Ele nem sabe bem como essa paixão começou. Mas a curiosidade sobre a participação do pai na Força Expedicionária Brasileira (FEB), o contingente de 25 mil brasileiros que lutou na Segunda Guerra, certamente foi a fagulha. Colecionador de capacetes, uniformes, material militar — “menos armas, que eu não curto” — e dono de dois jipes da época, guardados em Araras, o baterista João Barone, dos Paralamas do Sucesso, já perdeu a conta do número de livros que comprou sobre o conflito, uma verdadeira convulsão planetária que redefiniu a geopolítica no século XX.
Mesmo sem ter cursado História, João virou especialista no tema, e, no ano em que se celebram os 65 anos do fim da guerra, ele dará curso sobre ela no POP — a partir do próximo dia 10. Na semana passada, o músico recebeu quatro alunos do 3º ano da Escola Parque para um bate-papo sobre a verdadeira dimensão da participação brasileira nos combates.
— Hoje não se valoriza a contribuição dos nossos pracinhas por uma espécie de ressaca da ditadura. No regime militar ela foi glorificada, e veteranos da Segunda Guerra foram arquitetos da ditadura. A esquerda, por outro lado, sempre associou nossa participação à subserviência aos Estados Unidos. Então, para além dessa disputa ideológica, é preciso entender que ir à guerra foi a nossa entrada no século XX — ele diz.
STEFANO BRAVO (17 ANOS): Seu pai (que trabalhava nos Correios) foi chamado para ir à guerra... Não havia exército formal, estruturado?
JOÃO BARONE: Era defasado na doutrina e nos equipamentos. E menos da metade dos 25 mil enviados era da caserna. A meta inicial era levarmos cem mil, mas não conseguimos chegar a tal número de homens fortes o bastante. Não tínhamos armas, equipamentos ou mesmo botas ou casacos para enfrentar o frio por lá. A FAB (Força Aérea Brasileira) operou com 20 aviões, ligada ao Esquadrão 350 da Força Aérea Americana. Aliás, o Brasil só entrou mesmo na guerra pela necessidade dos americanos de ter um ponto estratégico (em Natal) para combater os alemães do marechal Rommel no norte da África.
ALEXANDRE AUGUSTO DOS SANTOS FILHO (18 ANOS): Por que Getúlio Vargas escolheu entrar na guerra ao lado dos aliados, e não com Hitler, se ele era um ditador de perfil fascista?
BARONE: Ele tinha mesmo simpatia pelo fascismo, entregou Olga Benário (judia alemã, companheira do comunista brasileiro Luís Carlos Prestes) aos alemães, ficou em cima do muro o quanto pôde. A Alemanha era potência industrial, influenciava os regimes de direita. Vargas procurou aliança com eles, aqui havia a maior colônia alemã do mundo. Mas os EUA começaram a assediar o Brasil, deram a siderúrgica de Volta Redonda, intensificaram a cooperação militar. Até então o Exército Brasileiro tinha um modelo francês...
THOMÁS JAGODA (17 ANOS): Além disso, nessa época, houve o episódio dos navios brasileiros afundados por submarinos alemães... Exatamente. E a lenda de que os americanos é que teriam afundado os submarinos para forçar o Brasil a entrar do seu lado é balela. Os alemães sempre foram muito sistemáticos, anotavam tudo. E há registros dos torpedeamentos dos navios brasileiros. O Brasil já mandava muita matéria-prima pelo mar para os Estados Unidos. O afundamento dos navios mercantes, não militares, matou quase mil pessoas, muitos idosos, mulheres, crianças. Foi puro terrorismo, causou comoção aqui e precipitou a entrada.
LUCAS ASSIS (17 ANOS): Então era inevitável ir à guerra?
BARONE: Ainda se debate a real necessidade. Se não tivéssemos ido, 476 brasileiros não teriam morrido por lá, mas isso virou moeda de troca para o país entrar no bonde do século XX. Foi a escolha por um modelo americano, capitalista. A Itália, para onde fomos mandados em cima da hora, já que os soldados saíram daqui sem saber para onde iriam, era front secundário quando chegamos. Paris já havia sido libertada em agosto. Chegamos em setembro e ficamos distraindo os alemães, enquanto americanos e russos já se dirigiam à Alemanha. De alguma forma, ajudamos a pôr um tijolinho no esforço de guerra.
LUCAS: Há uma ideia de que os soldados brasileiros eram queridos na Itália. É verdade? E qual a ideia que o mundo tem sobre a nossa participação?
BARONE: O mundo não sabe que fomos à guerra. Isso tem a ver com o valor que nós mesmos damos a essa história. Mas os brasileiros são muito lembrados na Itália. Americanos e ingleses não interagiam tanto com a população local. Do pouco que meu pai falava, o mais terrível era que a população não tinha comida, remédio... A FEB promovia jantares coletivos, dava atenção. Ano passado estive em várias vilas italianas rodando meu próximo documentário (ele já tem um, “Um brasileiro no Dia D”), e há placas, estátuas e praças para nossas tropas.
ALEXANDRE: O Brasil libertou mesmo cidades importantes, como Milão?
BARONE: Não. Os alemães já tinham saído quando chegamos. Mas os pracinhas ajudaram na retomada de Turim.
ALEXANDRE: Vargas esperava ter uma participação importante no pós-guerra?
BARONE: O país acabou se inserindo mais internacionalmente, tendo um pouco mais de influência nas Américas, mas não teve força política para apitar muito, quando a ONU foi criada, por isso ficamos de fora do Conselho de Segurança. O próprio general americano Mark Clark, comandante do 5º Exército, escreveu nas suas memórias que esperava um papel mais ativo do país. Mas não rolou.
LUCAS: Além da CSN e da grana americana, que outras vantagens tecnológicas tivemos por participar do conflito?
BARONE: Não diria que só tecnológicas. Foi a escolha por um modelo. Teve a política da boa vizinhança americana, que trouxe a Coca-Cola, o chiclete, o Orson Welles. Tudo isso tem um approach ingênuo, mas mostra o padrão cultural que chegou e foi bem aceito. Todo mundo queria ser americano, usar jeans, dirigir seu automóvel, ter TV... A CSN em si também propiciou a industrialização do país.
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