O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, garante que não se incomoda com o número cada vez maior de "caciques" envolvidos na política externa brasileira. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem fala frequentemente, faz um périplo internacional. E seu antecessor no Itamaraty, o ex-chanceler Celso Amorim, acaba de ser nomeado para a pasta da Defesa. Segundo Patriota, só há uma "cacica" nessa área dentro do governo: a presidente Dilma Rousseff. Aos 57 anos, fã de rock, especialmente da banda inglesa Radiohead, o chanceler já fez 36 viagens em sete meses. Ele e a mulher, Tânia, americana naturalizada brasileira, com quem tem dois filhos, moram em países diferentes. Funcionária da ONU, ela vive em Bogotá, mas os dois sempre dão um jeito de se encontrar uma vez por mês. Em entrevista ao GLOBO na última sexta-feira, ele revelou que a diplomacia brasileira já manteve contatos com a oposição na Líbia, embora não tenha reconhecido o grupo rebelde como governo legítimo, a exemplo do que fizeram cerca de 40 países. E lembrou que, nos próximos dias, enviará à Síria o subsecretário para Oriente Médio do Itamaraty, Paulo Cordeiro.
Eliane Oliveira, Helena Celestino e Sandra Cohen
Nestes sete meses em que o senhor está à frente do Itamaraty, qual a diferença entre a atual política externa e a do governo Lula?
ANTONIO PATRIOTA: Estamos trabalhando sob o signo da continuidade. Foi o que o eleitor brasileiro decidiu. O que nós realizamos é sobre uma base construída durante o governo Lula, e eu estive muito associado a ele nos últimos oito anos. Mas é claro que existem nuances e desafios colocados pela própria evolução da agenda internacional. O Brasil é um país que tem a capacidade de aliar realismo, pragmatismo e idealismo. No realismo, nós vemos a marca da presidenta Dilma quando ela recomenda e nos instrui a dar muita importância à cooperação em áreas que aumentem a competitividade industrial brasileira. E idealismo com a promoção da democracia e dos direitos humanos, do combate à fome e à pobreza, e de um sistema internacional que funcione.
A posição do Brasil em relação à Síria é realismo ou idealismo?
PATRIOTA: Uma combinação dos dois. Se não fosse a atuação de países como o Brasil, era possível que a paralisia do Conselho de Segurança tivesse perdurado. Havia duas posturas maximalistas que se neutralizavam mutuamente. Uma, no sentido de condenação, ameaça de sanções, das potências ocidentais; e a outra de recusa de deliberação sobre um assunto que chegou até a ser considerado exclusivamente de âmbito interno, que não ameaçaria a paz e a segurança internacional e, portanto, não seria legítimo o Conselho de Segurança votá-lo. Nós não subscrevemos essa postura, inclusive porque a instabilidade na Síria já está gerando fluxo de refugiados. É uma região altamente volátil e qualquer coisa que aconteça na Síria pode ter um impacto sobre a situação entre Israel e Palestina, focos de maior tensão internacional. De modo que foi a partir da postura, em particular do Brasil, que se vislumbrou a possibilidade de uma manifestação do conselho. Acho que havia urgência, devido à escalada da violência - um padrão de repressão levando a mortes que eu mesmo descrevi como inaceitável e que requeria uma manifestação do Conselho de Segurança.
O senhor acha possível o diálogo, uma vez que a situação só tem se agravado?
PATRIOTA: A situação é muito complexa. Não existe clareza absoluta sobre quem é responsável pelo quê. Há pouca informação saindo da Síria, uma espécie de bloqueio jornalístico e de informação com o exterior. Segundo nossas fontes em Damasco, existe o reconhecimento de que há centenas de manifestantes armados. Outro elemento complexo é que não há um porta-voz da oposição, como entre os rebeldes na Líbia. O governo Assad tem adotado posturas absolutamente condenáveis. O Brasil votou a favor da condenação das violações. Mas também reconhece que, diferentemente do regime de Kadafi, o de Assad tem ao menos declarado a intenção de fazer reformas e estabelecer um diálogo nacional.
Quem irá participar, por parte do governo brasileiro, da missão do Ibas (grupo que inclui Brasil, Índia e África do Sul) à Síria nos próximos dias?
PATRIOTA: O subsecretário responsável pelo Oriente Médio, embaixador Paulo Cordeiro. A visita a Damasco não deve ser interpretada como qualquer legitimação das atitudes represessoras. É importante demonstrar o engajamento do Brasil na busca e no apoio às forças que possam levar a uma interrupção da violência e a progressos institucionais e políticos.
Em relação à Líbia, o Brasil vai reconhecer os rebeldes, como fizeram EUA, Reino Unido e França?
PATRIOTA: O Brasil é um país aberto ao diálogo. Uma minoria de países ocidentais reconheceu o CNT (Conselho Nacional de Transição) como governo legítimo da Líbia. Há dificuldades do ponto de vista logístico, porque eles não ocupam a sede do governo líbio. Ocupam uma província, e a grande maioria da comunidade internacional reconhece o atual governo. Estaremos abertos ao diálogo com diferentes interlocutores.
