O que pode ter levado ao disparo do míssil que derrubou o avião da Malaysia Airlines no leste da Ucrânia, matando 298 pessoas
Mariana Queiroz Barboza (mariana.barboza@istoe.com.br)
As tensões
entre Rússia e Ucrânia, que começaram com protestos de rua em novembro,
já resultaram na renúncia de um presidente, na anexação da Crimeia pelos
russos e em intensos combates que, há quatro meses, desestabilizam o
leste do país. Mas, na quinta-feira 18, um elemento novo e
surpreendentemente cruel foi adicionado à disputa: a queda de um avião
da Malaysia Airlines – a mesma responsável pelo voo MH379 que
desapareceu em março –, numa área controlada por rebeldes separatistas
da autoproclamada República Popular de Donetsk (RPD). A aeronave foi
abatida muito provavelmente por um míssil terrestre originário de um
sistema chamado Buk, que tanto o Exército russo quanto o ucraniano
possuem. Desenvolvido pela antiga União Soviética, ele atinge alvos numa
altitude entre 11 mil e 30 mil metros. Os rebeldes negam ter um sistema
antimísseis tão sofisticado e admitem que o aparato que têm à
disposição é incapaz de lançar um míssil acima de 4 mil metros, mas há
relatos da mídia estatal russa (não confirmados por outras fontes) de
que, no fim de junho, os rebeldes de Donetsk capturaram uma instalação
antiaérea ucraniana. Quem, afinal, atacaria um avião comercial
insuspeito, com 298 pessoas a bordo, que trafegava num espaço aéreo sem
restrições?
Para a Ucrânia e para os Estados Unidos,
não há dúvidas de que foram os rebeldes. Petro Poroshenko, presidente da
Ucrânia, apressou-se em classificar o fato como um “ato terrorista”, em
referência aos separatistas da região. O presidente americano, Barack
Obama, classificou a tragédia como um “ultraje de proporções
indizíveis.” De acordo com o jornal ucraniano Kyiv Post, em conversas
interceptadas pela agência de segurança nacional, um dos líderes da RPD,
Igor Bezler, teria assumido a um oficial da inteligência militar russa a
derrubada de um avião, 20 minutos depois da queda do MH17. A gravação
dá a entender que eles pensavam ser uma aeronave militar ucraniana e
ficaram surpresos ao perceber que era um transporte civil. O líder
separatista, então, descreve os escombros, os corpos de mulheres e
crianças, e itens encontrados, como toalhas e remédios. Em outro trecho,
um militante identificado como Nikolay Kozitsin sugere que havia
espiões a bordo e afirma: “Eles não deveriam estar voando. Há uma guerra
acontecendo.”
DESESPERO E DOR
Familiares de passageiros do avião da Malaysia Airlines se desesperam
com a confirmação da derrubada da aeronave
Especialistas dizem que não é incomum
aviões sobrevoarem zonas em conflito. O MH17 estava a 10 mil metros.
“Ele seguia uma rota autorizada e conhecida e, até aquele momento, os
combatentes na área não haviam demonstrado a capacidade de atirar
mísseis a esse alcance,” disse à ISTOÉ Kevin Ryan, diretor de Defesa e
Projetos de Inteligência do Centro Belfer para Ciência e Assuntos
Internacionais, da Universidade de Harvard. Já na quinta-feira 17, as
companhias aéreas que trafegam na tradicional via L980, que liga a
Europa à Ásia, redirecionaram seus voos para evitar o espaço aéreo
ucraniano. Desde abril, a Organização da Aviação Civil Internacional,
ligada à ONU, alerta as empresas sobre o espaço aéreo que cobre a
Crimeia por causa de disputas entre a Rússia e a Ucrânia. Na semana
passada, Kiev acusou Moscou de participação na derrubada de outros dois
aviões, um AN-26 e um caça SU-25 ucranianos – o que foi considerado
“absurdo” pelo Ministério da Defesa da Rússia. A derrubada do MH17 seria
o primeiro desastre relacionado ao conflito na região envolvendo um
avião comercial.
Ao fazer essas acusações, a Ucrânia assume
que o Kremlin desempenha papel ativo no apoio aos separatistas. Embora a
Rússia negue, seus rivais suspeitam que o país forneça armamentos e
veículos militares aos rebeldes, e enfatizam que os principais líderes
dos militantes têm nacionalidade russa. “Não é um acidente que a Rússia
tenha enviado pessoas-chave à Ucrânia para desestabilizar não só o país,
mas a região toda”, disse à ISTOÉ Kristina Wilfore, cientista política e
ex-diretora do escritório na Ucrânia da ONG americana National
Democratic Institute. “Putin poderia encerrar esse conflito num dia ao
dizer aos separatistas apoiados pela Rússia no leste da Ucrânia que
parem e ao deixar de enviar dinheiros e armas.” Na quarta-feira 16, os
EUA e a União Europeia anunciaram uma nova rodada de sanções mais duras
contra a Rússia por seu engajamento no conflito separatista e evidências
de que seu suporte aos rebeldes cresceu no último mês. Caças russos
também teriam sido responsáveis por um ataque que matou 11 pessoas na
cidade de Snizhne, na região de Donetsk, na terça-feira 15.
DESTROÇOS
A queda do avião da Malaysia Airlines deixou corpos e destroços espalhados
por um raio de 15 quilômetros na região da cidade de Grabovo, leste da Ucrânia
A agência russa RIA Novosti, em
contrapartida, disse que, no dia anterior à queda do MH17, o Exército
ucraniano deslocou sistemas de defesa aérea para as proximidades da
cidade de Donetsk. Não seria o primeiro incidente envolvendo as Forças
Armadas do país, já que, em 2001, a Ucrânia derrubou um avião da
Siberian Airlines, que ia de Tel Aviv, em Israel, a Novosibirsk, na
Rússia, de forma acidental, matando as 78 pessoas a bordo. Um míssil foi
disparado durante exercícios militares enquanto a aeronave sobrevoava o
Mar Negro. Outra agência russa, a Interfax, sugeriu que Putin seria o
alvo, porque o voo da Malaysia Airlines seguia uma rota semelhante à do
jato que o levava de volta a Moscou. Ainda é incerto como as
investigações serão conduzidas nas próximas semanas e os
constrangimentos diplomáticos que produzirão numa região tão disputada.
Representantes da Força Aérea ucraniana relataram dificuldades para
chegar ao local dos destroços. Uma caixa-preta ficou com os
separatistas, que prometeram entregá-la à Rússia, e a outra foi
encontrada por equipes de resgate. Um cessar-fogo humanitário foi
negociado para colaborar com as investigações.
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