Por que Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, teme julgar Fernandinho Beira-Mar, criminoso criado na região, como foi determinado pelo Tribunal de Justiça do Rio
Wilson Aquino (waquino@istoe.com.br)
Nos últimos
dias, Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense, tem vivido dias
de medo. Não dos altos índices de violência da cidade ou das ações do
Comando Vermelho, sangrenta facção criminosa que atua na região. É um
medo específico, motivado pela recente decisão do Tribunal de Justiça
(TJ) do Rio de Janeiro para que o julgamento de um dos crimes cometidos
pelo traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, um dos
bandidos mais perigosos do País, aconteça no Fórum da cidade. O TJ
determinou que a data seja marcada até, no máximo, 9 de agosto, quando o
criminoso vai a júri popular. Os cidadãos de Caxias têm dois temores:
primeiro, de receber uma convocação para compor o corpo de jurados; e,
segundo, de alguma ação violenta por parte do bando de Beira-Mar, que
ameaça resgatar o chefe à força de balas. Preso desde 2002, o traficante
está, atualmente, detido na prisão de segurança máxima de Catanduvas
(PR) e já tem mais de 200 anos de penas somadas. Também há polêmica no
meio jurídico sobre a decisão do TJ.
VINGANÇA
Beira-Mar (acima) apavora os cidadãos da cidade. Morador (abaixo),
criado na mesma favela que o bandido, teme morrer se condenar o traficante
A acusação que levará Beira-Mar ao banco
dos réus, desta vez, é de tortura e assassinato de Michel Anderson
Nascimento dos Santos, 21 anos, que teria tido um caso com uma de suas
ex-namoradas. O crime, ocorrido em Caxias, foi gravado em escuta pela
Polícia Federal, em 1999: do Paraguai, onde estava foragido na fazenda
de um produtor de droga, o traficante dá ordens a um comparsa, a quem
chama de Bomba, para cortar as mãos, os pés e as orelhas da vítima.
“Está vendo o que dá se meter com mulher de vagabundo?”, pergunta ele ao
rapaz que se esvai em sangue. Impiedoso, insinua que, se o infeliz
comer uma de suas próprias orelhas, poderá se safar. Após se divertir
com o episódio, ordena que Bomba mate o homem, mas não gaste muitas
balas. E fica no telefone contando os tiros – seis – desferidos. Quem
não pensaria mil vezes antes de ficar cara a cara com esse criminoso e
condená-lo?
Um funcionário público da rede estadual,
que integra o conselho de sentença e participou de julgamentos de grupos
de extermínio da região, disse à ISTOÉ que, se for convocado, não vai.
“Eu também sou da Beira-Mar (pequena favela situada entre as margens da
Rodovia Washington Luís e os fundos da Baía de Guanabara). Julguei até o
“Paulinho Dedo Nervoso”, que era um grande matador de Caxias, mas não
me sinto seguro para condenar esse réu. Eu tenho família, preciso
continuar vivo”, afirmou. Todos os que compõem o conselho são moradores
do município e, igualmente, têm medo de participar do júri. “Quero saber
quando vai ser o julgamento porque nesse dia eu vou viajar para fora da
cidade”, diz um comerciante do bairro 25 de Agosto. Pelas ruas de
Caxias, onde o bandido nasceu, cresceu e construiu seu império do crime,
ISTOÉ ouviu depoimentos similares. “Se insistirem em colocar gente
daqui para julgar Fernandinho Beira-Mar, não vai ter quórum”, diz outro
morador. “As pessoas preferem depois se entender com a Justiça a
encará-lo em um tribunal.”
