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terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

COMO NOS FILMES DE ESPIÕES

O Mossad, o serviço secreto de Israel, é acusado de matar um líder do grupo Hamas. Por que isso gerou uma crise diplomática internacional
Juliano Machado
O terrorista morre silenciosamente sufocado por um travesseiro no quarto de um hotel de luxo de Dubai e os funcionários só dão conta do que aconteceu no dia seguinte, porque ele não foi fazer o check-out. O enredo parece de filme de James Bond, não fosse o personagem bem real. A vítima em questão era o palestino Mahmoud al-Mabhouh, comandante militar do Hamas, grupo islâmico radical que controla a Faixa de Gaza.
As circunstâncias do crime, ocorrido em 19 de janeiro, já sugeriam uma ação de espionagem. Nas imagens das câmeras de segurança do hotel Al-Bustan, captadas no dia do crime, homens com roupas de jogadores de tênis e outros com perucas e bigodes postiços aparecem seguindo Al-Mabhouh, inclusive ao lado de seu quarto. Com o terrorista morto, a porta foi trancada do lado de dentro. Na semana passada, a polícia de Dubai tornou pública uma suspeita que já existia e acusou o Mossad, o serviço secreto de Israel no exterior.
Há alguns motivos para a suspeita. Al-Mabhouh era um dos homens mais procurados por Israel. Acusado de comandar o tráfico de armas por meio de túneis em Gaza, ele fora o mentor assumido do sequestro e assassinato de dois soldados israelenses em 1989. Outro indício contra o Mossad é que os 11 suspeitos de envolvimento no assassinato de Al-Mabhouh entraram no emirado com passaportes adulterados – as identidades são reais, mas as fotos foram trocadas. Dos seis britânicos entre os 11 da lista, ao menos três vivem em Israel e afirmaram não ter ido a Dubai na época do crime – assim como os outros cidadãos cujos nomes apareceram como suspeitos (três irlandeses, um americano e um francês). Forjar passaportes de nacionalidades com trânsito fácil é uma prática recorrente do Mossad em suas operações de execução de inimigos. Em 1997, dois agentes foram presos na Jordânia com documentos canadenses falsos após uma tentativa de matar Khalid Meshal, hoje líder do Hamas. Dez anos antes, Londres se queixara a Tel Aviv sobre falsificação de documentos britânicos por autoridades israelenses. Recebeu desculpas e a promessa de que isso não ocorreria mais.
O crime, segundo um especialista, tem a marca do Mossad: a placa “Não perturbe” na porta do quarto
A morte de Al-Mabhouh gerou uma nova crise entre os dois países. O governo britânico pediu explicações ao embaixador israelense em Londres, Ron Prosor, e o premiê Gordon Brown cobrou comprometimento de Tel Aviv para elucidar o crime. É pouco provável que o governo israelense se esforce ou mesmo restrinja o trabalho de seus espiões. “A população tem um grande respeito pelo Mossad, e as suspeitas que recaem sobre Israel não são suficientes como prova num tribunal”, afirma Yossi Melman, especialista em serviços de inteligência de Israel.
O ministro israelense de Relações Exteriores, Avigdor Lieberman, limitou-se a dizer que usaria a “política da ambiguidade”, ou seja, não negaria nem admitiria a participação do Mossad. Israel sabe que poucos vão se queixar da morte de Al-Mahbouh, visto como ameaça por países árabes moderados. Há até suspeitas de que dois palestinos ligados à Fatah, facção rival do Hamas, estejam envolvidos.
Em artigo ao jornal Daily Telegraph, o escritor galês Gordon Thomas, talvez o maior especialista sobre Mossad no mundo, diz não ter dúvidas da participação do serviço secreto, com autorização do premiê Binyamin Netanyahu. O crime, segundo ele, teve uma “assinatura” conhecida do Mossad. Ao saírem do quarto de Al-Mabhouh, provavelmente imobilizado por choque elétrico antes de ser sufocado na cama, os agentes deixaram a plaquinha de “Não perturbe” na porta. É o que Israel costuma pedir quando seus espiões eliminam um inimigo.

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