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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Miguel, o fraudador

Um dos coordenadores do esquema Agnelo Queiroz no Esporte, Miguel Santos Souza é especialista em criar empresas fantasmas e ONGs fajutas para desviar dinheiro público. Ele atuou em cinco ministérios, na Câmara, no Exército e até no STF

Claudio Dantas Sequeira

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OPERADOR
No organograma da corrupção no Esporte, Miguel
Santos Souza é um dos cabeças do esquema

Ao montar o esquema que drenou milhões do Ministério do Esporte para os cofres do PCdoB, o atual governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), recorreu a um especialista. Trata-se do comerciante maranhense Miguel Santos Souza, 56 anos, uma espécie de empresário do setor de fraudes, muito requisitado em Brasília. Homem assíduo de gabinetes de ministros e parlamentares e visto com regularidade em licitações públicas na Esplanada, Miguel opera há mais de dez anos uma verdadeira fábrica de empresas laranjas usadas em contratos e convênios com o governo. ISTOÉ descobriu que várias dessas empresas, mesmo incluídas na lista negra de fornecedores da União, conseguiram entrar em pelo menos cinco ministérios comandados pelo PT e base aliada. Também abocanharam contratos no STF, na Câmara e no Exército. Miguel operou até para o ex-governador do DF José Roberto Arruda, que foi obrigado a renunciar no ano passado depois de ser flagrado em vídeo recebendo propina. Miguel e Arruda são réus num processo que corre na Justiça de Goiás. Documentos em poder do Ministério Público, obtidos por ISTOÉ, revelam que o atual operador de Agnelo fraudou convênio com o Incra e repassou parte do dinheiro para o caixa 2 da campanha de Arruda a deputado federal em 2002.

O organograma do esquema de Agnelo, revelado por ISTOÉ na última edição, ensejou um pedido de convocação para o governador do DF depor na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados. Na organização, Miguel Santos Souza ocupa o cargo de coordenador do núcleo de fraudes, responsável por criar empresas e recrutar ONGs. As falcatruas são tantas que parlamentares, com base na reportagem de capa de ISTOÉ feita semana passada, passaram a articular, além do depoimento de Agnelo, a abertura de uma CPI para apurar os desvios do programa Segundo Tempo. Miguel está diretamente ligado ao PM João Dias, homem de confiança de Agnelo. Assim como o PM, que ergueu uma mansão e comprou carros esportivos com dinheiro des­viado, Miguel também investiu. Comprou uma chácara no Lago Norte, com cascata e viveiro de animais raros, um apartamento no Plano Piloto e um prédio de quitinetes, que utiliza como sede de suas empresas-fantasmas. O comerciante também é um dos donos da construtora Citel. Na semana passada, a reportagem procurou Miguel em todos os seus endereços. Só conseguiu localizá-lo em Alagoas, para onde foi depois que surgiram as denúncias envolvendo seu nome. Ele negou ter participado dos desvios no Segundo Tempo e se irritou quando questionado sobre o processo que responde na Justiça ao lado de Arruda. “É tudo uma grande mentira”, disse.

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À PF, no entanto, o comerciante e outros integrantes da quadrilha que fraudaram o Incra deram detalhes de como tudo funcionava – e ainda funciona. Miguel, segundo o inquérito, criou a Policom Comercial e Serviços. A empresa venceu licitação, previamente acertada, para construir casas populares num assentamento em Valparaíso de Goiás. Do contrato de R$ 1,3 milhão, segundo a PF, R$ 200 mil foram gastos com material de construção. O resto foi desviado e dividido entre os integrantes. O ex-superintendente do Incra Josias Júlio do Nascimento, falecido no ano passado, repassou parte da verba para José Roberto Arruda, então senador. “Do total do contrato, 5% seria utilizado como fundo de campanha do senador Arruda no próximo pleito”, disse o próprio Miguel à PF. Segundo outro depoente, Luiz Romildo de Mello, “Josias havia levado cerca de R$ 100 mil”. Romildo de Mello é o contador que aparece no organograma do esquema de Agnelo, a serviço de Miguel. Em seu depoimento, ele conta que Miguel passou um tempo “sumido” após o flagrante da PF e depois abriu outra empresa, a HP Distribuidora e Serviços, com a qual continuou a operar licitações.

A HP vem a ser uma das empresas que forneceram notas fiscais frias nas prestações de contas dos convênios do programa Segundo Tempo. Além dela, Miguel criou a Infinita e a JG Comércio de Alimentos, todas funcionando no mesmo apartamento da quadra 711 da Asa Norte, em Brasília. A JG também usava como laranja o motorista Geraldo Nascimento de Andrade, que gravou o vídeo mostrado por ISTOÉ na semana passada com as denúncias contra Agnelo. Levantamento da ISTOÉ revela que essas três empresas (HP, JG e Infinita) foram usadas pelo operador diversas vezes e não apenas no Esporte. Desde que foi criada em 2001, por Miguel, para despistar os órgãos de controle, a HP venceu várias licitações públicas tanto no plano federal como municipal. Na Infraero, abocanhou contrato de R$ 225 mil em 2003. A Madepa Madeiras, que ajudou a fraudar o Incra, fechou contratos com a Câmara dos Deputados, a AGU e o Dnit. O Ministério da Justiça, por exemplo, contratou a JG Comércio, em 2007, para fornecer 150 canis móveis para abrigar os cães farejadores usados pela PF na segurança dos Jogos Pan-Americanos de 2007. Valor do contrato: R$ 135 mil.

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PATRIMÔNIO
Nos últimos dez anos, o operador de Agnelo enriqueceu. Comprou uma chácara no Lago
Norte, com cascata e viveiro de animais raros, um prédio de quitinetes e criou a construtora Citel

Ligações políticas à parte, a JG Comércio de Alimentos também foi contratada pela Polícia Rodoviária Federal, sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça, que repassou à empresa-fantasma mais de R$ 300 mil, entre 2006 e 2007. A JG tem contratos ou foi subcontratada em convênios com os ministérios da Saúde, Ciência e Tecnologia, Trabalho e Desenvolvimento Social. Também conseguiu entrar no STF e até no Exército – como fornecedor da missão de paz no Haiti. Para se ter uma ideia da ousadia de Miguel, as três empresas que ele criou aparecem juntas em convênio de 2006, entre o Ministério da Saúde e o município de Charqueada, em São Paulo, para o fornecimento de equipamentos hospitalares. Na CPI do programa Segundo Tempo, que a oposição pretende convocar no Congresso, muito mais poderá vir à tona sobre a atuação do operador Miguel Santos Souza. E de seus poderosos clientes.

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