POSIÇÃO
A Justiça de Caxias pediu três vezes ao TJ para que o julgamento do
bandido por assassinato não ocorresse na cidade: todos foram negados
“O Fernandinho Beira-Mar ainda é um
espectro vivo em Caxias. O nome dele ronda e amedronta a cidade”,
explica o ex-comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro, coronel
Mário Sérgio Duarte, atual secretário de Políticas de Segurança de
Caxias. Além do temor dos jurados, outra contraindicação à realização do
julgamento no município é a vulnerabilidade do Fórum, que fica rodeado
por várias comunidades comandadas por Beira-Mar e colado à favela
“Inferninho”, reduto do bandido. “O maior receio é que a estrutura do
tráfico possa se aproveitar de um lugar tão frágil para tentar o resgate
dele”, adverte o coronel Duarte. Policiais militares também não
escondem o temor. “Se a gente embicar a viatura na entrada da favela,
leva tiro. A bandidagem da Beira-Mar tem um monte de fuzil e eu não
duvido nada que eles tentem resgatar o patrão deles”, disse um PM à
ISTOÉ.
Na área jurídica, há polêmica. O juiz da 4ª
Vara Criminal de Duque de Caxias, Adriano Loureiro Binato de Castro,
expôs seus argumentos para pedir ao TJ a transferência do julgamento
para a Comarca da capital. “Não existe imparcialidade suficiente no
corpo de jurados. A fama do réu acarreta um grande pavor na população
local”, escreveu o magistrado, que também alega falta de estrutura. Como
não há campo de pouso para aeronaves em Caxias, o deslocamento do
bandido teria que ser feito perigosamente de carro. Um relatório da
Diretoria-Geral de Segurança Institucional do TJ/RJ já alertou sobre os
riscos. “A realização de um júri com a presença do réu nas instalações
do Fórum seria inviável, pois o mesmo teria que chegar de carro, sendo
todo o Fórum cercado por comunidades comandadas pelo acusado, tornando
muito provável a chance de tentativa de resgate do mesmo, tanto no
trajeto como dentro das instalações, o que levaria a risco de todos que
aqui trabalham ou estão em seu interior”, diz o texto.
MOTIVO
O coronel Mário Sérgio Duarte, secretário de Políticas
de Segurança de Caxias, teme que comparsas de
Beira-Mar tentem resgatá-lo durante o julgamento
Um juiz carioca que vive sob proteção
policial em função das ameaças de traficantes e milicianos disse à ISTOÉ
que o pedido de transferência de julgamento de um Fórum para outro tem
fundamento, mas que entende a decisão recente do TJ. “A mudança acontece
quando existe grave risco à instrução processual ou quebra da
imparcialidade. São regras subjetivas que têm de se encaixar em
situações concretas. Ou seja: a tendência é autorizar a transferência
somente mediante fato concreto e não diante de vago temor ou fama do
acusado”, diz o magistrado. Já o presidente da Comissão de Segurança
Pública da Ordem dos Advogados do Rio (OAB-RJ), Breno Melaragno, acha
que se deve levar em conta o medo da população. “O Código de Processo
Penal diz que o réu tem que ser julgado pela sociedade do local onde ele
cometeu o crime, mas, nesse caso, o temor dos jurados compromete a
parcialidade e a viabilidade do julgamento e a lei prevê a transferência
de Fórum justamente quando os jurados podem ser parciais, tanto pela
condenação quanto pela absolvição do réu”, afirmou Melaragno. A Justiça
de Caxias já tentou transferir o julgamento de Beira-Mar para outra
Comarca três vezes (em 2007, 2011 e agora) e teve todos os pedidos
negados. Segundo um juiz ouvido por ISTOÉ, que pediu anonimato, não
cabe mais apelação. A data, bem como o esquema de segurança a ser
montado, deverá ser mantida em sigilo.
Fernandinho Beira-Mar é um dos bandidos
mais temidos do País. Recentemente, comandou os ataques às sedes da ONG
Afro-Reggae nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio. Em 2002, liderou
uma rebelião que durou 23 horas dentro do presídio de segurança máxima
Bangu 1, durante a qual ateou fogo em seu rival Ernaldo Pinto de
Medeiros, conhecido como Uê, além de executar três comparsas. A
sangrenta cena foi reproduzida no filme “Tropa de Elite 2”.
Colaborou Mariana Brugger
Fotos: REUTERS/Jose Miguel Gomez; Alvinho Duarte/Fotoarena
Fotos: REUTERS/Jose Miguel Gomez; Alvinho Duarte/Fotoarena
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