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segunda-feira, 1 de março de 2010

Direitos desprezados

Ao adiar por até quatro meses o pagamento de R$ 9 bilhões que deve a cidadãos e empresas que conquistaram na Justiça, em caráter definitivo, o direito de receber esses valores, o governo Lula demonstrou, mais uma vez, o pouco respeito que tem por seus credores - comportamento que, em parte, foi convalidado pela Emenda Constitucional nº 62, de dezembro de 2009, não sem razão apelidada de "a emenda do calote". Mas conseguiu o que queria: melhorou o resultado de suas contas.A fragilidade dessas contas, em razão da queda da arrecadação provocada pela crise e pelos benefícios tributários concedidos no ano passado, provocava dúvidas sobre a sustentabilidade da política fiscal nos investidores que aplicam em papéis da dívida pública. Em janeiro do ano passado, por exemplo, o superávit primário do governo central ficou em R$ 3,977 bilhões e, em dezembro, em R$ 1,699 bilhão.A evolução das contas do governo, com a lenta recuperação das receitas - apesar dos artifícios utilizados nos últimos meses, como a contabilização de depósitos judiciais como receitas correntes - e o crescimento ininterrupto das despesas, especialmente com a folha de pagamentos, apontavam para a deterioração da política fiscal.Mas, como fez em outras situações semelhantes, o governo Lula encontrou um meio para esconder resultados fiscais decepcionantes. No mês passado, não pagou os precatórios - como são conhecidas as dívidas do Poder Público reconhecidas judicialmente - devidos no ano e que, desde 2007, vinha pagando em janeiro. O resultado foi um superávit primário muito alto, de R$ 13,906 bilhões, o equivalente a 5,22% do PIB, contra 1,66% do PIB em janeiro do ano passado. O saldo do mês passado cobre mais de três quartos da meta de R$ 18 bilhões para o primeiro quadrimestre.Muitos gostaram desse resultado, interpretado como uma possível reversão na tendência das contas públicas. Não se contesta a necessidade do governo de obter resultados fiscais cada vez melhores, para evitar desequilíbrios futuros. O que se põe em questão é o método escolhido pelo governo do PT para apresentar números melhores de suas finanças.É preciso, sim, cortar muitas despesas, mas de maneira definitiva, para compensar parcialmente o inevitável crescimento das despesas em razão de medidas adotadas nos últimos anos na área de pessoal, com aumentos reais para todas as categorias que, em algumas carreiras ou funções, chegam perto de 200% nos últimos sete anos.Com o adiamento do pagamento dos precatórios, além de utilizar uma medida de efeito temporário, o governo puniu milhares de cidadãos e empresas que legitimamente esperavam dispor em janeiro do dinheiro a que têm direito - e pelo qual esperam há muitos anos.A lista dos credores do governo inclui os detentores de créditos alimentícios, ou seja, cidadãos que têm direito a receber salários e aposentadorias atrasados. Na lista estão também os que contestaram na Justiça os valores das indenizações oferecidas pelo governo e ganharam a causa. Todos esperam há muito tempo para receber o que o governo lhes deve, e terão de esperar um pouco mais.É mais uma medida prejudicial aos titulares de precatórios, cuja forma de pagamento foi definida pela Emenda Constitucional nº 62. Ela fixou mínimos obrigatórios do orçamento público para o pagamento dos precatórios, o que parece ser uma vantagem para o credor. Mas o mínimo obrigatório é muito baixo, de modo que, em certos casos, o pagamento se estenderá por um prazo longo demais. Além disso, o governo, em qualquer nível, poderá abater, do valor a ser pago ao detentor do precatório, dívida que ele eventualmente tenha com o Tesouro do qual é também credor (do precatório).O governo ganhará também com os leilões dos precatórios, nos quais poderá quitar a dívida com grande desconto. Podem participar dos leilões todos os interessados, independentemente do lugar que ocupem na fila do pagamento. Assim, embora mantenha o princípio do pagamento segundo a ordem de apresentação dos precatórios, a emenda permite desrespeitar a ordem.Mesmo com tantas vantagens em relação aos credores, o governo Lula não teve dúvidas em puni-los. O acerto das contas públicas é necessário, mas seu custo não pode ser repassado para o mais fraco.

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