O governo quer criar três estatais: uma de fertilizantes, uma de telecomunicação e uma de energia. Nenhuma é necessária. Existe um fundo, da época da privatização, de mais de R$ 8 bilhões, para financiar os serviços de comunicação em áreas pouco econômicas. Na energia, o governo controla 70% da geração. O setor de fertilizantes está mais nacional: a Vale acaba de comprar a Bunge.
O presidente Lula disse ao “Estadão”: “Não existe hipótese na minha cabeça de você ter um Estado gerenciador.” A ministra Dilma disse à “Época” que “Nos anos 50, o Estado empresário tinha lá sua função”.
O que será que eles estão fazendo com estas convicções agora que decidiram aumentar a presença do Estado em três frentes ao mesmo tempo? Isso é um divórcio litigioso entre palavras e atos.
Eles perseguem um modelo que passou e é inútil. A ampliação dos serviços de banda larga pode ser financiada pelo Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telefonia) e pode ser induzida por regulação.
A Lei Geral de Telecomunicações criou o Fust para cobrir os gastos de quaisquer novos serviços cuja oferta para população mais distante e de baixa renda fosse antieconômica. O fundo subsidiaria isso. Hoje, ele recolhe em torno de R$ 700 milhões por ano e, em dez anos, já tem um estoque de mais de R$ 8 bilhões que não é usado para nada, exceto para fazer superávit primário.
Ele é capitalizado com parte da receita líquida das empresas de telefonia e uma participação nas receitas das outorgas. Em 2000, o governo passado preparou um programa que instalaria computadores e internet nas escolas. O PT entrou na Justiça e no TCU (Tribunal de Contas da União) alegando que era um programa eleitoreiro.
Conseguiu interromper a licitação. Nunca tocou o projeto, e as escolas brasileiras perderam 10 anos.
Anos atrás se falou em usar o Fust para financiar a disseminação da banda larga.
E agora, no apagar das luzes, o governo Lula passou a falar em ressuscitar a Telebrás, que vai herdar uma rede de fibra óptica de uma empresa que faliu para ampliar a banda larga. A confusão que o governo está fazendo é que a internet de alta velocidade não é um serviço de comunicação à parte.
É parte dos outros serviços de comunicação, seja telefonia fixa, seja TV a cabo. Em São Paulo, dos 645 municípios só 80 têm TV a cabo e há oito anos o governo não oferece novas licenças.
Com o Fust, boa regulação, agilidade na licitação de novos serviços o governo poderia ampliar o número de domicílios com banda larga, que hoje não passa de 16 milhões dos 55 milhões de domicílios brasileiros. Certamente não é com uma nova estatal que se fará isso.
Na época da privatização, a regulação obrigou as empresas a espalharem orelhões pelo Brasil inteiro. Parece incrível, mas eles eram uma raridade. Hoje, os orelhões raramente são necessários, mas naqueles tempos pré-históricos da telefonia estatal, nem isso a Telebrás tinha oferecido ao consumidor.
No setor de fertilizantes é o seguinte: a Fosfértil, Ultrafértil e outras empresas de matéria-prima eram da Petrobrás. Foram privatizadas e o setor passou a ter uma grande participação de empresas estrangeiras. A Vale acaba de comprar a Bunge, que era dona da Fosfértil; a Petrobrás continua importante no setor por controlar matérias-primas de fertilizantes nitrogenados, vindos do Nafta. Assim, as duas empresas brasileiras, uma estatal e uma privada, controlam a maior parte das matérias-primas básicas: fosfato, ureia e amônia. O cloreto de potássio o Brasil nunca teve, por isso sempre importou.
O governo não explicou como será a Fertilizantes do Brasil. O setor tem três estágios: produção de matériaprima, processamento, e os misturadores. As declarações do ministro Edison Lobão são de que seria uma empresa para atuar na produção de matéria-prima e no produto final. Ninguém entendeu muito bem, talvez nem ele. Já o ministro Reinhold Stephanes disse que a empresa teria uma estrutura “pequena, enxuta e simples”.
Acredite se quiser.
No passado, o setor dava prejuízo porque dependendo da época e do cliente o governo determinava que a Petrobras fornecesse o produto subsidiado. Hoje, tem uma grande empresa do setor à venda, a Copebrás. A Anglo American está pedindo um preço alto demais e não conseguiu ainda vender.
No setor elétrico é ainda mais insana a compulsão estatal do governo Lula porque a maioria da geração já está nas mãos das empresas estatais e 56% da transmissão. Das 10 maiores geradoras, oito são estatais.
Elas também têm grande parte do capital de todos os grandes projetos como Santo Antônio e Jirau.
As grandes empresas privadas só foram para este projeto porque as estatais e o dinheiro do BNDES foram juntos. A Petrobras é dona ou grande acionista de inúmeras termelétricas, e é monopolista no fornecimento de matéria-prima.
O presidente da República disse o seguinte ao “Estado de S. Paulo”: “Quero criar uma megaempresa de energia no país. Quero uma empresa que seja multinacional, que tenha capacidade de assumir empréstimos lá fora, de fazer obras lá fora e aqui dentro. Se a gente não tiver uma empresa que tenha cacife de dizer ‘se vocês não forem, eu vou’, a gente fica refém das poucas empresas que querem disputar o mercado.
Então nós queremos uma Eletrobrás forte para construir parceria com outras empresas. Não queremos ser donos de nada.” O governo já é dono da Eletrobrás, Eletronorte, Chesf, Furnas, Itaipu, sem falar na Petrobras. E quer uma empresa forte de energia? E ao mesmo tempo não quer ser dono de nada? O raciocínio do presidente Lula é tortuoso e agride os fatos.-Míriam Leitão
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