O Brasil chegou a estabelecer diálogo com os rebeldes?
PATRIOTA: Sim. Na verdade, nosso embaixador no Egito (Cesário Melantonio Neto) esteve com representantes dos rebeldes em Benghazi.
Desde que começaram os conflitos no Norte da África, o governo brasileiro manteve contatos com os presidentes da Síria e da Líbia?
PATRIOTA: Com Assad e Kadafi diretamente não, mas com seus representantes e representantes das oposições.
Diante disso, não estaria havendo um esvaziamento da ONU no cenário internacional?
PATRIOTA: De certa forma, eu poderia concordar em parte com essa análise que aponta para uma certa inoperância da ONU. O Conselho de Segurança não é feito para autorizar intervenções militares a torto e a direito. Costumo dizer que a primeira responsabilidade de um país, ou de um órgão, quando se trata da promoção da paz e da segurança internacional é não piorar uma situação. A timidez não deve ser condenada em si mesmo. Ela pode ser o caminho possível numa situação complexa. Se firmeza for equacionada com sanções, ações punitivas e intervenção militar, isso também será contraproducente.
Não faltou um apoio mais veemente dos EUA a uma vaga para o Brasil no Conselho de Segurança, assim como foi feito com Índia e Japão?
PATRIOTA: A manifestação do presidente Barack Obama, em sua visita ao Brasil, é um progresso importante. Eu consideraria como uma manifestação que contribui para avançar nossa proposta, que é a ampliação nas duas categorias de membros. O que os EUA estão dizendo, essencialmente, é que eles consideram legítimas as aspirações de Índia e Brasil.
Até quando o Brasil manterá tropas no Haiti?
PATRIOTA: O próximo relatório da ONU deve recomendar a redução do número de efetivos. Uma das possibilidades é que as tropas da Minustah se concentrem em Porto Príncipe e comecem a ser retiradas. Esse debate ocorrerá em outubro.
O ex-presidente Lula tem feito um périplo em outros países. Como o Itamaraty vê essa diplomacia paralela e informal?
PATRIOTA: Eu não diria paralela, porque ela é coordenada com a política externa da presidenta Dilma Rousseff. Por exemplo, ela nomeou o ex-presidente Lula como seu enviado especial à cúpula da União Africana, na Guiné Equatorial. Outras iniciativas que ele possa tomar são sempre em coordenação com o Itamaraty, de uma forma muito transparente. Ele me telefona frequentemente. É uma atividade que reforça a presença internacional do Brasil. Hoje em dia há uma demanda enorme pelo Brasil no mundo inteiro. O fato de termos um ex-presidente que é respeitado e benquisto no mundo, viajando e contribuindo para atender essa demanda, é um trunfo.
E quanto ao assessor internacional da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia?
PATRIOTA: Considero-me um amigo do Marco Aurélio Garcia. Desenvolvemos uma interlocução baseada na confiança. Além do conhecimento acadêmico - é um professor de renome - ele tem uma vivência muito grande da organização política de toda a nossa vizinhança. Ele nos presta uma assessoria muito útil e também desempenha um papel com outros assessores internacionais ao redor do mundo.
Recentemente, a Comissão de Direitos Humanos da OEA pediu a suspensão do processo de construção da usina de Belo Monte, no Pará. O que aconteceu depois disso?
PATRIOTA: Tivemos uma reação muito forte, que despertou em muitos outros países um sentimento semelhante, desde a Venezuela à Colômbia, ao Peru e outros. Como consequência, na Assembleia Geral de El Salvador, decidiu-se fortalecer o sistema de defesa de direitos humanos, o que significa examinar as práticas, ver se não está havendo deslizes, derrapagens, pronunciamentos indevidos e precipitados, uma série de situações.
Qual é a contribuição que o senhor espera para a Defesa do novo ministro Celso Amorim?
PATRIOTA: Ele traz uma experiência extraordinária sobretudo na vertente internacional. Hoje em dia, o Ministério da Defesa tem uma grande importância nas operações de paz. Ele foi embaixador nas Nações Unidas, conhece muito bem a situação do Haiti. É um grande entusiasta da integração sul-americana, é um grande especialista em não proliferação e desarmamento.
Não vai ter muito cacique nessa área?
PATRIOTA: O que há é uma "cacica", a presidente Dilma, que tem grande capacidade de liderança, de articulação e que aprofunda os assuntos, que rege essa orquestra. É bom que tenha muitos virtuoses numa orquestra. A presidente é quem dá o tom.
Depois do vazamento dos telegramas do WikiLeaks, que tipo de precaução o senhor toma ao conversar com as autoridades americanas?
PATRIOTA: O WikiLeaks mostrou de forma muito eloquente a importância da confidencialidade em certas trocas de informação e a importância de uma certa disciplina por parte do diplomata. Equador e México retiraram embaixadores dos EUA em decorrência do WikiLeaks. Se um vazamento pode levar a um estremecimento dessa ordem, que depois cria um vácuo de comunicação, é relevante. Eu sempre tomei muito cuidado. Email com endereço coletivo, por exemplo, é sempre perigoso.
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