).
A projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é
que neste ano o País tenha cerca de 21,6% de sua população com mais de
50 anos, o equivalente a cerca de 44 milhões de pessoas. Em 30 anos,
esse número vai representar 40% dos brasileiros. Essa revolução em
curso, portanto, deve ganhar mais adeptos e enfraquecer os limites de
conceitos como “meia-idade”. Se até pouco tempo atrás esse período da
vida era conhecido por marcar a quarta década de existência – uma etapa
anterior à “terceira idade” em que as pessoas costumam repensar suas
vidas –, hoje é difícil estabelecer um momento em que ele de fato
comece. O consenso é que esse marco foi atrasado. “Em 1950, quando meu
pai fez 40 anos, ele estava na meia-idade. Acho que hoje isso deve estar
entre os 50 e 55 anos”, afirma Vern Bengtson, da University of Southern
California. A mais recente pesquisa sobre o assunto foi divulgada em
agosto de 2013 pela empresa de assistência médica britânica Benenden
Health, afirmando que a meia-idade começa aos 53 anos. O levantamento
foi feito com duas mil pessoas e relacionava a meia-idade a alguns
comportamentos que especialistas da instituição consideram
característicos dessa fase da vida, como preferir uma noite com amigos a
uma balada, gastar mais dinheiro com cremes anti-idade e preferir fazer
uma caminhada em um domingo em vez de passar mais tempo na cama.
SONHO
Narcizo Sabbatini, 55 anos, deixou o trabalho como engenheiro
para estudar física na Unicamp. "Era um desejo antigo"
Na área da psicologia analítica, o psiquiatra austríaco Carl Gustav
Jung definiu a segunda metade da vida como o momento em que a pessoa se
volta para o processo de busca de caminhos próprios, não dos que os
outros ou as convenções sociais exigem. “Diferentemente de quando se é
mais jovem e estamos mais voltados para questões estruturais, de
sobrevivência, como emprego e família”, afirma a psicóloga clínica Dulce
Helena Rizzardo Briza, presidente do Instituto Junguiano de São Paulo.
Na vida de Narcizo Sabbatini, essa chave virou aos 55. Depois de
trabalhar por três décadas como engenheiro, decidiu voltar para a
faculdade e estudar física, um sonho antigo, desde a época em que foi
universitário pela primeira vez. “Deixei meu último emprego em outubro
de 2013 porque vi que o que eu fazia não me realizava mais. Já tinha
estabilidade financeira e minha família estava formada. Resolvi ir atrás
de planos deixados para trás”, diz o aluno do primeiro semestre da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Quero continuar estudando e
penso em trabalhar com pesquisas.” O número de estudantes nessa faixa
etária tem crescido muito. De 2002 a 2012, subiu 205,5%, enquanto alunos
até 49 anos tiveram um aumento de 93,3%.
ENERGIA
A rotina da estilista Bibi Barcellos inclui acordar às 5h30 diariamente para
caminhar e fazer ioga e trabalhar até de noite em seu ateliê, em São Paulo
A mudança vista na área da educação também aparece no mercado de
trabalho. Nos últimos anos, o mesmo mercado que dava preferência à mão
de obra da população jovem passou a valorizar profissionais com mais
estrada. Para o diretor-executivo da empresa de recrutamento Michael
Page, Leonardo de Souza, algumas áreas do mercado, como a indústria e a
construção civil, passaram a requisitar um número maior de profissionais
experientes. “Pessoas sêniores conseguem aliar energia com uma visão
mais ampla e madura do mercado”, diz Souza. Andrea Tavares Fonseca, 53
anos, assistiu de perto às mudanças do mercado de trabalho para a sua
geração, mas nunca teve medo de ousar. Aos 51 anos, com uma carreira
consolidada, com direito a MBA na Inglaterra, ela decidiu deixar o
emprego e viajar pelo mundo. “Estava muito cansada, não conseguia
cuidar de mim, fazia apenas coisas relacionadas à empresa”, diz. Depois
de uma longa jornada, retornou ao Brasil e foi aprovada em um processo
seletivo de uma empresa do setor de óleo e gás. “Não foi um processo
fácil, mas, independentemente da idade, o importante é ter coragem e
planejamento para buscar aquilo em que acreditamos.”
