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domingo, 6 de julho de 2014

Zé Dirceu bate ponto

A nova vida do ex-presidente do PT, que já foi ministro forte de Lula e agora trabalha temporariamente como arquivista num escritório de advocacia

Izabelle Torres (izabelle@istoe.com.br)
Faltavam dez minutos para as 8 horas da manhã da quinta-feira 3 quando José Dirceu, condenado pelo mensalão a sete anos e 11 meses de prisão, deixou o Centro de Progressão Penitenciária (CPP) para trabalhar. Foi a primeira vez que o petista saiu da cadeia desde que se entregou à Polícia Federal, no dia 15 de novembro de 2013. Com 16 quilos a menos, um semblante abatido e carregando nas mãos o livro do curso técnico de assistente jurídico que está fazendo na prisão – cujas principais disciplinas são sobre ética e hierarquia em escritórios de advocacia –, Dirceu seguiu para o escritório do amigo José Gerardo Grossi, na região central de Brasília. Lá começaria a cumprir a nova tarefa: a de arquivista temporário. Em seu novo trabalho, o petista ficou responsável por catalogar os livros do patrão, uma atividade frugal para quem é formado em direito e que, em 2003, foi o principal ministro do governo Lula, ao comandar a Casa Civil. Pelo serviço, receberá R$ 2,1 mil por mês. Bem comportado, o petista chegou meia hora antes do expediente, o que lhe rendeu elogios do novo chefe. “Bom funcionário, chegou antes”, disse. Enquanto aguardava a abertura do escritório, ao lado de um assessor e da advogada, o ex-ministro sacou o celular e comentou com um interlocutor sobre a saída da cadeia. “Muita mídia, mas sem problema”, afirmou. A presença do ex-ministro da Casa Civil no prédio e a dezena de jornalistas que se aglomerava na rua chamaram a atenção de outros funcionários, que foram até a portaria do edifício ver o que acontecia ali. Grossi, que também advoga para o deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG), acusado de ser o principal beneficiário do chamado mensalão mineiro, foi o primeiro a se manifestar sobre a nova rotina do ex-capitão do time de Lula. Segundo ele, a empolgação e a excitação do ex-ministro com o novo trabalho ficaram evidentes. “Imagine um passarinho preso, que de repente se vê livre”, comparou.
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Quinta-feira, 3 de junho, 7h50: Dirceu deixa o Centro de Progressão
Penitenciária (CPP) para começar a nova rotina de trabalho fora da cadeia
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Conforme apurou a reportagem de ISTOÉ, Dirceu foi bem recepcionado pelos colegas de trabalho. Ninguém ousou falar sobre o processo do mensalão ou o período dele na cadeia. No fim do dia, porém, o ex-ministro ouviu um desabafo no mínimo constrangedor de um funcionário do edifício onde Dirceu terá de bater ponto a partir de agora. “Fala sério, José Dirceu, o crime vale a pena”, afirmou. O petista fechou a cara e não respondeu. Durante a maior parte do tempo em que esteve no escritório, conversou com Grossi. “Falamos abobrinhas”, tentou despistar o experiente advogado. Na verdade, Dirceu ouviu do novo patrão conselhos para se afastar das articulações políticas enquanto cumpre a pena. Antes de ser preso, o ex-ministro mantinha contratos milionários com empresas internacionais e influenciava nas decisões do PT. Numa das conversas com Dirceu, Grossi lembrou a ele que é preciso se preservar e evitar contato direto com o mundo político, uma vez que a imprensa irá acompanhar cada passo do preso mais famoso do País. Dirceu ouviu e concordou.
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8h15 O petista se identifica na portaria do prédio, onde fica o novo local de
trabalho, e sobe para o escritório. Adiantado, encontrou as portas da sala
fechadas. O novo chefe elogiou: "Bom funcionário, chegou antes", disse
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No meio da tarde, o novo funcionário do escritório de advocacia pediu um lanche e uma vitamina de frutas porque queria evitar o assédio da imprensa que cercava o prédio no horário do almoço. Depois de comer, o petista fez perguntas detalhadas sobre como deveria se portar no trabalho, sobretudo nos horários de folga. Para a satisfação de Dirceu, as visitas não seguem uma regra específica e não há nenhuma proibição de familiares e amigos dele frequentarem o escritório. Mas uma informação repassada ao condenado do mensalão em seu primeiro dia de trabalho, depois do julgamento, o decepcionou: a de que em dias de jogos do Brasil não há expediente no escritório. Dessa forma, Dirceu teve de retornar ao Centro de Progressão Penitenciária no dia do confronto da Seleção Brasileira com a Colômbia. Dirceu também não gostou de saber que não poderá dar telefonemas pessoais e não terá acesso irrestrito à internet, fazendo uso desses instrumentos apenas para assuntos de trabalho. As duas restrições fazem parte de um acerto de Grossi com a Justiça. Caso contrário, não receberia autorização para empregar o mensaleiro.
A volta do ex-ministro ao trabalho aconteceu um dia depois da aposentadoria do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, do cargo de ministro e de relator do inquérito do mensalão. Em maio, Barbosa negou o direito aos mensaleiros presos de realizar trabalhos externos, alegando que era preciso o cumprimento de pelo menos um sexto da pena antes de receber o benefício. A decisão criou um alvoroço no meio jurídico e levou advogados a protestarem abertamente sobre o efeito cascata que a proibição causaria para mais de 100 mil presos que hoje cumprem pena no regime semiaberto. Barbosa foi além da decisão. Ao negar pela segunda vez o pedido de Dirceu, disse que a proposta de Gerardo Grossi de empregar o ex-ministro da Casa Civil de Lula era uma “ação entre amigos” e que não contribuía em nada com o objetivo de ressocialização do preso. Sua decisão foi derrotada por nove votos a um no plenário do Supremo Tribunal Federal, depois de provocar um manifesto de desagravo da advocacia em defesa de Grossi.
No mesmo dia em que Dirceu saiu para trabalhar, outros presos que tinham sido autorizados a fazer trabalhos externos e depois tiveram o direito suspenso pelo presidente do STF retornaram às ruas. O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares foi recebido calorosamente pelos dirigentes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), onde deu expediente até maio, quando Barbosa decidiu suspender o direito. Valdemar Costa Neto, ex-deputado que ainda exerce influência decisiva no PR, voltou à cozinha industrial de um restaurante, e o Bispo Rodrigues retornou a uma rádio pertencente à Igreja Universal.
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REGRESSO
À cut O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares voltou a trabalhar na Central
Única dos Trabalhadores, onde deu expediente até maio
No início da noite, por volta das 19 horas, Dirceu, a bordo de uma camionete de luxo, e os demais condenados do mensalão regressaram à Ala E do Centro de Progressão Penitenciária, onde permanecem com outros 20 presos, que ocupam a área de um galpão reservado a prisioneiros considerados vulneráveis, seja pela profissão que desempenhavam, seja pela popularidade, o caso dos mensaleiros. As celas são bem mais confortáveis do que as da Papuda, onde Dirceu estava preso até a quarta-feira 2. Agora contam com treliches, água quente e vasos de louça. Como chegam ao centro apenas para dormir, os presos não devem mais fazer as refeições na cadeia.
O direito a realizar trabalho externo representa uma melhoria considerável na vida dos condenados do mensalão. Eles não precisam mais usar uniformes de presidiários, podem ficar fora da cadeia durante todo o período de expediente indicado no pedido de trabalho externo e, finalmente, podem circular nas ruas, desde que não ultrapassem 100 metros de distância do local de trabalho.
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Fotos: Adriano Machado/Ag. Istoé, DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

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