A nova vida do ex-presidente do PT, que já foi ministro forte de Lula e agora trabalha temporariamente como arquivista num escritório de advocacia
Izabelle Torres (izabelle@istoe.com.br)
Faltavam dez
minutos para as 8 horas da manhã da quinta-feira 3 quando José Dirceu,
condenado pelo mensalão a sete anos e 11 meses de prisão, deixou o
Centro de Progressão Penitenciária (CPP) para trabalhar. Foi a primeira
vez que o petista saiu da cadeia desde que se entregou à Polícia
Federal, no dia 15 de novembro de 2013. Com 16 quilos a menos, um
semblante abatido e carregando nas mãos o livro do curso técnico de
assistente jurídico que está fazendo na prisão – cujas principais
disciplinas são sobre ética e hierarquia em escritórios de advocacia –,
Dirceu seguiu para o escritório do amigo José Gerardo Grossi, na região
central de Brasília. Lá começaria a cumprir a nova tarefa: a de
arquivista temporário. Em seu novo trabalho, o petista ficou responsável
por catalogar os livros do patrão, uma atividade frugal para quem é
formado em direito e que, em 2003, foi o principal ministro do governo
Lula, ao comandar a Casa Civil. Pelo serviço, receberá R$ 2,1 mil por
mês. Bem comportado, o petista chegou meia hora antes do expediente, o
que lhe rendeu elogios do novo chefe. “Bom funcionário, chegou antes”,
disse. Enquanto aguardava a abertura do escritório, ao lado de um
assessor e da advogada, o ex-ministro sacou o celular e comentou com um
interlocutor sobre a saída da cadeia. “Muita mídia, mas sem problema”,
afirmou. A presença do ex-ministro da Casa Civil no prédio e a dezena de
jornalistas que se aglomerava na rua chamaram a atenção de outros
funcionários, que foram até a portaria do edifício ver o que acontecia
ali. Grossi, que também advoga para o deputado Eduardo Azeredo
(PSDB-MG), acusado de ser o principal beneficiário do chamado mensalão
mineiro, foi o primeiro a se manifestar sobre a nova rotina do
ex-capitão do time de Lula. Segundo ele, a empolgação e a excitação do
ex-ministro com o novo trabalho ficaram evidentes. “Imagine um
passarinho preso, que de repente se vê livre”, comparou.
Quinta-feira, 3 de junho, 7h50: Dirceu deixa o Centro de Progressão
Penitenciária (CPP) para começar a nova rotina de trabalho fora da cadeia
Conforme apurou a reportagem de ISTOÉ,
Dirceu foi bem recepcionado pelos colegas de trabalho. Ninguém ousou
falar sobre o processo do mensalão ou o período dele na cadeia. No fim
do dia, porém, o ex-ministro ouviu um desabafo no mínimo constrangedor
de um funcionário do edifício onde Dirceu terá de bater ponto a partir
de agora. “Fala sério, José Dirceu, o crime vale a pena”, afirmou. O
petista fechou a cara e não respondeu. Durante a maior parte do tempo em
que esteve no escritório, conversou com Grossi. “Falamos abobrinhas”,
tentou despistar o experiente advogado. Na verdade, Dirceu ouviu do novo
patrão conselhos para se afastar das articulações políticas enquanto
cumpre a pena. Antes de ser preso, o ex-ministro mantinha contratos
milionários com empresas internacionais e influenciava nas decisões do
PT. Numa das conversas com Dirceu, Grossi lembrou a ele que é preciso se
preservar e evitar contato direto com o mundo político, uma vez que a
imprensa irá acompanhar cada passo do preso mais famoso do País. Dirceu
ouviu e concordou.