Na vida pessoal, os tabus em relação a relacionamentos e sexualidade
também caem por terra. “As opções aumentaram e os julgamentos morais
diminuíram. Como consequência, muitas pessoas não se sentem mais
aprisionadas a escolhas do passado. Não gosta do seu casamento? Mude”,
afirma o cientista social britânico Chris Middleton, coautor do livro
“Pense Jovem: o Mais Bem Guardado Segredo para a Juventude Eterna”
(Ediouro). A empresária Maria José Mosquini, 55 anos, e o servidor Elmo
Lima, 54 anos, namoram há quatro meses. Eles são o retrato de uma nova
geração que acredita que a idade não é impedimento para começar uma
relação. “É muito complicado dar o primeiro passo e voltar a namorar,
mas quero construir minha família de novo”, diz Maria José, que já
planeja fazer uma viagem por ano ao Exterior com o namorado. O sexo
também está muito mais vibrante nessa faixa etária. “Esse processo de
perceber que ainda vai viver muito tempo começou a mudar a maneira de as
pessoas mais velhas encararem o sexo. Além disso, aos 50 a pessoa já
sabe bem o que gosta e o que não gosta. É mais prazeroso”, afirma a
sexóloga Carmita Abdo.
VITALIDADE
Ana Carvalhais, 51 anos, começou a fazer exercícios por recomendação médica,
para se livrar da depressão. Hoje maratonista e dançarina, é exemplo para a filha de 23 anos
O bem-estar físico, tanto no que diz respeito à saúde quanto à
aparência, é uma das maiores preocupações entre os cinquentões, segundo
Mônica Yassuda, da USP. “Observo uma grande valorização das atividades
físicas, da psicoterapia e da meditação”, afirma. Foram os exercícios
aeróbicos e a dança que ajudaram a dona de casa Ana Maria Carvalhais, 51
anos, a superar uma crise de depressão. Ela começou a praticar
exercícios físicos por recomendação médica e logo já era uma
participante de maratonas, além de ter iniciado a filha de 23 anos na
prática esportiva. “Sinto que ainda tenho muita coisa para viver”, diz,
recuperada. Segundo Salo Buksman, geriatra da Sociedade Brasileira de
Geriatria e Gerontologia, o conceito mais forte é o de promoção da
saúde. “Quem tem 50 hoje pode ser tão saudável quanto alguém com 30, 40.
Mas não pode esperar uma doença aparecer. Precisa começar a se cuidar
cedo. O exercício físico faz aumentar as reservas respiratórias,
cardíacas e cognitivas. Atenua o peso da idade no físico e na mente”,
afirma.
A pesquisa “Melhor Idade” realizada em agosto do ano passado pela
Nielsen revelou o potencial que a nova geração de 50 anos possui como
mercado consumidor. O estudo mostra que essa faixa etária já representa
38% dos lares no Brasil e é responsável por 40% das despesas de casa. “É
um consumidor muito ativo, com preferências consolidadas”, diz
Jefferson Silva, gerente de homescan da Nielsen. De acordo com a
pesquisa, o grupo que mais cresce é o de “maduros bem-sucedidos”, ou
seja, a população com mais de 50 anos que tem boas perspectivas para o
futuro, emprego estável, economias e planejamento a longo prazo. Um dos
setores que essa faixa etária mais movimenta é o de turismo. Prova disso
é que a Student Travel Bureau, uma das maiores agências de intercâmbio
do País, oferece programas específicos para ela. Segundo o presidente,
José Carlos Hauer Santos Júnior, cerca de 15% dos interessados em fazer
viagens internacionais possuem mais de 50 anos. “Começamos a criar
programas específicos, como de arte contemporânea, culinária, vinhos e,
então, surgiram as viagens em família”, diz Santos Júnior. Mudando
sutilmente a sociedade em que vivem com suas ações e novos
comportamentos, a geração dos 50 deixa um legado para as próximas. Os
pais e avós de hoje comprovam diariamente que tudo é possível, em
qualquer idade.
*fabiola.perez@istoe.com.br, marianabrugger@istoe.com.br
Fotos:
Pedro Dias/AG. ISTOÉ; DIVULGAÇÃO; Renato Rocha Miranda/TV Globo; Marcio
Nunes/TV Globo; Paula Giolito/Folhapress; Marcelo Liso /AFBpress/AG.
ISTOÉ, João Castellano/AG. ISTOÉ, Rogério Cassimiro; Masao Goto
Filho/Ag. IstoÉ
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