8h15 O petista se identifica na portaria do prédio, onde fica o novo local de
trabalho, e sobe para o escritório. Adiantado, encontrou as portas da sala
fechadas. O novo chefe elogiou: "Bom funcionário, chegou antes", disse
No meio da tarde, o novo funcionário do
escritório de advocacia pediu um lanche e uma vitamina de frutas porque
queria evitar o assédio da imprensa que cercava o prédio no horário do
almoço. Depois de comer, o petista fez perguntas detalhadas sobre como
deveria se portar no trabalho, sobretudo nos horários de folga. Para a
satisfação de Dirceu, as visitas não seguem uma regra específica e não
há nenhuma proibição de familiares e amigos dele frequentarem o
escritório. Mas uma informação repassada ao condenado do mensalão em seu
primeiro dia de trabalho, depois do julgamento, o decepcionou: a de que
em dias de jogos do Brasil não há expediente no escritório. Dessa
forma, Dirceu teve de retornar ao Centro de Progressão Penitenciária no
dia do confronto da Seleção Brasileira com a Colômbia. Dirceu também não
gostou de saber que não poderá dar telefonemas pessoais e não terá
acesso irrestrito à internet, fazendo uso desses instrumentos apenas
para assuntos de trabalho. As duas restrições fazem parte de um acerto
de Grossi com a Justiça. Caso contrário, não receberia autorização para
empregar o mensaleiro.
A volta do ex-ministro ao trabalho
aconteceu um dia depois da aposentadoria do presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, do cargo de ministro e de
relator do inquérito do mensalão. Em maio, Barbosa negou o direito aos
mensaleiros presos de realizar trabalhos externos, alegando que era
preciso o cumprimento de pelo menos um sexto da pena antes de receber o
benefício. A decisão criou um alvoroço no meio jurídico e levou
advogados a protestarem abertamente sobre o efeito cascata que a
proibição causaria para mais de 100 mil presos que hoje cumprem pena no
regime semiaberto. Barbosa foi além da decisão. Ao negar pela segunda
vez o pedido de Dirceu, disse que a proposta de Gerardo Grossi de
empregar o ex-ministro da Casa Civil de Lula era uma “ação entre
amigos” e que não contribuía em nada com o objetivo de ressocialização
do preso. Sua decisão foi derrotada por nove votos a um no plenário do
Supremo Tribunal Federal, depois de provocar um manifesto de desagravo
da advocacia em defesa de Grossi.
No mesmo dia em que Dirceu saiu para
trabalhar, outros presos que tinham sido autorizados a fazer trabalhos
externos e depois tiveram o direito suspenso pelo presidente do STF
retornaram às ruas. O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares foi recebido
calorosamente pelos dirigentes da Central Única dos Trabalhadores (CUT),
onde deu expediente até maio, quando Barbosa decidiu suspender o
direito. Valdemar Costa Neto, ex-deputado que ainda exerce influência
decisiva no PR, voltou à cozinha industrial de um restaurante, e o Bispo
Rodrigues retornou a uma rádio pertencente à Igreja Universal.
REGRESSO
À cut O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares voltou a trabalhar na Central
Única dos Trabalhadores, onde deu expediente até maio
No início da noite, por volta das 19 horas,
Dirceu, a bordo de uma camionete de luxo, e os demais condenados do
mensalão regressaram à Ala E do Centro de Progressão Penitenciária, onde
permanecem com outros 20 presos, que ocupam a área de um galpão
reservado a prisioneiros considerados vulneráveis, seja pela profissão
que desempenhavam, seja pela popularidade, o caso dos mensaleiros. As
celas são bem mais confortáveis do que as da Papuda, onde Dirceu estava
preso até a quarta-feira 2. Agora contam com treliches, água quente e
vasos de louça. Como chegam ao centro apenas para dormir, os presos não
devem mais fazer as refeições na cadeia.
O direito a realizar trabalho externo
representa uma melhoria considerável na vida dos condenados do mensalão.
Eles não precisam mais usar uniformes de presidiários, podem ficar fora
da cadeia durante todo o período de expediente indicado no pedido de
trabalho externo e, finalmente, podem circular nas ruas, desde que não
ultrapassem 100 metros de distância do local de trabalho.
Fotos: Adriano Machado/Ag. Istoé, DIDA SAMPAIO/ESTADÃO
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